POESIA
Há uma partida cujo nome não se sabe
Espreitei pelo postigo
do sótão.
Cheguei, por fim.
Este ainda não é o meu lugar, mas cheguei.
O telhado olhava para os meus olhos
e eu ainda sem saber,
iria, sim.
Entre um dia, amanhã, hoje e já,
teria de viajar
dali.
Tinha a imaginação da prisioneira,
e tinha a chave.
Tinha a sem-dúvida
de que aquele poder à minha roda
dominava os horizontes até aos ossos, e intuía que os deuses jamais perdoariam a quem calasse demasiado; a quem consumisse vida
atada a uma corda de jardim a que chamasse casa.
Que vira antes de ver pelo postigo do sótão?
O tal vulcão extinto que muito carregamos? Os prantos entre os cristais? Os lençóis doentes? As púrpuras desoladas? As grandes gretas, a cal?
Não, não morrerei sem ser eterna.
Sou imortal enquanto me amares.
Vou partir.
Vou partir e não tenho medo da esperança ainda que, às vezes,
não tenha medo nem esperança.
Sei bem que nada te disse,
mas não sabia como se devolvia o mar ao mar.
Parecia que só habitava casas de espelhos
sem janelas, sem pistas
até ao dia em que interromper era condição
ao que só prosseguiria graças aos conflitos do não ver.
Depois, depois o entender as razões diferentes,
mas em concordância com o viver o grande tema do mundo.
Sim, repetia, há muitas vidas ocupadas pelas noites.
Há muitas vidas que não espreitam nem soluçam as lágrimas.
Tigres, leões macacos, cães e outros seres domados na mesma arena, sem indignação.
Sim, e há também muitas vidas que são verdadeiros exércitos de uma só pessoa.
Parti.
Depois, depois fui muita ignorância, muita música, melancolia, escultura, suicídio, risco, transumância, beijos imensos.
Descalça enfrentei que o sonho era o sonho que o sonhava
enquanto me apercebi de uma imensa fertilidade e da razão da finitude.
E perguntei aos olhos do velho:
«A que se propõe?»
Ele olhou-me em silêncio.
Quando espreitei pelo postigo
do sótão, o telhado olhava para os meus olhos
e eu ainda sem saber
iria, sim.
Entre um dia, amanhã, hoje e já,
teria de viajar
dali.
Tinha a imaginação da prisioneira,
e tinha a chave.
Tinha a sem-dúvida.
Agora tenho também o silêncio do velho.
Tenho tudo.
Teresa Bracinha Vieira