Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Seja permitida uma nota pessoal: muito recentemente, recebemos um livro de António Braz Teixeira, intitulado “A Vida Imaginada – Textos sobre Teatro e Literatura” que, tal como o título indica, contém e desenvolve numerosas referências e citações, estudos e análises, a dramaturgos, espetáculos e edifícios que, no seu conjunto, marcam a evolução global do espetáculo no que envolve a sua própria complexidade: textos, intérpretes, espaços e edifícios próprios ou adaptados, e público a assistir...
Na verdade, o teatro é espetáculo a partir de texto. E nesse aspeto, o livro de António Braz Teixeira é perfeitamente concreto, na medida em que cruza os textos com a potencialidade dos espetáculos. E transcende mesmo que episodicamente a expressão teatral propriamente dita, integrando-a no universo global da cultura.
E isto, numa perspetiva que dá óbvia prioridade ao teatro de autores portugueses, mas sem descurar tanto a referência a outras origens, como sobretudo a convergência cultural e histórica inerente. E isto, numa perspetiva que em si mesma transcende a cultura teatral propriamente dita, mas vai buscar a raízes histórico-culturais as fundamentações dessas convergências.
Sendo certo, entretanto, que a fundamentação histórica em si mesma pode justificar certas convergências. Desde logo, designadamente mas não só, no que respeita a autores de raiz histórico-cultural convergente.
E aí, destaca-se obviamente o teatro brasileiro e o teatro das ex-colónias africanas. Mas há que referir também estudos sobre dramaturgos e peças de origem espanhola e francesa. E não só: os exemplos vindos de outras culturas também sobressaem. E amplamente se justificam na globalização da cultura teatral.
Basta ver desde logo os exemplos que surgem no texto inicial, denominado “Breve Reflexão sobre a Tragédia”. Independentemente da apreciação propriamente dita, as referências abarcam Eugene O’Neill, Arthur Miller, Tennessee Williams, Edward Albee... o que não significa, note-se bem, que estas e outras tantas alusões impliquem qualquer divergência ao temário global da obra em si. E nesse aspeto, o livro é simultaneamente abrangente e coerente.
E no que respeita ao teatro português? Aí, a análise impõe-se como dominante, desde logo a partir de um texto iniciático, de abordagem teórica que desenvolve amplamente o historial de Gil Vicente a José Cardoso Pires, e cobrindo os grandes nomes da nossa dramaturgia.
Envolve ainda estudos sucessivos sobre a Renascença Portuguesa antecipando-a pelo neo-romantismo, o realismo e o simbolismo. E aí, o destaque vai para D. João da Câmara, Marcelino Mesquita, Manuel Laranjeira, Júlio Dantas, Teixeira Gomes e Henrique Lopes de Mendonça.
E segue-se, no mesmo capítulo, mais umas dezenas de dramaturgos, na perspetiva do simbolismo, do saudosismo e de outras estéticas, até à contemporaneidade.
Com destaque para António Patrício, Fernando Pessoa, Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Correia de Oliveira e Raul Brandão, entre outros mais, como José Régio, Miguel Torga, Luis Francisco Rebello, Agustina Bessa-Luís, Jaime Salazar Sampaio, Norberto Ávila...
E aqui e agora, só citamos os dramaturgos portugueses. Porque, insista-se, o livro abrange todo um conjunto de referências e análises a autores, obras, estilos e épocas.
"Filosofia da Saudade", com seleção e organização de Afonso Botelho (1919-1998) e António Braz Teixeira (INCM, 1986), constitui um repositório sistemático sobre a reflexão sobre a saudade na história da cultura portuguesa.
