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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A LUSOFONIA EM CONSTRUÇÃO

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© Horst Tappe Foundation.

 

II - DO CULTURAL, AO ESTRATÉGICO E EM TODOS OS ALINHAMENTOS

 

1. Sendo a lusofonia uma aparente negação do princípio da territorialidade, no pressuposto de que a política de identidade deve substituir a territorial, estando a sua referência espacial preferencialmente associada a afetos, documentos, emoções, ideias, memórias, monumentos, sentimentos, numa construção permanente rumo à descoberta de um património linguístico e cultural afim e comum, não admira, nesta perspetiva, ser um conceito desconhecedor da noção de território. Tendo como matriz a língua portuguesa, corresponde a uma referência cultural espacial não territorializável, porque mais imaterial e espiritual, de dimensão mais metapolítica do que organização política. Só que, num mundo globalizado que também abdica de elos identitários, a lusofonia equivale também a um projeto político e estratégico protagonizado por aqueles que revendo-se, em termos identitários, na língua portuguesa, procuram fortalecer a sua base negocial no mundo da globalização. Daí ser também uma associação de natureza política não restrita a um único espaço geográfico ou a uma única comunidade organizada, transpondo fronteiras, soberanias estaduais e territoriais, nacionalidades, regimes políticos, sistemas económicos, jurídicos e sociais.
Não se esgota, assim, no uso comum da língua, incluindo tudo o que o diálogo por ela possibilitado proporciona, via aproximação na ciência, no desporto, na economia, no jurídico, na política, na religião, em todos os alinhamentos. Mas sendo tais aproximações e parcerias facilitadas pela língua, esta assume uma importância essencial e prévia a quaisquer entendimentos. Daí fazer sentido que as suas primeiras preocupações se voltem para as questões da língua, sua defesa, difusão, enriquecimento e ensino. Da música e desporto às telenovelas, passando pelo cinema, teatro, dança, pintura, escultura e literatura, tem-se intensificado a circulação de bens culturais, com potencialidades de aumento em áreas em que o fator língua comum é uma mais-valia, nas suas tendências e variantes. Por exemplo, é cada vez mais consensual falar-se em literaturas lusófonas. Quanto às literaturas africanas lusófonas, o espaço lusófono, desde logo o português, tem sido, senão o principal, um dos seus principais mercados, concretizando uma relação de aproximação e de pertença à lusofonia. Nomes como Agualusa, Craveirinha, Germano Almeida, Mia Couto, Ondjaki, Paulina Chiziane e Pepetela, são seus exemplos. Por que não em relação à gastronomia, desporto, estudos científicos, jurídicos, universitários, investigação? Numa época em que impera o audiovisual, não farão mais pela lusofonia imagens de espetáculos musicais com cantores lusófonos e eventos desportivos com equipas lusófonas, a começar pelo futebol, do que, infelizmente, a pouca ou nenhuma eficácia e visibilidade, a nível da opinião pública, de todas as reuniões da CPLP até hoje realizadas?
2. Como a globalização, que é organizada, também a lusofonia o deve ser, dado estar em causa a sua sobrevivência num mundo globalizado, podendo a mundialização representar, para ela, nos tempos atuais, a ameaça que no passado as teorias eugenistas e nacionalistas significaram para culturas que tinham como inferiores. Não deixa de ser curioso que sendo o fenómeno da globalização tão dominante na economia, o mesmo não suceda noutras áreas, como o comprovam os campeonatos mundiais e europeus de futebol, onde essa globalização não penetrou nos baluartes clubísticos e nacionais, apesar de indesmentível que o seu mercado se internacionalizou e globalizou. E se, cada vez mais, se entende que os afetos e a emoção também fazem parte da razão, não será por acaso, mas antes por aqueles existirem, que tende a existir uma empatia e uma relação mais íntima entre indivíduos, membros ou países de um mesmo bloco linguístico. Como o afirma Eduardo Lourenço, com palavras que vêm a propósito: “A indignação e a piedade são sentimentos universais, mas decerto a tragédia timorense teria encontrado menos escuta se a não sentíssemos como vinda de dentro, desse dentro definido e entrevisto nesse espaço interior de uma língua partilhada. E, provavelmente, a mítica morte de Ayrton Senna, embora universalmente sentida, não teria tido, como foi o caso, uma tão visível intensidade entre nós se não fosse brasileiro. Quer dizer, para nós, não menos miticamente, uma outra maneira de ser português.”(“A Nau de Ícaro seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia”, Gradiva, Lx., 1999, p. 187).
Por que não começar em redor de tudo aquilo que a pode consolidar e valorizar, desde logo atividades e parcerias que tiram partido imediato da língua comum, pré-existente a qualquer entendimento, sem esquecer a cidadania lusófona?
Há portugueses para quem é desconfortável pensar que a lusofonia será aquilo que o Brasil entender dela fazer, dele dependendo, atualmente, no essencial, a consolidação e disseminação da língua portuguesa como idioma de cultura e de poder. Mesmo para quem entenda, sem apelo nem agravo, que tudo o resto não passa de retórica, não deixa de ser mais angustiante consciencializar que um Portugal sozinho, numa comunidade ou União Europeia, convoca maiores problemas de identidade, mesmo a nível do português, aí já tido, factualmente, como língua dominada. Mais uma razão para uma aproximação pragmática (e não ideológica) ao espaço de língua portuguesa, com naturalidade e como reserva voltada para objetivos equilibrados, práticos e realistas, sem nos excluirmos do espaço europeu de que somos parte integrante, por direito próprio, enriquecendo-o e enriquecendo-nos, rumo a um equilíbrio final que nos credibilize e dignifique perante nós e os outros.   

