O PORTUGAL FUTURO DE RUY BELO…
TU CÁ TU LÁ
COM O PATRIMÓNIO
Diário de Agosto * Número 27
Ao relermos Ruy Belo, encontramos uma inesperada definição de Património Cultural, não como reminiscência do passado, mas como apelo e desafio para diante. A ideia de que “o puro pássaro é possível” é o apelo poético na sua expressão plena. Como os chamados “vencidos da vida”, os “vencidos do catolicismo” não foram vencidos no largo prazo, são símbolos vivos do que poderemos designar como a “paixão crítica”. Quando Ramalho Ortigão e Oliveira Martins inventaram a expressão que o tempo consagraria fizeram-no com um misto de ironia e de empenhamento na construção do futuro. Contra a ideia de fatalismo do insucesso ou do atraso e sem dó nem piedade no sentido crítico essas duas gerações – a da “Vida Nova” e de “O Tempo e o Modo” assumiram plenamente a dureza da denúncia e a aventura das propostas audaciosas. O atraso recusa-se. E a leitura de “Portugal Futuro” obriga-nos a não baixar os braços, a renovar o ânimo crítico. Uma cultura acomodatícia ou conformista tende a tornar-se frágil. A nitidez crítica contrapõe-se à cacofonia… Daí a necessidade de uma visão cosmopolita de diferentes culturas, não de uma amálgama onde ninguém se entende. Eis como é importante a tradição de D. Pedro das Sete Partidas, mas também de Pedro Nunes, Garcia de Orta, D. João de Castro – de Camões, de Fernão Mendes Pinto, de Vieira… E esse cosmopolitismo liga-se à diversidade das culturas da língua portuguesa – da saudade até à morabeza… “Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz / mas isso era o passado e podia ser duro / edificar sobre ele o portugal futuro”. Haverá melhor definição de património vivo?
«O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro»
Ruy Belo, in 'Homem de Palavra[s]'
Agostinho de Morais
A rubrica TU CÁ TU LÁ COM O PATRIMÓNIO foi elaborada no âmbito do
Ano Europeu do Património Cultural, que se celebra pela primeira vez em 2018
#europeforculture