CRÓNICAS PLURICULTURAIS
Estátua da Liberdade © Don Ramey Logan, CC BY 4.0
221. 2. O EQUILÍBRIO ENTRE O UNIVERSALISMO E AS DIFERENÇAS
Amin Maalouf (AM) argumenta que se quisermos enfrentar as alterações climáticas temos de sentir que estamos no mesmo barco, numa luta comum, numa nação humana e global, o que nos obriga a fixar um tipo de relações diferentes e não limitadas a esta questão, mas extensivas a outras que nos definem enquanto povos e cujos valores devem ser universalizados, o que justifica respondendo:
“Acredito que há princípios e valores básicos que terão de ser comuns a todos os seres humanos. A democracia, liberdade de expressão, direitos das mulheres… Tudo o que constitui a dignidade básica dos seres humanos, independente do género, raça, credo, linguagem, grupo étnico. Não aceito a ideia de que deverão existir uns direitos humanos para os europeus e outros para os povos islâmicos, africanos, asiáticos. Têm que ser os mesmos. Mas depois deverá existir uma grande diversidade de expressões culturais. A principal é a linguagem. Cada povo deverá sentir que o seu idioma não é marginalizado. Toda a cultura associada à língua deverá tornar-se conhecida, mesmo para lá das fronteiras dessa cultura” (JL n.º 1014).
A mensagem é que há uma dimensão universal da dignidade humana mais forte que os seus elementos constitutivos, as suas diferenças e os seus particularismos, em que a globalização não pode ceder lugar à uniformização, defendendo-se a unidade com diversidade e não a diversidade sem unidade ou a unidade sem diversidade.
Aos olhos da tese universalista dos direitos humanos a unidade do género humano sobrepõe-se à diversidade das culturas humanas, porque há uma identidade humana universal, por referência à qual e à irredutível dignidade da pessoa humana se justifica a universalidade de tais direitos, titulados por todos os seres humanos em virtude da sua condição, pelo que negar-lhes essa integralidade (condição indispensável) significa negá-los.
Não significando esse universalismo absolutismo, uniformidade ou inflexibilidade, defende-se que terão de ser direitos humanos universais contextualizados, tendo em conta as particularidades específicas das sociedades a que se destinam, conciliando a diversidade cultural e a existência de um conjunto de valores “transculturais” comuns, de modo a poder ser definido por um diálogo intercultural, um conjunto de valores partilhado por todas as culturas.
Têm por fim alcançar um modelo mínimo de direitos humanos ao alcance de todas as culturas reconhecendo, ao mesmo tempo, a sua inevitável incompletude, havendo quem fale numa conceção multilateral desses direitos.
Ao invés do universalismo, há o relativismo, defendendo não ser universal a dimensão cultural da natureza humana, conhecendo a dignidade humana formas muito diferentes de expressão, tantas quantas as formas de se ser pessoa humana, sendo o ser humano, acima de tudo, um ser situado numa multiplicidade cultural do mundo que não está ordenada por um princípio valorativo que nos permite beneficiar umas culturas em detrimento das outras. Se todas as culturas são merecedoras de igual reconhecimento e respeito, não existe uma cultura dominante, pelo que a origem ocidental (e marcas de ocidentalidade) dos direitos humanos não são mais que uma concreta forma encontrada pelo Ocidente para homenagear, à sua maneira, a dignidade humana, numa manifestação de arrogância, superioridade e desrespeito pela dignidade de outros.
A tese relativista levada até às suas últimas consequências impõe que, por respeito pelo diferente (que não estamos autorizados ou capacitados a avaliar), toleremos a intolerância. Uma das contradições fundamentais do relativismo cultural consiste em o respeito pelas culturas alheias e o reconhecimento do outro levar, inevitavelmente, a reconhecer culturas que não reconhecem nem respeitam o outro.
Se, como advoga AM, “a indiferença relativamente às diferenças culturais mata a capacidade de compreender” e têm que ser os mesmos os direitos humanos para os europeus e todos os outros povos, tem que haver um diálogo, um debate plural e construtivo, uma capacidade para colocar em contacto as diversas culturas, sem as absolutizar, dado que a absolutização cultural retira às pessoas a capacidade de questionar, não apenas os valores alheios, mas também os que são seus.
AM sanciona que a partilha de valores comuns sejam essencialmente de origem ocidental, aceites pela maioria, mesmo que se diga o oposto, exemplificando que “As pessoas na Argélia ou no Irão querem ter sistemas políticos como os do Ocidente. Não acredito que queiram realmente ter um sistema em que existe um líder religioso que decide quem é cândido e não é”, declarando ainda: “o Ocidente precisa de sair do excesso de confiança de si mesmo, enquanto o mundo árabe precisa de sair do poço histórico em que caiu”.
Se falhar, acrescenta AM: “Não temos escolha senão a esperança. É uma necessidade”.
11.07.25
Joaquim M. M. Patrício