 

22 de maio de 2015

Joaquim Miguel De Morgado Patrício

A LUSOFONIA EM CONSTRUÇÃO

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I - AFIRMAÇÃO E RECONHECIMENTO

 

1. O conceito de lusofonia só em tempo recente estabilizou no léxico. Prova-o o facto de só na década de noventa, do século passado, aparecer como vocábulo nos dicionários de língua portuguesa. No seu percurso de afirmação, tem substituído expressões tidas como ultrapassadas. É o caso de lusista, lusismo, lusitanismo, lusitano, lusitanidade, lusocultura, bem como de adjetivos hifenizados, como luso-galaico, luso-brasileiro, luso-africano, luso-americano, luso-angolano, em desuso, em benefício dos vocábulos lusofonia e lusófono. O termo lusofonia diferencia-se de outros que lhe são próximos e seus concorrentes, como lusofilia (amor pelas coisas portuguesas), lusotopia (lugares onde efetivamente se fala português), lusografia (dá relevo ao uso da língua escrita, cujo uso não é totalmente coincidente com o da língua falada). Apesar de, para alguns, a língua portuguesa, etimológica e mitologicamente, como a língua do luso, encontre na palavra lusofonia o seu sentido mais nobre, sendo o uso da expressão luso, em vez de português, uma forma de superar o nacionalismo e entrar na área do mítico e do simbólico; para outros, o termo lusofonia não faz sentido, pois a língua portuguesa não é propriedade dos lusos, mas domínio próprio de cada um dos seus falantes.
Não se discutindo, neste texto, a legitimidade ou a propriedade do uso do termo lusofonia, não deixaremos de referir que, concorde-se ou não, é algo que existe enquanto realidade com potencialidades próprias, sendo evidente que não é por se utilizar tal conceito que necessariamente se está a negar que o nosso idioma não é pertença dos outros povos que o falam. Perspetivar a lusofonia em termos redutores de ideologias radicais ou de neocolonialismo, é um testemunho de imaturidade política e saudosismos nostálgicos, excluindo uma causa de união internacional, em favor de interesses alheios, também eles fundados num mesmo conceito linguístico e estratégico. Para quem entenda que no sentido etimológico de lusofonia predominam ecos neocolonialistas, parecem-nos muito mais visíveis em expressões concorrentes, como francofonia, anglofonia e hispanofonia, dado o seu sentido mais literal e imediato da  mensagem que lhe está subjacente. Também não é de ter como aceitável a divisão entre fonias boas e más, defender o mito das línguas ricas e desenvolvidas e das pobres e subdesenvolvidas, tendo como absurdo que um país pobre ou subdesenvolvido não fale uma língua de um país rico, quando é sabido que a maioria dos países africanos (e vários asiáticos) têm o francês e o inglês como idioma oficial e nenhum deles integra os países desenvolvidos e ricos, sem prejuízo da perigosa subalternidade a que ficariam sujeitos os falantes de línguas não tidas como de eleição.
2. Independentemente das críticas, emoções ou paixões que a questão provoque, é um dado adquirido que o termo lusofonia está consagrado na bibliografia internacional especializada, sendo tida, no essencial, como o conjunto de pessoas ou a comunidade de povos e países que têm o português como língua materna e oficial (Dicionário da Academia de Ciências de Lisboa e Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Sobressai, de imediato, em ambos os casos ser, prioritariamente, uma comunhão de língua.  
No seu significado literal e mais extensivo, integra o conjunto dos que falam português como idioma materno ou não, nele se incluindo os países que têm a língua portuguesa como oficial ou dominante, como Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, englobando também cidadãos de outros Estados que se expressam em geral em português, ou, ainda, que o têm como língua materna, como sucede com alguns goeses, cidadãos da União Indiana, ou com certos macaenses, cidadãos da República Popular da China, sem esquecer as variedades faladas por parte da população dos antigos territórios do Estado Português da Índia (Goa, Damão, Diu e os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli), do papiá cristã de Malaca, ilha das Flores (Indonésia), comunidades de emigrantes portugueses e dos demais países lusófonos e seus descendentes, espalhados pelo mundo (lusófonos e lusófono-descendentes).
Assume uma nova dimensão com a assunção dos novos estados soberanos de língua oficial portuguesa, passando a sua operacionalidade por várias fases, desde o relacionamento privilegiado com o Brasil, à política de cooperação bilateral com os países africanos (PALOP) e à participação na ajuda multilateral para o desenvolvimento. Partiu-se de uma perspetiva lusíada e chegámos, em determinado momento, a uma perspetiva lusófona. Sem esquecer que o conceito de lusofonia está hoje formalmente instituído na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa que é, de momento, o seu quadro institucional de referência, se bem que aquela nele se não  esgote e se lhe antecipe, dada a sua maior amplitude. Embora tal conceito linguístico seja o que agarra mais de perto, por agora, o que normalmente designamos por lusofonia, tende a ser, com a globalização, cada vez mais abrangente, indo para além do núcleo duro da CPLP, ao abranger outras línguas e culturas desses países e demais regiões lusófonas em contacto entre si e com a língua unitária e comum, assim como pessoas, grupos e instituições de outras proveniências que se interessem pelos lusófonos, mantendo com a língua portuguesa e culturas lusófonas um relacionamento de especial interesse e empatia. A lusofonia não deve servir para que Portugal e restante mundo lusófono se sintam orgulhosamente sós, mas para que possam dialogar com os outros espaços do mundo contemporâneo, numa perspetiva de saudável confluência e de ecumenismo universal.          

 

6 de maio de 2015

Joaquim Miguel De Morgado Patrício