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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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AINDA ANDRÉ BRUN


Já aqui referimos a relevância da obra teatral de André Brun, tendo em vista designadamente a inovação teatral que as peças, na época, envolveram. Brun, na altura o recordámos, nasce há exatamente 140 anos, morre escassos 45 anos depois. Dedica larga atividade criacional ao teatro, concretizando-a sobretudo, como já vimos, em duas peças de maior relevo e qualidade: designadamente, portanto, “A Vizinha do Lado” (1913) e “A Maluquinha de Arroios” (1916).


De notar que ambas as peças prenunciam de certo modo a “dramaturgia do absurdo”, que na época não constituía referência determinante no teatro português: e de tal forma que o conjunto da obra de Brun no que respeita ao teatro, e como tal então dissemos, adota estilos e estéticas diferenciadas. Mas a qualidade subsiste até hoje, num sentido de espetáculo que constitui a essência da estética teatral – ou pelo menos assim deveria ser…


Aliás, no texto anterior, tivemos ensejo de sublinhar exatamente essa abordagem, de certo modo entre nós precursora mas em si mesma aquém da inovação estética e dramatúrgica envolvida nessa expressão: o que não significa, insiste-se, que o teatro de André Brun não mereça destaque e não seja na época, como aliás hoje, em si mesmo inovador.


Como escrevemos na “História do Teatro Português”, a adaptação cinematográfica de “A Vizinha do Lado”, feita em 1945 por António Lopes Ribeiro, valoriza a expressão de espetáculo já contida no próprio texto em si. O filme segue diretamente o texto dramático e “resiste”, digamos assim, à própria adaptação cinematográfica, independentemente das datas e das estéticas respetivas. Ora essa circunstância é de assinalar, pois traduz uma dimensão de espetáculo que em si mesma nasce da própria dramaticidade do texto subjacente.


E como estamos em citações, também aqui faremos outra da nossa “História do Teatro Português”. Aí se diz efetivamente que as melhores obras dramáticas de André Brun são as duas comédias já referidas. Mas em 1901 tinha já escrito “O Tabelião do Pote das Almas”. E podem referir-se ainda numerosos textos cénicos: por exemplo “Código Penal Art. ***”, assim mesmo, “Ano Novo, Vida Velha”, “Cavaleiro Respeitável”, “O Primo Isidoro” e mais alguns!


Em suma: tal como já escrevemos no livro acima citado, André Brun agarra nesta “humanidadezinha”, lança-a a partir das bases reais e dinamiza-as na farsa mais inverosímil.


Aproveita até ao cerne todas as hipóteses de graça. Tira de premissas mais absurdas as mais absurdas conclusões. Lança uns contra os outros em cenas de progressivo espetáculo, de ritmo alucinante, até à apoteose de graça, velocidade e intensidade. Depois resolve a contento, com sentimentalidade inevitável!...

 

DUARTE IVO CRUZ

ANDRÉ BRUN INOVADOR

 

Nesta sucessão de referências cronológicas, sobretudo baseadas em autores que marcaram a história do nosso teatro, evocamos hoje André Brun, pois é relevante a importância que assumiu na tradição dramática de comédia, mas não só: nascido há exatos 140 anos e falecido com escassos 45 anos, mesmo assim a relevância da sua obra merece destaque.


E esse destaque não deriva apenas da sua dramaturgia.


Com efeito, será oportuno desde já referir a colaboração direta ou indireta com a produção cinematográfica. E aí há que citar desde já a adaptação que António Lopes Ribeiro fará em 1945 de "A Vizinha do Lado", peça datada de 1913. E importa então sublinhar dois aspetos inerentes.


Desde logo, o sentido de espetáculo que a obra de André Brun envolve. "A Vizinha do Lado", independentemente da adaptação cinematográfica, contém uma apreciação notável de conflito dramático. E hoje em dia, é assinalável a própria adaptação, pois Lopes Ribeiro transpôs esse conflito para o écran da época, sublinhando então designadamente a teatralidade subjacente.


Essa teatralidade surge em toda a obra dramática de Brun.


Tal como temos referido em outros estudos, o que marca a construção dramatúrgica de Brun, independentemente da época, é um ambiente pequeno-burguês dos textos e das situações. E isto realça-se sobretudo em outra peça destacada de Brun, "A Maluquinha de Arroios", esta de 1916.


Em ambas as peças, sobressai efetivamente uma evocação dramática de personagens que traduzem a problemática da época, mas que subsistem até hoje com um notável sentido de espetáculo.


E nesse aspeto, é relevante como já temos escrito, a aproximação ao que viria a ser mais tarde o teatro do absurdo, independentemente da abordagem epocal e geográfica das peças em si. Torna-se aliás oportuno sublinhar a percussão que este teatro assume numa proximidade ao que viria a ser o teatro do absurdo.


O que não obsta ao realismo epocal de cada uma das peças. Nesse aspeto, há que sublinhar esta adaptação, digamos assim, do sentido da época com a permanência dos personagens em si mesmos até hoje. Tal como aliás já escrevemos, até Brun como que adivinha o sentido de "non sense" que marcará o teatro a nível mundial.


Brun tira premissas absurdas e desenvolve-as em termos de farsa inverossímil mas teatralmente verídica. Os personagens enfrentam-se com um notável sentido de espetáculo. Tal como já dissemos, aproveita até ao cerne todas as hipóteses de graça e de “non sense”. Tira de premissas já absurdas as mais absurdas conclusões. Lança os personagens uns contra os outros, em cenas de progressivo espetáculo, de ritmo alucinante, até a uma apoteose de graça, velocidade e intensidade. E depois tudo é resolvido a contento, mas com uma inevitável sentimentalidade.


E citamos ainda uma conclusão que esta vasta obra merece tal como a abordamos já. Com efeito, as duas peças citadas são de longe as melhores. Mas Brun deixou numerosas peças que de certo modo marcaram o teatro da época. Tal como escrevemos, agarra nesta "humanidadezinha", lança-a a partir de bases reais e dinamiza-a na farsa mais inverosímil.

 

DUARTE IVO CRUZ