O COLISEU DOS RECREIOS VISTO NO FINAL DO SÉCULO XIX
Já nos ocupámos aqui do estudo de Henry Lionnet sobre os teatros portugueses, escrito, recordo, em francês e publicado, em Paris no ano de 1898: “Le Théâtre au Portugal”, (2ª edição, Paul Ollendorf ed. 28 bis Rue de Richelieu). Recordo ainda que as cerca de 300 páginas do volume, adquirido num alfarrabista, contêm 45 imagens e fotografias de teatros, autores e atores. Como então escrevemos, trata-se efetivamente de uma raridade, quanto mais não seja pela importância que é aqui atribuída ao teatro escrito e representado sobretudo em Lisboa e no Porto, com referências por vezes detalhadas e devidamente ilustradas aos teatros portugueses mais relevantes na época.
Como vimos no artigo anterior sobre o tema, trata-se de um levantamento analítico do teatro e dos teatros, dos dramaturgos e dos artistas que na época atuavam sobretudo em Lisboa e no Porto, com gravuras de edifícios, salas, cartazes, programas e atores e atrizes, e com destaque, no que se refere às gravuras de edifícios, plantas de interior, cartazes e programas, para o D. Maria II, Ginásio, Trindade e Coliseu dos Recreios em Lisboa e para o D. Afonso e Príncipe Real, no Porto.
Isto, no que se refere, como como foi dito, aos teatros propriamente ditos. Porque as restantes gravuras são como vimos de atrizes e atores em cena, num variedade de peças devidamente identificadas e muitas vezes analisadas ao longo do texto. Os atores e atrizes evocados são da ordem das centenas. E farei aqui um destaque, pois se trata de uma então muito jovem atriz que, dezenas de anos depois, ainda vi tantas vezes representar como decana do Teatro Nacional - Palmira Bastos, já qualificada no livro de Henry Lyonnet como “primeira atriz do Teatro da Trindade” e isto, insista-se, em 1898!
E recordo designadamente o último grande sucesso de Palmira, “As Árvores Morrem de Pé”, de Alexandre Casona, no D. Maria II, mais de 60 anos decorridos!
Mas voltando aos teatros, o livro refere designadamente os seguintes, com os comentários e apreciações aqui transcritas no artigo anterior:
«O Teatro D. Maria II para a alta comédia e o drama. O Teatro do Ginásio para a comédia e o vaudeville. O Teatro da Trindade para a opereta, e momentaneamente para a comédia e o drama. O Teatro da Rua dos Condes para a opereta e a revista. O Teatro do Príncipe Real para o drama e a revista popular.
O Teatro da Avenida para a opereta popular e a revista. O Teatro São Carlos (Ópera) não está aberto senão algumas semanas no inverno, para uma companhia de ópera italiana e o Teatro Dona Amélia para as companhias de passagem, ópera italiana e zarzuela espanhola.
No Porto:
O Teatro do Príncipe Real, reservado à comédia, ao drama, à opereta. O Teatro D. Afonso à opereta e à revista. O novo Teatro Carlos Alberto estreia-se com uma opereta. O Teatro da Trindade – quando está aberto – apresenta peças populares. O Teatro S. João alberga a ópera italiana». (fim de citação)
Estas apreciações são desenvolvidas ao longo do livro. Mas, tal como escrevi no artigo anterior, justifica-se ainda uma referência ao livro de Henry Lyonnet, designadamente no que respeita ao Coliseu dos Recreios, que lhe merece aliás um capitulo autónomo. E ao contrário das restantes, a referência ao Coliseu, em si mesma interessante, surge “prejudicada” pela confusão do espetáculo em si, mas sobretudo pelas dificuldades em confirmar o acesso à sala, numa récita de apoio a viúvas e órfãos organizada pela então relevante Associação de Imprensa.
A organização terá sido caótica. E a descrição da sala que aqui resumimos, é no mínimo ambígua:
«A sala, muito vasta, construída sobretudo tendo em vista o circo, surge-nos simultaneamente enorme e elegante. Cobre-a uma cúpula metálica. Quando à cena, mal se distingue, impercetível, num canto, fazendo face à tribuna real, imensa, desproporcionada, enquanto 102 camarotes distribuídos em duas filas, espalham-se em redor. Por cima destes camarotes, um vasto “promenoir” onde a multidão se acumula, de pé. Por baixo (...), um imenso anfiteatro onde se acumulam três mil espetadores. Estas últimos lugares chama-se a geral. E tudo isto, eta noite, está cheio a transbordar. A geral, em particular oferece uma imagem extraordinária; os espetadores, apertados, comprimidos uns sobre os outros, não podem mesmo sentar-se e mantêm-se de pé. Deste ajuntamento inaudito, ouvem-se cada momento gritos, imprecações, palavras ordinárias - sempre as mesmas - insistindo até à obsessão. Tudo isto a dois passos de senhores de fato escuro e damas de elegantes toiletes de noite!»
Assim seria o Coliseu no final do século XIX!
DUARTE IVO CRUZ