POEMS FROM THE PORTUGUESE
POEMA DE BERNARDO PINTO DE ALMEIDA
O olhar de Ulisses
À medida que entravam todos os convidados,
dei-me conta de que tu não estavas. Nada
de estranho, vendo bem, pois não sei
porque haveria de supor o contrário. Simplesmente
não entravas nesse filme, não tinhas sido chamada
para o casting, mesmo se, do recinto em volta
onde se juntava muita gente te tinha entrevisto
de repente, a olhar curiosa os salões
iluminados. Não sei que lógica sustentaria
esse não estares, acontecendo ainda assim
à minha volta, nem sei quantos barcos
haverão de naufragar em torno
antes que o mar volte a ser calmo,
acácias voltem a florir, etc. Há uma ilha
adiante, passo por ela, ou antes,
diviso-a na distância, e mesmo se pedi
aos companheiros para me amarrarem ao mastro
do navio, não é menos devastador o abismo
que se abre, já que é abismo pressentir
no sobressalto o regresso cruel do corpo
adolescente. Assim no cinema disso
te pude escutar, enquanto os olhos
cegavam devagar no fogo de contemplar ao longe
um sol que me puxava para si, e os convidados
provavelmente sem entenderem razões
para o seu próprio movimento, como espectros
continuavam a percorrer os corredores
da casa iluminada. E tilintavam cristais e
uma valsa dolente a todos arrastava, enquanto
o meu olhar fugia pelas janelas abertas, e as mãos
sem o saberem procuravam, ainda em desespero,
o que fosse talvez um pedaço de mar,
como se apenas já se soubessem sossegadas
no naufrágio. As mãos eram os olhos
atravessados do fogo. E simplesmente
não estares tornava tudo branco.
in Negócios em Ítaca, 2011
As seen by Ulysses
The guests were arriving and
I noticed you weren´t there. Nothing
unusual really, I don’t know why
I should have imagined otherwise. You were
plainly not in the film, you hadn’t been cast,
even if I’d suddenly spotted you
outside, among the eagerly gathered
crowd, curious to see what went on
in those glittery party rooms.
I don’t know what logic could hold open
your not being there, still taking so much space
round and about me, nor do I know how many ships
have yet to sink before the seas
can calm down, before the acacias
can blossom again, etc.. Further out
there’s an island I pass by,
better seen from a distance, and although
I’ve asked my fellow seamen to tie me
to the ship’s mast, the abyss opening before me
is no less devastating. For abyss it is
when, overcome, we feel the cruel return
of the adolescent body. And thus, in all that cinema,
I was able to hear you, as my eyes
went slowly blind in the fire of the sun that
sucked me far into the distance, while the guests
not understanding, in all probability, the reason
they themselves were moving, still promenaded
like spectres along the corridors
of the brightly lit house. And the crystals tinkled
and a sorrowful waltz dragged itself along, while
my eyes were drained away through the open windows,
and my hands, still in despair, unknowingly sought
what might perhaps become a piece of sea
in the final lull of the shipwreck. My hands were my eyes
pierced by fire. Simply because you weren’t there
everything became white.
© Translated by Ana Hudson, 2010
in Poems from the Portuguese