OS TEATROS DE LISBOA EM 1875 - I
O TEATRO DE SÃO CARLOS
Evocamos hoje um livro publicado em Portugal em 1875, e programaticamente intitulado “Os Theatros de Lisboa”. É seu autor nada menos do que Júlio César Machado, figura marcante na época e ainda hoje. E mais: a edição é valorizada com cerca de 250 ilustrações de Rafael Bordalo Pinheiro. Está tudo dito quanto à relevância cultural e editorial.
O livro contém uma evocação histórica mas sobretudo desenvolve sobretudo a época em que foi escrito e publicado, aí como na flagrante atualidade e na abrangência cultural e documental, não obstante a seletividade das salas e dos artistas referidos. E isto porque Júlio César Machado concentra sua evocação no Teatro de São Carlos, no Teatro de D. Maria II e no Teatro da Trindade.
São ainda hoje, como bem sabemos, e eram na época, grandes referências da arquitetura e da arte do espetáculo em Lisboa e no país inteiro. Mas não eram, longe disso, os únicos “teatros de Lisboa”.
Efetivamente, pela mesma época, mais ano menos ano, funcionaram em Lisboa muitos outros teatros: por exemplo, o chamado Recreios Wittone, o Salão do Conservatório, o Teatro da Rua dos Condes, o Teatro D. Augusto, o Teatro do Ginásio, o Teatro Taborda, o Teatro Avenida, o Teatro das Laranjeiras e mais salas de maior ou menor relevância e durabilidade.
Mas muito embora: os três teatros analisados no livro de Júlio César Machado eram na época os mais relevantes. E em muitos aspetos, na cidade de Lisboa e não só, ainda hoje o são.
E acresce que as 250 ilustrações de Rafael Bordalo Pinheiro que aliás consagra na capa do livro a grafia da época (Raphael) obviamente valorizam, e de que maneira, a edição. E isto porque as ilustrações são extremamente variadas, englobam autores, atores, salas e até público, constituindo no seu conjunto uma ampla documentação do teatro da época.
No conjunto da escrita e das gravuras, o livro mostra-nos o que era o Teatro em Lisboa na sua perspetiva global e abrangente, mas com um distanciamento irónico. Vemos lá cenas de peças, mas também inúmeras evocações do público, dos autores, dos encenadores, dos atores.
E tudo isto com um distanciamento descritivo e gráfico e uma visão digamos irónica, mas sem de modo algum ignorar ou menosprezar, em crítica direta ou implícita, as virtudes e as qualidades, as lacunas e os defeitos do meio teatral, cultural, profissional e mesmo social da vida de Lisboa, representada e concentrada nos três principais teatros.
E isto com rigor mas com uma ironia distanciadora!
No que respeita aos Teatros, o livro tem em vista sobretudo as programações mas também um sentido crítico da respetiva função cultural respetiva.
Vejamos hoje o Teatro de São Carlos. Não haverá exemplo mais flagrante no tom crítico, da época e não só, do que a primeira frase, que abre a longa referência a ao público, aos artistas e ao próprio Teatro.
Diz com efeito, logo no início, Júlio César Machado:
«Serve só de inverno, como os capotes. E em se espalhando por todos os lados a melancolia do inverno aí abre ele! (...) soberbo, magnífico e ao mesmo tempo sem cerimónia. (...)
É o teatro da corte, mas pode, quem quiser, ir para ali como para o quintal.
Bom edifício. Sala magnífica.
Nos camarotes, na plateia, tudo gente conhecida»...
E segue-se uma descrição detalhada e irónica da atividade operística do Teatro de São Carlos ilustrada com cerca de 45 gravuras de cena, de público e de artistas, de elementos de apoio, desde maestros a compositores, cantores, mas também filas de espetadores entusiasmados - ou nitidamente maçados!...
Iremos ver, em próximos artigos, as referências de Júlio César Machado e de Rafael Bordalo Pinheiro ao Teatro D. Maria II e ao Teatro da Trindade.
DUARTE IVO CRUZ