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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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O TEATRO DE REVISTA EM PORTUGAL (IX)

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UMA DRAMATIZAÇÃO DA HISTÓRIA DA REVISTA

Temos recorrido com frequência aos estudos de Luiz Francisco Rebello sobre a história do teatro português, e designadamente, da revista. É pois oportuno evocar aqui uma das últimas peças de Rebello, “Portugal, Anos Quarenta” (1982), pois precisamente concilia, com forte expressão dramática, uma abordagem histórico-politica dos anos 40 em Portugal, pontuada pela evocação e transcrição – isto é, encenação - de diversas revistas da época, conciliando assim drama com comédia, e teatro declamado com revista.

Trata-se de uma abordagem política, a partir dos problemas existenciais e sociais da “família Meneses: Meneses, a Mulher, o Filho e a Filha”, ao longo da década de 40, concretamente “da entrada do novo ano de 1940” ao “Ano Novo, que acaba de entrar nos domínios do Tempo para receber das mãos do Velho Ano o comando de 1949”: e essa cena que abre a 10ª Sequencia (1949) da peça, constitui transcrição literal do “Quadro de abertura da revista Ora Agora Viras Tu” de Carlos Lopes, nesse mesmo ano estreada em Lisboa. E a longa transcrição do quadro inicial da revista contrasta com a expressão dramática do texto de Rebello.

Precisamente, esse contraste constitui, a essência da peça, ao longo das 10 “sequências” correspondentes aos 10 anos de evocação histórico-politica: e a alternativa sequencial é marcada pela citação recorrente de sucessivas revistas que mais acentuam o registo dramático, repita-se, eminentemente e essencialmente contrastante.

E esse contraste cénico e dramático, no sentido mais abrangente do termo, marca a problemática pessoal e política da peça, além de enquadrar uma conjunto importante de situações e cenas revisteiras que conferem uma relevância peculiar no historial do teatro português: e recorde-se as referências bibliográficas que temos feito sobre o teatro de revista, acrescentando agora os diversos volumes de “Parque Mayer” da autoria de Jorge Trigo e Luciano Reis, que assinalam a renovação do género ”sobretudo nos anos do pós-guerra” (ed. 2002-2006).

Importa então referir as revistas de que Rebello transcreve e de que integra cenas, numa alternância dramática com o seu próprio texto:

“Manda Ventarolas”; “Zé Povinho”; “De Fora dos Eixos”; “O Bacalhau a Pataco”; “Há Festa no Coliseu”; “Travessa da Espera”; “Sempre em Pé”; “Se Aquilo que a Gente Sente”; “Ora Agora viras Tu”…

E acrescem transcrições de poemas e outros textos dramáticos em prosa e verso, letras de canções e poemas de autores relevantes como designadamente Adolfo Casais Monteiro, José Gomes Ferreira, Lopes Graça, Reinaldo Ferreira, Júlio Dantas e Lorca, além de diálogos de filmes portugueses e das marchas e de canções populares da época.

Nessa linha, que se integra poderosamente na estrutura da peça, citam-se e transcrevem-se cenas e textos extraídos dos filmes “João Ratão”, “O Pátio das Cantigas”, O Costa do Castelo”, “Capas Negras”, além de citações literais ou dramatizadas de textos de imprensa, conciliando por forma teatralmente muito hábil as citações hoje históricas (já lá vão mais de 60 anos) com a temática de conflito histórico- politico que marcava o país: e nesse aspeto, são recorrentes, ainda, transcrições literais de discursos de dirigentes políticos nacionais e estrangeiros e mais textos e referencias a personalidades da época - Carmona, Salazar, Hitler, Afonso Costa, Pétain, o Duque de Windsor, Otto de Habsburgo, Saint-Exupéry, Carmen Miranda, Marica Rokk,  Sarmento Pimentel, José Rodrigues Migueis, Jaime Cortesão, Eva Perón,  Fernando da Fonseca,  Maria Barroso, Norton de Matos e muitos outros. 

 O próprio Rebello explica a estrutura e a metodologia de construção da peça: “Dramaturgicamente, a técnica de colagem pura e simples seria a solução mais fácil; por isso a rejeitei. Entendi que para o espetáculo cumprir a sua função didática (…) era necessário combinar o documento com a ficção, o testemunho com a memória, a linguagem literal e a linguagem audiovisual com a intertextualidade” (in “Todo o Teatro” INCM 1998; cfr. “O Passado À Minha Frente – Memórias” 2004).

E assim é esta interessante peça, que, independentemente dos conteúdos políticos , representa um belo texto dramático, misto de teatro declamado e de revista – e nesse aspeto, a recuperação de textos de revistas, como de poemas e diálogos de filmes, valoriza, no ponto de vista histórico, a peça em si.

O que é coerente com a notável obra de Luiz Francisco Rebello no âmbito da História do Teatro Português.


DUARTE IVO CRUZ

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