CADA ROCA COM SEU FUSO…
UM MUNDO CHEIO DE PARTICULARIDADES…
Ah! Como é diverso o género humano. Estamos felizmente sempre a deparar com gente singular. Encontro na imagem de hoje muitos dos meus vizinhos e vizinhas. Poderíamos aqui falar do percurso do boato ou da má língua – hoje chamaríamos pós-verdade ou “fake news”… São caras dos anos cinquenta, mas poderíamos pôr-lhes uns fatos de treino, uns bonés de pala virados ao contrário, uns telemóveis modernaços. Gosto de ver estas caras – que dizem como somos seres imperfeitos, mas com o dever de sermos melhores… Que é a Ética senão isso mesmo? E temo que nestes dias de hoje, voltemos à tentação de delinear uma suposta perfeição politicamente correta. Lembramo-nos do que aconteceu aos puristas do terror francês de 1789. Como ninguém era suficientemente perfeito à luz dos supostos novos valores, o que lhes aconteceu foi irem parar à guilhotina, a uma cadência regular e inexorável. Hoje há mesmo quem ache que a difamação deve ser despenalizada para que a caça às bruxas seja mais eficaz… Há quem não entenda que a falta de ética começa com imaginária inocência. Inicio hoje um novo ciclo de colaborações em “Raiz e Utopia”… E começo por recordar que o título do Blog do Centro Nacional de Cultura não é uma escolha de acaso ou de circunstância. Pode dizer-se que foi de algum modo por via desta revista extraordinária e de boa memória, que irei recordar aqui em vários momentos, que o CNC renasceu depois de 1977. Havia quem dissesse que a missão do Centro como lugar de resistência estava esgotada com a chegada da liberdade. Puro engano. Abriu-se um novo ciclo, assente na inovação e na participação cultural. Lembrou-se Régio em “Davam grandes passeios aos Domingos” e procurou-se “Os Portugueses ao Encontro da Sua História”. Mas a revista “Raiz e Utopia”, graças ao impulso de António José Saraiva, de Carlos L. Medeiros e José Baptista, representou uma nova dinâmica – que Helena Vaz da Silva compreendeu melhor que ninguém. Guardo religiosamente na minha biblioteca a coleção completa da revista e sei que ela é em muitos dos seus números raríssima. Não me desfaço dela nem à lei da bala. Por isso, tenho muito orgulho em escrever neste blog, à sombra de tão significativas referências da cultura contemporânea. A ilustração que hoje escolhi, já referida, é de Norman Rockwell (1894-1978) um genial ilustrador norte-americano que desenhou como ninguém o “american way of life” dos inesquecíveis anos do pós-guerra. Os exemplos são múltiplos – desde o peru de Natal até à oração à mesa. Mas não posso esquecer o perturbador e extraordinário desenho intitulado “The Problem will all live with” de 1963 que é um ícone do combate ao racismo. Uma criança negra vestida de branco dirige-se à escola entre polícias, e na parede do fundo há despojos de tomates atirados por energúmenos quem sem o respeito como regra… Nestes tempos é bom revermos esta ilustração. A criança, os polícias, a parede suja de tomates lembram uma luta sem tréguas em nome da cultura da paz. O tema volta como os velhos fantasmas. A liberdade e a dignidade nunca estão adquiridos. Mas esses são outros contos largos a que regressarei… Por hoje deixo um belo poema de Eugénio de Andrade… O tema são “Os Amigos”…
«Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga».
In “Coração do Dia”.
Agostinho de Morais