It’s after the flesh
That the bones hurt
And the face
Recovers from fatigue
And from memories
After the flesh
When our fingers meet
We know the most real faces
That inhabit us
Are those of others.
© Translated by Ana Hudson, 2011
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POEMA DE ANTÓNIO CARLOS CORTEZ
Porque existe este ritmo de luzes…
porque existe este ritmo de luzes
no barco que atravessa as margens do poema
as palavras procuram lugares secretos
para nomear o mundo destruído
pela falta de sentido no sentido
o poema é um barco no rio
para lugar algum
relembras por entre barcos os ritmos
e a primeira viagem de regresso para o
território neutro da cidade insensível
ao poema como geografia lunar
é tempo no poema de voltar.
in Um Barco no Rio, 2002
Because there is this rhythm of lights…
because there is this rhythm of lights
on the boat crossing between the poem’s margins
the words search for secret places
to name the world destroyed
by the lack of meaning in meaning
the poem is a boat on the river
to nowhere
amongst boats you remember the rhythms
and the first return voyage to the
neutral territory of the city as unresponsive
to the poem as a lunar landscape
it’s time in the poem to go back
© Translated by Ana Hudson, 2011
in Poems from the Portuguese
POEMA DE ANTÓNIO CARLOS CORTEZ
Depois da carne
Depois da carne
É que os ossos se magoam
E o rosto
Recupera da fadiga
E das memórias
Depois da carne
Quando os dedos se encontram
Sabemos que são outros
Os rostos mais reais
Que nos povoam.
in À Flor da Pele, 2008
After the flesh
It’s after the flesh
That the bones hurt
And the face
Recovers from fatigue
And from memories
After the flesh
When our fingers meet
We know the most real faces
That inhabit us
Are those of others.
© Translated by Ana Hudson, 2011
POEMA DE ANTÓNIO CARLOS CORTEZ
A palavra eu acredito nela…
A palavra eu acredito nela
Na sua pedra rugosa na sua superfície
De astro inominável como o fogo
A palavra eu acredito na sua sombra
Na sua medida singular
Na sua circunferência exacta quando arde
Na vida com seus animais urbanos
Evolando-se os animais no verbo escuro
Acreditar no infinitivo lodo do seu jogo
E não permanecer na sua cegueira incerta
A poesia quando se rende ao real literal
Ausente da vida que a perfura
A palavra eu acredito nela e na sua luz secreta
Entre o seu fazer e o ser dita na leitura
in A Sombra no Limite, 2004
I believe in the word...
I believe in the word
Its rugged stone its surface
Star as unnamable as fire
I believe in its shadow
Its singular measure
Its exact circumference as it burns
In life with its urban animals
Animals vanishing in the verb’s darkness
To believe in the infinite swamp of its sport
And not dwell in uncertain blindness
Poetry surrendering to literal reality
Absent from the piercing life
I believe the word, its secret light
Between its making and its telling as it is read
© Translated by Ana Hudson, 2011
in Poems from the Portuguese
De 15 a 21 de abril de 2019
A leitura da última obra de António Carlos Cortez, Voltar a Ler – Alguma Crítica Reunida (Sobre Poesia, Educação e Outros Ensaios) (Gradiva, 2019), permite-nos tomar contacto com um conjunto polifacetado de textos, com uma sólida complementaridade e uma coerência que merecem ser elogiadas.
A IMPORTÂNCIA DA LEITURA E DA LITERATURA
Alguém que já se afirmou como poeta, surge neste livro, essencialmente, como crítico, como pedagogo e como cidadão preocupado com a vida cultural. Tive o grande gosto de participar na apresentação pública do livro, com o autor, Lídia Jorge e Isabel Soares, e pudemos partilhar em análises sucintas o sentido crítico e pedagógico que António Carlos Cortez empresta aos textos que agora reúne, produzidos em colóquios, jornais e revistas, e que, em boa hora, vêm a lume num tomo que é mais do que uma reunião de participações avulsas, já que nos revela não só uma panóplia de diversos autores relevantes do nosso panorama literário, mas também uma análise crítica sobre o reconhecimento da importância da leitura e da literatura no tempo atual. Dir-se-ia, assim, que o “voltar a ler” tem um triplo significado: como releitura de textos publicados pelo autor ao longo do tempo; como apelo à reflexão e ao tempo da crítica, num momento tão dado à superficialidade e ao imediatismo; e como uma séria invetiva contra a mediocridade e contra o esquecimento e a indiferença relativamente ao livro e à leitura. Começando por falar-nos da urgência da literatura, António Carlos Cortez divide o livro em três partes: sobre os ensaístas, sobre voltar a ler (a propósito de poetas portugueses modernos e contemporâneos) e sobre educação e cultura. Estamos perante um rol muito rico, em que os ensaístas e os poetas nos levam a compreender o que António Ramos Rosa nos ensina; “a significação de um poema especificamente moderno depende tanto dele como de nós e que é precisamente desta colaboração profunda entre criador e leitor que uma significação pode surgir e atualizar-se”. E quando se fala do poema, podemos facilmente chegar ao ensaio, que participa da mesma força criadora e do mesmo sentido crítico relativamente à urgência da literatura. De facto, “um crítico literário ‘tem de ser um homem total, um homem de convicções e de princípios, e com conhecimento e experiência de vida’, diz-nos T.S. Eliot (…) e é por se falar de literatura e, transversalmente, de Humanismo ou de valor das Humanidades, que estes textos podem ser lidos como partilha dessas convicções e princípios, propondo ao leitor uma espécie de pacto ou de aperto de mão que define a própria relação entre quem lê e aquele que é lido”.