O CENTENÁRIO DE AFONSO BOTELHO
A propósito do centenário do nascimento de Afonso Botelho, o Centro Nacional de Cultura realizou um jornal falado, no qual tivemos a conferência de António Braz Teixeira sobre o pensamento do homenageado. Com um pensamento ancorado no cristianismo, o pensador encontra na reflexão sobre a saudade e na sua distinção relativamente ao saudosismo um modo especial de olhar as ideias e o mundo. E no Rei Eloquente encontra um ponto de partida que marcará o seu modo de ver e de pensar. «É no Leal Conselheiro que encontramos uma definição (de saudade) acompanhada e esclarecida por análise caracteristicamente filosófica. A novidade do conceito reside nas seguintes conclusões: a saudade é um sentimento (e não um estado psíquico inferior, como o nojo, o prazer, a dor ou o aborrecimento); não está vinculada necessariamente ao desejo; resulta da ausência de seres que se amam ou de estados que se estimam; a melhor saudade (tanto por razão de ordem religiosa, como pela sobrevalorização sentimental do presente) é a que nos atualiza, pondo-nos de acordo com o tempo e dando-nos portanto prazer» (Cf. texto antologiado na obra citada e publicado na “Revista Portuguesa de Filosofia, tomo XVI, 1960). Esta definição para o autor corresponde ao que se pode designar como “humanismo esperançoso”, o qual, apesar dos dramas e dificuldades (evidentes, por exemplo, na morte trágica do Infante Santo), parte de uma solitária saudade medieval para chegar à “reminiscência forçosa” de D. Francisco Manuel. Sem entrarmos na indagação sobre um eventual platonismo nesta evolução, o certo é que compreendemos que o pensador vê a saudade como um movimento – e daí o interesse que tem o diálogo entre Teixeira de Pascoaes e Leonardo Coimbra, que se torna revelador do que está em causa no tratamento substantivo do tema.
SAUDADE COMO SENTIMENTO
A saudade é um sentimento ou, quando muito, a consciência refletida desse sentimento – que deve ser demarcado do saudosismo, como movimento de raiz poético-filosófica e de expressão cultural. Assim, a saudade vai situar-se entre uma ânsia da Pátria Celestial e uma lembrança da Pátria Terrenal. É este confronto que obriga a entender a diferença relevante entre duas perspetivas. E esses dois lados do problema, encontramo-los em Leonardo e Pascoaes, apesar da complementaridade. “Os dois pensadores estão separados porque têm intuições religiosas diversas. Com Leonardo catoliciza-se ou celestianiza-se aquele pensamento que o Saudosismo levará em Cristianismo, mais longo, mais terrenal, ou mais regressivo (conforme se entender). Lembremos que o universo para Leonardo é criado pelo homem num processo dialógico que o faz chegar a Deus pelo fraterno amor de tudo, e não algo criado de uma vez por todas pela vontade divina. Em última análise, Deus é, assim, a luz que ilumina a ação criadora do homem. Deus é o Amor que une, e cada consciência é a unidade elementar que pelo amor se move, atraído pela «grande Unidade». Por isso, a compreensão é a Unidade e compreender é Amar. Leonardo transforma em ascensional o pensamento quando intui religiosamente; Pascoaes, ao contrário, obedece aos dois movimentos, um ascensional (o mítico em Maranus) outro descensional (que é precisamente o religioso do Regresso ao Paraíso)». No fundo, a Pátria de Pascoaes, segundo Afonso Botelho, lembra-se no homem, “mesmo quando a presença de Deus nele se faz sentir, até porque a divina presença desde que o foi dessa Pátria, já nela não pode ser esquecida”. Na fecundidade deste diálogo, Afonso Botelho centra-se na perfetibilidade do sentimento saudoso, ou seja, um movimento permanente de reconhecimento da imperfeição e de impulso necessário ´para a superação da mesma – isto é, “a garantia de que o sentir só se completa no existir, por mais elevada e infinita que seja a saudade ou a sua órbita”. Como movimento, a Saudade apenas “se completa restituindo ao homem o sentimento da própria graça que o elevou ao centro da redenção”. E assim parte de Leonardo, orientando-se para a humanidade de Pascoaes. É o ponto em que encontramos o “Homo Viator”, que tanto interessou Gabriel Marcel, na valorização da existência humana. E oiçamos Afonso Botelho: “Se o que domina a ontologia existencial é a definição do ser do tempo, creio que esta só poderá reencontrar-se na ontologia da saudade, que é a do tempo sem ser – ontologia negativa ou transcendida que determina a eliminação do tempo, precisamente porque em verdade o completa».
