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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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ANTOLOGIA

  


ATORES, ENCENADORES (XII)
DESCENTRALIZAÇÃO TEATRAL - O ÚLTIMO ESPETÁCULO DE AMÉLIA REY COLAÇO
por Duarte Ivo Cruz


Há uma certa simbologia, perdoe-se o eventual exagero da expressão, na despedida de cena de Amélia Rey Colaço. Pensemos da sua vasta e exemplar carreira, e particularmente, nas dezenas de anos em que dirigiu a companhia do Teatro Nacional no D. Maria II, no Avenida, e episodicamente noutras salas, além de tournées que incluíram o Brasil. A sua obra e a sua ação em termos de renovação da cena nacional é indiscutível, para lá de oscilações e opiniões, que também não faltaram. E a sua versatilidade como atriz não confirma uma crítica na época habitual – a de que fazia papeis de alta sociedade… lembro ao calhar, para o desmentir, a formidável ama no “Romeu e Julieta” de Shakespeare.


Mas aqui, quero evocar a insólita despedida de cena de Amélia Rey Colaço.


Foi em 1985, tinha 87 anos. E foi num teatro “marginal”, hoje desativado para não dizer desaparecido para a atividade teatral – e aproveitamos também para o evocar – que pela ultima vez Amélia subiu à cena: no Teatro Portalegrense, no papel da Rainha D. Catarina em “El Rei Sebastião” de José Régio.


Este Teatro Portalegrense, projeto do arquiteto José de Sousa Larcher datado de 1856, manteve-se em atividade durante mais de um século, com significativos momentos de expressão literária e artística. Lembre-se que em Portalegre vivia e lecionava José Régio. Lá se estreou em 1935 o “Sonho de uma Véspera de Exame”, de Régio em récita de finalistas do ensino liceal – e um desses alunos era o futuro ator Artur Semedo. E lá voltaria Régio, o Dr. José Maria dos Reis Pereira professor do Liceu de Portalegre, a ser episodicamente representado.


O Portalegrense deixou de funcionar com regularidade como teatro. Mas ficou o edifico, sucessivamente “aproveitado” em atividades insólitas para um teatro do seculo XIX: templo religioso e até ringue de patinagem!


Evoquemos então atores e atrizes nascidos e relacionados em termos pessoais e profissionais com Portalegre. 


Sousa Bastos, na sua prosa peculiar, cita em particular Beatriz Rente: “nasceu em Portalegre em 1859 esta rapariga de olhos grandes que todos achavam bonita (…) Aos 15 anos de idade estreou-se no Teatro D. Maria “e depois passou para o Ginásio “fazendo sempre primeiros papéis com bastante agrado”. O pior é que “saindo deste teatro começou a sua decadência no Teatro da Rua dos Condes; apesar do que foi classificada em primeira classe para o teatro de D. Maria até que a morte a roubou em 1906” assim mesmo, numa prosa “teatral” muito típica do “Diccionário do Theatro Português”… 


O outro ator de Portalegre, que acima referi, é Artur Semedo (1925-2001). Grande Prémio do Conservatório Nacional e Prémio de Revelação da Crítica, estreou-se no Teatro Ginásio em 1949 num dramalhão de Cristiano Lima, “O Preço da Honestidade”. Estudou em Itália e prosseguiu uma vastíssima carreira no teatro e sobretudo no cinema, como ator e realizador em Portugal, Espanha e Brasil.


Mas tudo isto veio a propósito do último espetáculo de Amélia Rey Colaço, ocorrido como vimos em Portalegre: homenagem ao portalegrense por opção que foi José Régio, mas também homenagem a uma sala oitocentista de teatro que há muito deixou de o ser.


E referência a uma política de património e de descentralização teatral e cultural que é essencial manter e desenvolver.


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 25.02.15 neste blogue.

OS PROBLEMAS DO VELHO TEATRO PORTALEGRENSE

 

Novamente são referidos pela imprensa e pelas autoridades locais os problemas relativos ao velho Teatro Portalegrense, que aliás já abordamos em diversas ocasiões. E no entanto, o Teatro Portalegrense, independentemente da qualidade e potencial do edifício e da sua cada vez mais difícil situação, merece referência mesmo na perspetiva do historial do teatro português: assim, José Régio ficou marcado pela longa atividade docente na cidade; atores de relevo, como designadamente Artur Semedo lá se estrearam; e lá subiu à cena pela última vez Amélia Rey Colaço, num espetáculo de despedida, precisamente com “EL- Rei Sebastião” de Régio.

 

Independentemente desse historial histórico-dramatúrgico, importa novamente referir que o Teatro Portalegrense foi inaugurado em 1858 segundo projeto arquitetónico de José de Sousa Larcher, nome ilustre, na época bem conhecido e de certo modo ainda hoje. O Teatro estreou-se com “O Alfageme de Santarém” de Garrett.

 

O Teatro Portalegrense foi arquitetonicamente inspirado no Teatro do Ginásio de Lisboa, na sua versão oitocentista. E como tal funcionou nessa fase em que os Teatros então chamados da Província mantinham uma dupla atividade: ou serviam para exibição dos espetáculos de Lisboa em tournée nacional ou de suporte a grupos e companhias locais.