TEMAS E AUTORES
Texto a texto, encontramos referências de memória e de vida, num permanente apelo aos textos e aos seus ritmos: Antero de Quental, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Mário Dionísio, Sophia de Mello Breyner, David Mourão-Ferreira, Mário Cesariny, Eugénio de Andrade… Mas chegamos ainda a Fernando Echevarría, Fernando Guimarães, Ruy Belo, Herberto Helder, João Rui de Sousa, Fiama Hasse Pais Brandão, Gastão Cruz, Armando Silva Carvalho, Manuel António Pina. E ainda encontramos naturalmente, como numa encruzilhada luminosa da República das Letras: Camões, Vasco Graça Moura, Eduardo Lourenço, Vítor Aguiar e Silva, Cleonice Berardinelli, Manuel Gusmão, Fernando Cabral Martins, Richard Zenith ou Paula Morão… E sente-se a cada passo a lição de Jacinto do Prado Coelho ou de Jorge de Sena, expressa por Fernando J.B. Martinho: “um dado acontecimento literário na diacronia da nossa historicidade tem sempre de ser compreendido à luz de um quadro mais vivo de marcos e referências”. O poeta e o ensaísta não estão sós, o mundo e a vida alimentam-nos, o que permite entender a pergunta bem presente na torre de Montaigne: Que sais-je? Uma pergunta, mais do que respostas - é esse quadro vivo que o autor procura desvendar, não a partir de elucubrações fantasiosas, mas sim segundo uma compreensão rigorosa dos textos. Que é a crítica senão o respeito escrupuloso pelo dito e pelo escrito? Afinal, qual é a melhor pedagogia das humanidades senão o apelo à leitura direta dos originais sem a falsificação dos intermediários ou dos resumistas… E chegamos à necessária pedagogia. Vítor Manuel de Aguiar e Silva ensina-nos que “é o texto poético que deve concentrar a relação ensino-aprendizagem nas aulas de língua materna, dando às crianças e jovens a memória histórica que lhes falta”. Não é preciso dizer muito mais, sendo que, no entanto, aqui está dito o que é mais difícil na função motivadora do mestre em humanidades. Não se trata de fechar a literatura sobre si mesma ou sobre simplificações, mas de abrir horizontes para vários saberes – entendendo o que Eliot dizia sobre o conhecimento perdido na informação, e a sabedoria perdida no conhecimento. Sophia insistia que não podemos distinguir as redondilhas de um alexandrino se não entendermos o movimento e o número, a arte e a ciência. Eduardo Lourenço, fio de Ariadne vigilante, afirma-nos por isso que “a poesia é a realidade enigmática e luminescente como a Esfinge ou como a face de um antigo deus”. E não se trata de um jogo de palavras, mas da compreensão exata de que só a visão crítica dos mitos nos permite perceber a relação entre vida e destino. E o poético “é o inefável que procura concretizar-se pela ação artística, espelho da História”. Daí a tentativa de Lourenço para construir “a dialética mítica da poesia moderna portuguesa”, subjacente à psicanálise do destino português. E assim a “Mensagem” de Pessoa passou a ter de ser lida de outro modo, como um Espelho mágico decifrador de estranhos enigmas…
LER E VOLTAR A LER
E eis-nos chegados a Antero de Quental, supremo interrogador dos nossos enigmas. Pode dizer-se que em Voltar a Ler a referência central pode ser esta carta do genial poeta a Jaime Magalhães de Lima: “A natureza tinha-me talhado para romântico descabelado, pessimista, satânico, que sei eu? Mas tinha-me dado, ao mesmo tempo, por singular contradição, razão e sentimento moral para muito mais e melhor. Daí o conflito, a guerra civil, a luta interior. Essa luta foi a minha vida, e é o que explica a aparente singularidade (que reconheço ser grande) e a esterilidade dela. O que venceu em mim foi a razão e o sentimento moral; mas a imaginação e a paixão, embora vencidas, não se submeteram. Ora não é essa a razão, mas a imaginação e a paixão que fazem o poeta (…) os últimos vinte sonetos do meu livrinho são uma coisa nova, a nota cristalina duma poesia nova, de verdadeira poesia (ouso dizê-lo) do futuro”. O percurso biográfico, o caminho do poeta confirma como a literatura é chave da arte de aprender. De facto, a poesia concilia palavra e pensamento, sendo para Antero (com a sua tragédia) “a possibilidade de viver” uma “partícula de pó das estrelas num paraíso perdido que só a Poesia, suprema arte pode tornar real”… Eis por que razão António Carlos Cortez tem razão no apelo fundamental que faz: “Discutindo-se o lugar do livro na escola, raramente se diz o que muitos sabem: a única estratégia de combate contra a ‘nova ignorância’ (no fundo velha, se virmos bem…) passa por trazer de novo o livro para a Escola e a Universidade…”