O ETERNO E O TRANSITÓRIO
Neste ponto, é necessário lembrar a expressão do próprio Pascoaes: “O existir cria a ilusão do tempo. O que passou e o que há de vir eis a matéria, o corpo da saudade. O eterno compõe-se de coisas transitórias”. Mas, Afonso Botelho lembra que, vulgarmente ou mesmo culturalmente, pensa-se que “o Saudosismo é o mais acabado dos passadismos”. Mas assim não é. De facto, na saudade-saudade o passado vale tanto como o futuro – “pois um e outro nela se acordam ou se eliminam, o que é o mesmo”. Lemos as saudades do futuro do Padre António Vieira e compreendemos isto mesmo. Pascoaes diria, poetando, “A folha que tombava / Era a alma que subia” e Fernando Pessoa interpretaria: “A queda da folha é materialmente a subida da alma”. Na prática, o diálogo Pascoaes / Leonardo não encerra a compreensão destes dois fenómenos? Leonardo põe a tónica na alma que sobe, enquanto Pascoaes interroga a folha que tomba… E que é a Renascença Portuguesa senão a procura constante destes dois movimentos paradoxais, equivalentes ao “poder convergente da Saudade, que se opõe a qualquer interferência do tempo exterior ou heterogéneo”… É esse paradoxo que o pensador invoca, quando a “ontologia aberta do Existencialismo pode começar a fechar-se, a tornar-se positiva”. Mas no Leal Conselheiro, Afonso Botelho ao paradoxo junta um sinal de coerência na comparação entre a posição do cavaleiro e a atitude do homem na vida: “Tal geito como este dandar dereito na besta me parece que devyamos teer em os mais de nossos feitos para seermos no mundo boos cavalgadores e nos termos fortes no cair”…
«A Experiência Reflexiva – Estudos sobre o Pensamento Luso-Brasileiro» de António Braz Teixeira (Zéfiro, 2009) permite uma visão prospetiva do atual panorama filosófico luso-brasileiro. O Autor foi um ativo participante da vida do Centro Nacional de Cultura durante muitas décadas até pela sua ligação de amizade e pensamento a Afonso Botelho um dos nossos fundadores.
UM PENSADOR DOS VALORES Homenagear António Braz Teixeira é recordar um amigo e um mestre. Há muito que nos ensina, com meridiana coerência e clareza, na linha do saudoso mestre Miguel Reale, que as “constantes ou invariáveis axiológicas”, enquanto ideias diretoras universais da conduta ética e jurídica, condicionam decisivamente a configuração do Direito. Deste modo, os valores éticos não são objetos ideais, modelos estáticos, mas inserem-se na experiência histórica, através de um processo ou de um nexo de implicação e polaridade. Assim, os valores não possuem uma “realidade ontológica”, são referência à pessoa do sujeito, têm uma objetividade relativa, uma vez que são objeto de realização na História. Deste modo, a dignidade da pessoa humana torna-se referência angular, já que “enquanto autoconsciência do espírito como valor”, constitui “o valor primordial ou o valor-fonte de todos os demais valores”. Assim, diversidade cultural e pluralismo têm de ser preservados, com especiais cautelas, contra a homogeneização ou a harmonização indiferenciada. E se falamos de memória e de raízes comuns, a verdade também é que estamos perante a construção inédita e original de uma cultura de paz baseada na extensão do Estado de direito, na diversidade das culturas, na soberania originária dos Estados-nações, na dupla legitimidade (dos Estados e dos cidadãos ou povos), na adequação de objetivos comuns à heterogeneidade social e cultural, pondo a tónica na criação de um espaço de respeito mútuo e de partilha de responsabilidades no âmbito do desenvolvimento humano. Eis por que razão se tornou importante a procura dos direitos da pessoa humana e de um “património cultural comum”, implicando as ideias de proporção e de ordem, na realização do bem comum, segundo uma referência exigida pelos valores da pessoa e pelo desenvolvimento da cultura.
UM ENTENDIMENTO HUMANISTA António Braz Teixeira, num entendimento humanista e personalista, lembra-nos, assim, que o fim do Direito é o Bem Comum e que a Justiça é um valor moral que impõe outro valor, o Direito, ao qual “impõe uma forma e um conteúdo determinados”. As relações entre ambos têm natureza axiológica, impondo-se como Direito e tornando a Justiça valiosa essa imposição. E “porque o direito assenta na moral, o que é imposto sob forma jurídica para realizar o Bem Comum vem a coincidir com o mínimo ético exigido, em cada momento, pelo espírito objetivo da comunidade”. Ora, lembrando as ideias diretoras universais da conduta ética e jurídica, que condicionam a configuração do direito positivo, fácil é de entender a importância destas considerações a propósito de uma disciplina nova do campo do Direito. E essa disciplina põe os direitos culturais no centro do moderno Direito Público e da Filosofia jurídica. No fundo, trata-se de procurar os caminhos adequados para garantir a um tempo o reconhecimento das diferenças culturais contra todas as tentações de homogeneização e de centralização uniformizadora, bem como da importância da preservação e do desenvolvimento da proteção dos valores comuns da cultura. Fora da absolutização do Estado ou da sua menorização, o que se impõe é equilibrar, a partir do respeito universal dos direitos, liberdades, garantias e responsabilidades da pessoa humana, as legitimidades centradas nos Estados, nas instituições mediadoras, capazes de ligar representação e participação e nos cidadãos, segundo a partilha de soberanias inerente ao alargamento das experiências democráticas.
