POESIA
1.
E se nada aconteceu, devia ter acontecido
como coisa diferente da vida; como realidade que se pode
oferecer numa côdea barrada de creme de sentir e cujo sabor
não compete sonhar,
porque assim,
tudo em conjunto,
foi tornado outro.
Tratou-se de uma manufatura de realidades que se expuseram
a partir da mesma matéria-prima,
e quando a arte lhe deu diferença,
ela mesma, sentou-se à mesa
na pressuposição de que os olhares se encontravam
enquanto a chuva caía, o frio apertava, o som do trovão
de já longe aos ouvidos chegava,
e qualquer deslocamento das horas era novidade de asa,
era coisa que parecia tarefa concluída,
enorme fósforo, num alumia,
e que afinal não sabia
o que fazer de si
2.
Improfícua a doçura
do final de tarde
se o cavalo se não despede
nem está de volta
ao lugar da sua razão
3.
E que mistérios se deram a conhecer quando em vão se procuravam
tornar outros?
Que mistérios se aproximavam da cama
naquele embate quase físico de ali mesmo?
eles, ou coisa análoga,
a serem consciência que recebe o anúncio:
grato beijo.
Que mistérios não sei do quê ou de quem
que quase choro, vendo-os
esclareados diante de mim,
no processo do pensar e do decompor,
no recreio do poema que começa a conhecer-se
quando o sono, como nenhum outro, no elétrico da manhã,
já me canta para que não pergunte assim
Teresa Bracinha Vieira