Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Adormece a meu lado, a rosa sulfúrea, amarela de enxofre, aurífera, metálica. Firme em seus densos, espessos capítulos, tem o pedúnculo exaltado em firmeza insegura de amante e matéria de treva. Guarda do fogo o calor, do âmbar a rota indolor. Ó tu, verónica prostrada, misteriosa em tua natureza fremindo, sê artéria, mansa cor, antes da forma, essência, antes do fim, princípio, anel de chamas.
Ring of flames
It goes to sleep beside me, the sulphurous rose, sulphur yellow, auriferous, metallic. Firm in its dense, thick capitula, its stalk is elated in a lover’s insecure resolve and hidden matters. It keeps the heat from fire, from amber the painless path. You, prostrate veronica, mysterious in your pulsating nature, be artery, docile colour, before shape, be essence, before the end, the beginning, ring of flames.
Jamais saberei a distância dos lábios ao nariz ou da faúlha a chão luminoso. Somos sempre menos do que de mais belo fizemos e do mais, ingratos, esquecemo-nos. Da soletração levamos o vinho hipocraz, do frio a água, do fogo o vapor de um sopro abafado a perdiz.
Se me olho sem nome e me vejo num nome onde tudo e nada trago, saboreio, botão a botão o fruto, o lascar da pedra, o corte áspero da foice. Sou a altura do que oiço, a cegueira do que como e, quando bebo, entrega-se o corpo a um sono de morte que transformo em outro caminho.
Mas se é luz que vejo num céu-da-boca de frases rasas e quentura gémea, que se solte a língua da boca, os cabelos da cabeça, se rasgue a memória vedada, véu de uma suave, amarrada linha de fio de prata e granulado funcho, e eu adormeça de lábios e gosto no peito de meu amado.
in Adornos, 2011
Hippocras wine
I will never know the distance from the lips to the nose or from the spark to the fire-lit ground. We are always less than that we have most beautifully done and everything else, ungrateful, we forget. From the spelling we take the hippocras wine, from the cold the water, from the fire the vapours of braised partridge.
If I look at my nameless self and see me in a name to which I bring everything and nothing, I taste, bud by bud, the fruit, the slicing of the stone, the harsh cut of the sickle. I am the loudness of what I hear, the blindness of what I eat and, when I drink, my body is abandoned to a deadly sleep that I turn in another direction.
But where I to see light inside a palate of even sentences and congenial warmth, let then the tongue be loosened in my mouth, the hair of my head, let the forbidden memory be torn, veil of a softly fastened line of silver thread with fennel beads, and let me sleep, lips and pleasure, on the breast of my beloved.
Enquanto a faca corta o alimento, a boca atrasa o corte, o paladar, a sorte, a criança devora o que tens e a vontade pede-te: «sê lenha». Anda, suporta teu corpo de ferida cicatriz ou nome, és esqueleto bravio carne e voragem, sino que ressoa, te ensurdece e desmorona.
Do mar, a terra, da terra a água, do fogo, o ar, só é exterior o interior que se evapora em solução iodada e te abafa no fumo metálico e molda uma sombra, o ombro, a mão. Mas olha, vê, escuta o som impaciente da lenha afundada no sal, conta a história, repete a única história que te faz viver.
in Adornos, 2011
«Be firewood»
While the knife cuts the food the mouth delays the cut, the taste, the chance, the child devours what you’ve got and your will demands: ‘be firewood’. Go on, carry your body with wound scar or name, you are wild bone flesh and hunger, a tolling bell that deafens and flattens you.
From the sea, the earth, from the earth the water, from the fire, the air, only the internal is external dissolving into an iodine solution, stifling you in the metallic smoke and shaping a shadow, the shoulder, the hand. But look, see, listen to the impatient sound of the firewood sunk into salt, tell the story, tell again the only story that makes you live.