 

 Em qualquer caso, como já se disse, foi lá que Amélia subiu pela ultima vez á cena, numa dupla homenagem: à atriz que assim se despediu da cena e ao Professor do Liceu de Portalegre, José Maria dos Reis Pereira que assinava a sua vasta obra literária como José Régio...

 

 E Régio cita “Portalegre cidade/ do Alto Alentejo, cercada/ De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,/ Morei numa casa velha/, Velha, grande, tosca e bela,/a qual quis como se fora/ feita para eu morar nela” e seguem mais 228 versos de uma beleza evocativa de amor à cidade. (in “Fado” – “Toada de Portalegre”). Citamos sempre este belíssimo poema.

 

E também já tivemos ocasião de recordar  que nos anos 80 do século passado  o Teatro Portalegrense foi destruído no interior para nele se instalar um ringue de patinagem, insolitamente rodeado de camarotes.

 

E depois foi Templo Evangélico, ao contrário, note-se, de tantas áreas públicas e de espetáculo, construídas e/ou adaptadas de antigos templos...!

 

DUARTE IVO CRUZ  

NO TEATRO DE D. MARIA, A EXPOSIÇÃO SOBRE AMÉLIA REY COLAÇO

 

O Teatro Nacional de D. Maria II organizou uma exposição de fotografias  evocativas da carreira de Amélia Rey Colaço (1897-1990), designadamente, mas obviamente não só, nos anos em que dirigiu precisamente o TNDM II, onde começou a atuar no início dos anos 20 e que codirigiu  desde 1930, primeiro com o seu marido Robles Monteiro  até à morte deste em 1958, e depois dessa data até ao incêndio que em 4 de dezembro de 1964 quase destruiu o teatro, obrigando a empresa a uma certa itinerância oficinal. 

 

Passou para o Teatro Avenida, mas este também arde em 1967! 

 

Amélia continua no entanto a dirigir a Empresa Rey Colaço-Robles Monteiro em sucessivas temporadas no Capitólio e no Trindade, até se retirar de cena, mantendo no entanto atividade ligada ao teatro, ao cinema e à televisão. E recorda Jorge Leitão Ramos no “Dicionário do Teatro Português” que Amélia em 1978 exerceu funções de consultora no Museu do Teatro, em fase de organização.  

 

Como atriz, Amélia Rey Colaço estreou-se em 1917 no então Teatro Republica, atual São Luiz, com uma peça, “Marinela” da autoria dos dramaturgos espanhóis, à época  mais do que hoje conhecidos e celebrados, Irmãos Quintero. Não mais deixará de estar ligada às artes do espetáculo e, durante décadas à própria direção e encenação, em Portugal e também com certa regularidade no Brasil. 

 

Deixou a direção do Teatro Nacional em 1974. Mas ainda em 1985 esteve ligada à estreia em Portalegre da peça “El Rey Sebastião” de José Régio, o qual, como sabemos, foi docente, dezenas de anos, no Liceu local. 

 

A exposição do Teatro Nacional documenta através de fotografias essa longa carreira de atriz. Desde logo na primeira personagem da estreia, a Marinela, em fotos da sua irmã Alice Rey Colaço. Segundo refere o texto que documenta a exposição, a jovem Amélia terá enviado as fotografias ao escritor Afonso Lopes Vieira (18978-1946) para saber a sua opinião. Lopes Vieira era então um nome exponencial da sociedade e da cultura portuguesa. Amélia daria relevo a essa opinião, na época reforçada pelo prestígio do escritor. 

 

A exposição mostra fotografias de Amélia Rey Colaço, a sua filha Mariana Rey Monteiro e outros elementos da companhia numa visita aos escombros do Teatro, na manhã seguinte ao incêndio.  De tudo isto guardo memória. 

 

Seja-me pois permitido transcrever um texto que na altura, jovem estudante na Faculdade de Lisboa mas também estudante na cadeira de Estética Teatral e Filosofia do Teatro no Conservatório Nacional e já colaborador no imprensa, escrevi logo a seguir ao incêndio:

 

“Estive no Teatro Nacional de D. Maria II às primeiras horas da manhã trágica, e guardarei para sempre na memória a sensação terrível que aquele monte de ruínas provocou. Com alguma dificuldade (ainda se percebiam focos de incêndio) consegui assomar ao buraco de um resto de camarote: e assim foi-me fácil entender o caráter brutal da destruição. O palco, visto da sala, nada mais mostra do que uma estrutura negra – e a sala, vista do palco, completa o panorama desolador”... 

 

Este desastre surge documentado na exposição, bem como o espetáculo que dias depois a Companhia realizou no Coliseu dos Recreios com o “Macbeth”, numa inesquecível homenagem aos artistas do Teatro Nacional!... 

 

Vale pois a pena visitar a exposição sobre os 120 anos de Amélia Rey Colaço: por tudo isto mas também pela evocação da carreira de uma atriz e diretora de teatro que marcou época e que é  homenageada precisamente no Teatro que durante tantos anos dirigiu e prestigiou.  

 

DUARTE IVO CRUZ