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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

  


Procurar a felicidade é uma necessidade humana e como todas as necessidades ela é atribuída a uma falta.

Aprender a desenvolver as nossas potencialidades, é tomarmos consciência do sentido que queremos dar às nossas vidas, é tomarmos consciência dos limites e da finitude.

Sabemos que para vivermos melhor todos carecemos de amigos a fim de nos conhecermos a nós mesmos. Ter amigos é, sem dúvida, uma necessidade. Somos seres relacionais e a nossa autonomia implica a própria realidade que nos torna dependentes uns dos outros.

Aristóteles afirmou que a procura da amizade e a busca da felicidade são um mesmo caminho e afirmou mesmo que «quando os homens são amigos, não há necessidade de justiça».

Encontrarmo-nos para conversar é uma harmonia resolvida que implica a harmonia dos outros connosco, e se acaso esta harmonia encontra fissuras, algo nos desassossega no equilíbrio da dependência recíproca, na experiência da comunhão afetiva que é indissociável da condição humana.

A amizade proporciona segurança e autoconfiança; proporciona a meditação entre amigos; proporciona o bem comum que nos conecta: a sympatheia que nos faz sentir afetados pelo sofrer e pelo prazer dos outros.

David Hume cultivou com Adam Smith uma profunda amizade e entendia de que o que motivava o comportamento das pessoas era o calor dos sentimentos e não a fria razão. Assim, este «sentir com» levou-nos também a entender o quanto a felicidade da sociedade é aquela que merece o entendimento daqueles que a compõem.

A felicidade não tem receitas para ser alcançada, mas razões para se não sucumbir ao não esforço por este bem maior - que exige tempo e paciência - na consecução de algo rico, de algo com limite, mas que concede.


Teresa Bracinha Vieira


Obs.

Pierre Aubenque, no seu livro sobre a virtude da prudência aristotélica, e tal como o interpretámos, convida-nos a refletir sobre o querer apenas o que é possível e desfrutarmos da vida até onde ela depende de nós.

Jesus Mosterín, no seu livro Racionalidad y acción humana, e tal como o interpretamos, atenta o quanto a racionalidade não promete o caminho da felicidade, mas pode constituir um guia de onde podemos extrair soluções para prosseguirmos os nossos fins «(…) que são mais amplos do que as nossas vidas e que se espalham no tempo.»

CRÓNICA DA CULTURA


Henry J.Y.King


Há que entender o mistério da amizade sem a meter ao mesmo nível essoutras amizades comuns, as que Aristóteles referia: «Ó amigos meus, não há nenhum amigo!»

Acham-se muitas pessoas aptas a relações superficiais, mas quando o trato se estabelece a partir do fundo do coração, necessário se torna que tudo seja límpido e fiável e a raridade desta situação leva a que se diga:

se encontrasse um amigo e se fossemos os dois boa luz dessa amizade, nada nos poderia comparar.

E vislumbrar a sombra de um amigo? sem andar à cata de outros? seríamos então metade de tudo um para o outro sem nos roubarmos parte alguma um ao outro.

Seria grande a fortuna de sermos um de dois em todo o lado dos tempos, e nenhum sobreviveria inteiro, se o outro partisse.

Não haveria limites para a saudade se essa realidade acontecesse. Não haveria nada mais certo de que o amigo-irmão seria sempre amado nessoutro mundo para onde os rios sempre correm.

Mas se os próprios rios ora se esparzem ora se contêm e até por eles entra o mar, como não relacionar estes factos com a vida da amizade, grande senhora da topografia dos sentires que nos dá novas do resto do mundo e assim se assume e arrisca.

Na verdade, o mistério da amizade produz um ninho de avezinha e acha-se muito próximo de um primeiro estado natural, mesmo quando o mais usual seja sermos melindrosos juízes das suas dissonâncias e quase cegos das nossas; seja mesmo, no limite, aceitarmos que o amigo pode ser imprevisível, mas afinal nunca vencido em paralelo, e este grande mistério da amizade envolve sim, o marchar à frente das razões quando se enfrenta a vida.

E combatemos assim, e combateremos assim por uma nação sem sucessões, riquezas, superioridades, servidões, parentescos, e de lá nunca sairá um amigo doente ou um amigo que agrade às brumas dos espíritos comuns.


