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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE ANA MARQUES GASTÃO


Anel de Chamas


Adormece a meu lado, a rosa sulfúrea,
amarela de enxofre, aurífera, metálica.
Firme em seus densos, espessos capítulos,
tem o pedúnculo exaltado em firmeza
insegura de amante e matéria de treva.
Guarda do fogo o calor, do âmbar a rota
indolor. Ó tu, verónica prostrada,
misteriosa em tua natureza fremindo, sê
artéria, mansa cor, antes da forma, essência,
antes do fim, princípio, anel de chamas.


Ring of flames


It goes to sleep beside me, the sulphurous rose,
sulphur yellow, auriferous, metallic.
Firm in its dense, thick capitula,
its stalk is elated in a lover’s
insecure resolve and hidden matters.
It keeps the heat from fire, from amber the painless
path. You, prostrate veronica,
mysterious in your pulsating nature, be
artery, docile colour, before shape, be essence,
before the end, the beginning, ring of flames.


© Translated by Ana Hudson, 2010
in Poems from the Portuguese

POEMS FROM THE PORTUGUESE

 

POEMA DE ANA MARQUES GASTÃO

 

 

 

Vinho hipocraz

Jamais saberei a distância dos lábios
ao nariz ou da faúlha a chão luminoso.
Somos sempre menos do que de mais
belo fizemos e do mais, ingratos,
esquecemo-nos. Da soletração levamos
o vinho hipocraz, do frio a água, do fogo
o vapor de um sopro abafado a perdiz.

Se me olho sem nome e me vejo num
nome onde tudo e nada trago, saboreio,
botão a botão o fruto, o lascar da pedra,
o corte áspero da foice. Sou a altura do
que oiço, a cegueira do que como e, quando
bebo, entrega-se o corpo a um sono de
morte que transformo em outro caminho.

Mas se é luz que vejo num céu-da-boca
de frases rasas e quentura gémea,
que se solte a língua da boca, os cabelos
da cabeça, se rasgue a memória vedada,
véu de uma suave, amarrada linha de fio
de prata e granulado funcho, e eu adormeça
de lábios e gosto no peito de meu amado.

in Adornos, 2011

 

Hippocras wine

I will never know the distance from the lips
to the nose or from the spark to the fire-lit ground.
We are always less than that we have most
beautifully done and everything else, ungrateful,
we forget. From the spelling we take
the hippocras wine, from the cold the water, from the fire
the vapours of braised partridge.

If I look at my nameless self and see me
in a name to which I bring everything and nothing, I taste,
bud by bud, the fruit, the slicing of the stone,
the harsh cut of the sickle. I am the loudness
of what I hear, the blindness of what I eat and, when
I drink, my body is abandoned to a deadly
sleep that I turn in another direction.

But where I to see light inside a palate
of even sentences and congenial warmth,
let then the tongue be loosened in my mouth, the hair
of my head, let the forbidden memory
be torn, veil of a softly fastened line of silver
thread with fennel beads, and let me sleep,
lips and pleasure, on the breast of my beloved.

© Translated by Ana Hudson, 2010

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE ANA MARQUES GASTÃO

  


«Sê lenha»


Enquanto a faca corta o alimento,
a boca atrasa o corte, o paladar,
a sorte, a criança devora o que tens
e a vontade pede-te: «sê lenha».
Anda, suporta teu corpo de ferida
cicatriz ou nome, és esqueleto bravio
carne e voragem, sino que ressoa,
te ensurdece e desmorona.


Do mar, a terra, da terra a água,
do fogo, o ar, só é exterior o interior
que se evapora em solução iodada
e te abafa no fumo metálico e molda
uma sombra, o ombro, a mão. Mas olha,
vê, escuta o som impaciente da lenha
afundada no sal, conta a história,
repete a única história que te faz viver.


in Adornos, 2011


«Be firewood»


While the knife cuts the food
the mouth delays the cut, the taste,
the chance, the child devours what you’ve got
and your will demands: ‘be firewood’.
Go on, carry your body with wound
scar or name, you are wild bone
flesh and hunger, a tolling bell
that deafens and flattens you.


From the sea, the earth, from the earth the water,
from the fire, the air, only the internal is external
dissolving into an iodine solution,
stifling you in the metallic smoke and shaping
a shadow, the shoulder, the hand. But look,
see, listen to the impatient sound of the firewood
sunk into salt, tell the story,
tell again the only story that makes you live.


© Translated by Ana Hudson, 2010
in Poems from the Portuguese