Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

O QUERIDO BORDA D’ÁGUA…


TU CÁ TU LÁ
COM O PATRIMÓNIO
Especial. 31 de dezembro de 2018.

 

Sou um leitor fiel, há muitos anos, do “Borda d’Água”. Aqui está o meu exemplar, na edição dos noventa anos. Foi uma tradição deixada pelo meu avô, que fazia da vida do campo o seu quotidiano. Lembro-me do seu Almanaque cuidadosamente anotado a lápis – ora com as lembranças e com os compromissos a realizar, ora para dar nota das boas e das menos boas colheitas. Nunca usava a expressão má colheita, todas eram resultado da graça de Deus – com maior ou menor fortuna. E foi ele que me contou pela primeira vez a história de José do Egipto. Havia que poupar e não desperdiçar, que prevenir e que guardar, que cuidar e que proteger. O trigo ou o milho multiplicavam-se e os melhores e menos bons momentos eram criteriosamente referenciados. Anos havia em que a floração das plantas e das árvores era mais tardia ou serôdia, como aconteceu neste ano de 2018, e outros eram mais prematuros ou temporãos. E nos calendários tudo era anotado. Pelo S. João havia os primeiros figos, em Agosto anotava-se o número de milhos-reis ou milhos-vermelhos, pelo S. Miguel havia as vindimas, em outubro colhiam-se as romãs. E havia o varejo das amêndoas, das alfarrobas e das azeitonas – com vara e redes… Estou a recorrer à memória, sem ter o cuidado de ir rever a coleção dos Borda d’Água de meu avô – e dentro das folhas havia orações para as boas colheitas – a agricultura ligava-se à fé, e o espírito franciscano aí pairava numa genuína atitude ecologista, como diríamos hoje… Cada mês tem a sua especificidade, cada tempo tem o seu valor – e o culto dos campos permite compreender a natureza como natural prolongamento de nós mesmos. Que são as verdadeiras Humanidades senão a procura do equilíbrio entre o desejo e a lembrança? Duarte Nunes do Leão dizia por isso que essas eram as características da saudade. E como não considerar a “Menina e Moça” de Mestre Bernardim e o “Grande Sertão” de Guimarães Rosa os mais belos romances de amor da literatura da língua portuguesa? Mas o Borda d’Água tinha ditos e provérbios inesquecíveis: o mesmo solo que te faz cair, faz levantar-te (adágio hindu); transportai um punhado terra todos os dias e fareis uma montanha (Confúcio); quem na sopa deita vinho de velho se faz menino; à boa fome não há mau pão; dinheiro compra pão não compra gratidão; cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso… Era um não mais acabar… Para terminar por hoje, no final deste ano do Património Cultural fica a ideia simples que é de vida que falamos. Referi aqui de muitas coisas – desde as pedras às tradições, da natureza às paisagens, dos transportes às culturas… E termino com sempre fiz neste Tu cá tu lá. Com um poema, desta feita de um amigo de meu Avô, que tantas vezes lhe arranjava o Borda d’Água. Falo de António Aleixo, também amigo do Professor Joaquim Magalhães, que saudosamente aqui recordei há dias. E é de amor que aqui fala o poeta! Que melhor fecho para este Ano…  

 

«Que feliz destino o meu 
Desde a hora em que te vi; 
Julgo até que estou no céu 
Quando estou ao pé de ti.» 

GLOSAS 

Se Deus te deu, com certeza, 
Tanta luz, tanta pureza, 
P'rò meu destino ser teu, 
Deu-me tudo quanto eu queria 
E nem tanto eu merecia... 
Que feliz destino o meu!    

Às vezes até suponho 
Que vejo através dum sonho 
Um mundo onde não vivi. 
Porque não vivi outrora 
A vida que vivo agora 
Desde a hora em que te vi. 

Sofro enquanto não te veja 
Ao meu lado na igreja, 
Envolta num lindo véu. 
Ver então que te pertenço, 
Oh! Meu Deus, quando assim penso, 
Julgo até que 'stou no céu. 

É no teu olhar tão puro 
Que vou lendo o meu futuro, 
Pois o passado esqueci; 
E fico recompensado 
Da perda desse passado 
Quando estou ao pé de ti.»

 

Votos de Bom Ano Novo!
Esta secção termina. Depois virá: “Cada Roca com seu Fuso”…

 

Agostinho de Morais

 

 

AEPC.jpg   A rubrica TU CÁ TU LÁ COM O PATRIMÓNIO foi elaborada no âmbito do 
   Ano Europeu do Património Cultural, que se celebra pela primeira vez em 2018
   #europeforculture

 

 

2 comentários

Comentar post