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

 

42. DAS CANTIGAS DE AMIGO AOS FALSOS AMIGOS


Na Idade Média amigo e amado eram sinónimos.   

As cantigas ou cantares de amigo eram cantigas ou cantares de amor.   

 

Ondas do mar de Vigo,   
Se vistes meu Amigo!       
E ai, Deus, se verrá cedo! 
Ondas do mar levado,
Se vistes meu amado! 
E ai, Deus, se verrá cedo! 

 

Amigo era o namorado, amiga a namorada.  
Por Deus, amiga, pode seer   
De vosso amigo, que morre d'amor 
E de morrer á já mui gran sabor     
Pois que son pode vosso bem aver. 

 

Amor e amizade são hoje dois magnos sentimentos que se diferenciam, no essencial, pelo seu grau de intensidade, tendo muitos a amizade como mais calma e discreta e uma variante do amor.

Sabe-se que o trabalho não preenche em pleno as necessidades espirituais do ser humano. 

Há que contar com o amor e a amizade.   

Na amizade há os verdadeiros amigos e os falsos.   

Entre os últimos incluem-se os amigos de louvaminhas, de adulação untuosa e vil.

Os que fogem em grupo quando a roda da fortuna desanda.

Os que partem quando alguém perde valimento por já não poder fazer favores ou arranjar facilidades. 

Amigos dos tempos prósperos que nos ignoram e desprezam nas horas más.   

No poema Os Amigos, Camilo Castelo Branco retrata-os assim:

 

Amigos cento e dez e talvez mais,   
Eu já contei! Vaidades que eu sentia!       
Pensei que sobre a terra não havia   
Mais ditoso mortal entre os mortais.  
   

 

Amigos cento e dez tão serviçais, 
Tão zelosos das leis da cortesia, 
Que eu já farto de os ver, me escapulia     
Às suas curvaturas vertebrais,

 

Um dia adoeci profundamente, 
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente   
Que não desfez os laços quase rotos,   
 

 

Que vamos nós (diziam) lá fazer,   
Se ele está cego, não nos pode ver…         
Que cento e nove impávidos marotos!

 

13.03.2020
Joaquim Miguel de Morgado Patrício 

CRÓNICA DA CULTURA



As linguagens secretas da amizade absorvem intensidades e fidelidades inamovíveis enquanto marcas da adolescência, quando as palavras-passe assentam chãos de rituais de confiança. A puberdade, pelas razões de todos conhecida, é conivente numa sigilosa partilha de segredos que se não estendem à família mais próxima. Entendemos, que na idade adulta, se torna mais insondável o consolidar de uma amizade. Mas, a verdade, é que não somos sonâmbulos se temos um amigo, ainda que a amizade possa trazer a dor mais duradoura, se essa amizade for traída.

 

O coração não se gasta na amizade pois através dela a solidariedade enfrenta processos de batalha que sempre vence. A amizade autêntica exulta por um amigo e por tudo o que ele conquiste. Quando mais antigas as amizades, elas suportam como nenhum sentir a enfermidade que a vida nos pode aportar, os desgostos de perdas irrecuperáveis e tanto, mas tanto nos ajudam a entender os perfumes da morte.

 

Aqui surgem os jardins que olho. Os traços dos corpos sentados nos bancos dos jardins públicos e que por breves gestos expõem a pressão dos vazios. Pergunto-me se terão de falar consigo mesmos se forem, dos dois amigos, aquele que sobrevive aos encontros no jardim. No ocaso o enigma que contém o sentir da amizade é a dádiva que nos intima a confiar no amor da amizade.

 

Começou há muito, o tempo da linguagem secreta da amizade. A idade torna-se agora irrelevante e frutuosamente filosófica. Vai surgir uma liberdade de descoberta que aporta energia ao envelhecer, rivalizando com o tempo das palavras-passe e das cumplicidades tidas por força e por doses de bruteza. Assim vai surgir amadurecida a compreensão desinteressada, ou antes aquilo que nos torna enfim inteligentes na generosidade que só o coração tem, quando lhe não foi necessário o rosário das reconciliações que impediram de um modo ou de outro a tranquilidade dos dias.

 

Teresa Bracinha Vieira