“A cultura, porque criação humana – afirma ABT -, é marcada, simultaneamente, pela temporalidade, pela historicidade e pela objetividade, já que a obra de arte, a proposição filosófica, a norma jurídica, uma vez criadas ou formuladas, adquirem vida própria, tornam-se como que independentes do seu autor e do seu criador, são portadoras de um sentido próprio e seu, aberto dinamicamente ao conhecimento e à interpretação vivificante daqueles que com elas entram em contacto, sendo nessa relação, a um tempo cognitiva e estimativa, que plenamente são e adquirem a sua plenitude de ser”. Por um lado, não se esquece a visão marcada pela História, mas, por outro, lembra-se a circunstância pessoal e comunitária, que projeta a vida individual para além de uma visão autorreferenciada, fechada e redutora. E a saída está na consideração de uma tripla dimensão da vida humana, como realidade individual, social e histórica, “as três constituindo o ser pessoal do homem”.
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Se hoje falo do humanismo axiológico de um amigo, não posso deixar de invocar a memória do Engenheiro Amândio Secca, que conheci e de quem me tornei amigo próximo, através do meu saudoso Amigo José Rodrigues, e que se tornou a grande Alma da Cooperativa “Árvore”. Voltarei a falar dele, mas devo hoje, como fiz na cerimónia da Universidade do Porto deste fim de semana de aniversário de “As Artes entre as Letras”, deixar aqui a minha sentida e comovida homenagem!
Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença
Vimos em crónica anterior o repertório selecionado por António Braz Teixeira no período em que desempenhou funções de diretor do Teatro Nacional de D. Maria II (1982-1985). Tenha-se então presente que esta escolha e execução reflete e documenta uma abordagem efetivamente adequada à função cultural de um Teatro Nacional, designadamente nos aspetos de qualidade e de equilíbrio peças portuguesas e de outras dramaturgias, e entre autores clássicos e autores modernos.
Importa agora salientar a intervenção de António Braz Teixeira na ponderação analítica de dramaturgos que detalhadamente estudou.
Citei já, noutras ocasiões, a análise ao teatro de José Régio numa perspetiva profunda de conteúdos.
Escreveu António Braz Teixeira sobre a religiosidade expressa ou implícita do teatro de Régio:
“A redenção é puramente individual – cada homem está irremediavelmente só com o seu sofrimento. Só rendendo-se ao Espírito, humilhando-se, recusando-se ao mundo, morrendo e ressuscitando – pois o único sofrimento real é o de não ser Espírito, o de ser homem, cada homem, um ser desgarrado e exilado do espírito – é possível, a cada um, redimir-se” (in “Sobre o Teatro de José Régio” in Espiral nº 6/7 - 1964).
Acrescento agora que tive o gosto de colaborar nessa publicação com dois estudos sobre o teatro de Raul Brandão e sobre o teatro de Almada Negreiros. E relendo a revista, encontro um longo e extremamente interessante artigo de António Braz Teixeira intitulado “Possibilidade e Realidade do Teatro Português”.
Dele extraio uma passagem:
“Descontínuo e intermitente, como que renascendo e morrendo em cada novo dramaturgo, o teatro português tenta novos caminhos no saudosismo virtualmente trágico do «D. Carlos» de Pascoaes, no drama estático de Fernando Pessoa, na redescoberta da pureza luminosa das peças de Almada Negreiros, na atmosfera poética em que, no teatro de António Patrício, o amor e a morte se digladiam e se fundem, na interrogação metafísica sobre a condição humana que obcessivamente perpassa nas farsas trágicas de Raul Brandão, na pluralidade de experiências que, em irrequieta e insatisfeita busca, regista o teatro de Alfredo Cortez, do historicismo ao expressionismo, do drama citadino, apologético ou de cítica social, ao teatro popular ou mesmo regionalista, no simbolismo espiritualista dos mistérios religiosos, dos poemas espetaculares, dos dramas, das farsas e tragicomédias de José Régio, o vigoroso teatro de Bernardo Santarenos, na autenticidade da sua raiz popular e da sua incontida apetência trágica, na dramaturgia social e de aspiração metafísica, de Luis Francisco Rebello, no teatro filosófico de Orlando Vitorino e Afonso Botelho ou nas tentativas de recriação de um novo auto narrativo de Luis Sttau Monteiro e José Cardoso Pires.”
Assim escreveu pois António Braz Teixeira. E como é atual a sua reflexão sobre o teatro português!
Faço aqui uma evocação sintética mas muito refletida da atuação e da obra de António Braz Teixeira como diretor do Teatro de D. Maria II, no período de 1982 a 1985.
Importa recordar antes de mais que a gestão de um Teatro Nacional implica uma abordagem convergente da evocação e renovação.
Evocação, chamemos-lhe assim à necessária abordagem global de uma expressão histórica e estética, necessariamente breve mas adequada a um teatro do Estado: e isso, porque há que ter presente a “obrigatoriedade” (entre aspas) de retoma do património histórico e estético da literatura dramática, nacional e não só, evidentemente.
A verdade é que um Teatro Nacional e Normal constitui referência para a realização em espetáculo, como o teatro deve ser, da cultura teatral.
Mas mais: um Teatro Nacional tem de conciliar essa perspetiva histórica com a necessidade de evolução e renovação dramatúrgica e das artes e literaturas do espetáculo dramático e isto, não só na literatura e na cultura dramática do país, como também da literatura e cultura dramática a nível mundial.
E ainda acrescentamos que o Teatro Nacional e Normal mais deve ter em vista a dupla dimensão, no que respeita à dramaturgia (neste caso portuguesa) do património histórico-cultural do país, mas também da atualização de patrimónios histórico-culturais de expressões vinda de outros países e de outras culturas.
E se isto nos parece óbvio no quadro de qualquer cultura-literatura dramática, mais o será no que respeita à cultura-literatura dramática portuguesa: porque, há que reconhecer, o teatro não é e expressão artística dominante no quadro da cultura portuguesa – o que não significa, de modo algum, uma redução da importância e qualidade da literatura dramática e do espetáculo em Portugal.
Fazemos pois aqui uma evocação da seletividade cultural e teatral do Teatro de D. Maria II no período em que foi dirigido por António Braz Teixeira como vimos de 1982 a 1985.
E fazemo-lo a partir da evocação das peças representadas, chamando a atenção para um fator também muito relevante: é que a seletividade implicou uma abordagem coerentemente global do repertório.
E nesse aspeto saliento alguns pontos específicos.
Em primeiro lugar, uma preponderância de textos de autores portugueses, o que é adequado a um Teatro Nacional.
Mas também obviamente peças de autores estrangeiros.
E num caso e noutro, uma preponderância de textos mais ou menos contemporâneos, sem embargo, claro está, da evocação de grandes clássicos da história do teatro.
Recordamos peças referenciais levadas à cena no Teatro D. Maria II durante a gestão de António Braz Teixeira:
CASTRO de ANTÓNIO FERREIRA AUTO DE SANTO ALEIXO de AFONSO ÁVARES GUERRAS DO ALECRIM E MANJERONA de ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA FÍGDOS DE TIGRE de F. GOMES DE AMORIM A SOBRINHA DO MARQUÊS de GARRETT O MORGADO DE FAFE EM LISBOA de CAMILO CASTELO BRANCO PEDRO O CRU de ANTÓNIO PATRÍCIO O GEBO E A SOMBRA de RAUL BRANDÃO e mais as peças num ato do mesmo autor ALMA de MARIO SÁ CARNEIRO e PONCE DE LEÃO ANTES DE COMEÇAR de ALMADA NEGREIROS O MARINHEIRO de FERNANDO PESSOA FERNANDO (TALVEZ) PESSOA de JAIME SALAZAR SAMPAIO A BIRRA DO MORTO de VICENTE SANCHES POE OU O CORVO de FIAMA HASSE PAES BRANDÃO OS IMPLACÁVEIS de MANUEL GRANGEIRO CRESPO DOM JOÃO de MOLIÈRE A CASA DE BERNARDA ALBA de FREDERICO GARCIA LORCA LONGA VIAGEM PARA A NOITE de O´NEILL ANÚNCIO FEITO A MARIA de PAUL CLAUDEL MÃE CORAGEM de BERTOLD BRECHT LULU de WEDEKIN
E acresce que António Braz Teixeira reconstituiu ainda cenas de uma peça perdida de António Patrício intitulada “Teodora”.
Veremos em próximo texto alguma doutrinação de António Braz Teixeira sobre teatro e estética de espetáculo.