A VIDA DOS LIVROS
De 11 a 17 de janeiro de 2021
“Flores de España, Excelência de Portugal” (1631) e “Ulissipo - Poema Heroico” (1640) de António de Sousa de Macedo são duas obras em que o seu autor enaltece as virtualidades de Lisboa e dos portugueses nas vésperas da Restauração da Independência. No entanto, a celebridade do autor não se ficou a dever a talento literário, mas sim ao modo como defendeu a legitimidade do rei João IV e da independência de Portugal.
UM POLÍTICO INFLUENTE
O Doutor António de Sousa de Macedo (1606-1682) que dá o nome ao largo em que se inicia em Lisboa a Calçada do Combro está longe de ser um desconhecido. É verdade que não foi a literatura que o celebrizou e que “Ulissipo – Poema Heroico” (1640) é uma obra mitológica sua que hoje quase passa despercebida. Não foi assim como poeta ou escritor que se singularizou. Alberto Manguel, novo munícipe naquele Largo, conta que perguntou quem conhecia o literato, mas ninguém soube responder. Há alguns anos esclareci, aliás, uma confusão entre este António de Sousa de Macedo, do século XVII, e um seu descendente que foi Ministro da Instrução Pública, o primeiro, num Governo do Marechal Saldanha em 1870, conhecido como D. António da Costa. É bom encontrar alguém que se interrogue sobre quem merece ser imortalizado numa rua. Esta honra toponímica não veio, porém, da escrita, mas do facto de se tratar de um dos mais célebres diplomatas, em momento decisivo da história pátria. Quando em 1640 inicia a sua obra épica sobre a fundação de Lisboa, Sousa de Macedo vai buscar a referência homérica da “Odisseia”, enaltecendo as virtudes do grande herói da Guerra de Troia e inserindo a origem dos portugueses na mais antiga tradição greco-romana. E tal como Camões, mas seguindo caminho diverso, vai à inspiração de Virgílio, podendo dizer-se que estamos perante um verdadeiro reportório da cultura e da mitologia da Grécia. «Canto ao varão que por fatal governo / da Grécia à Lusitânia peregrino / fundou ilustre muro e nome eterno; / onde o mar torna o Tejo cristalino / muito obrou e sofreu; em vão o Inferno / se quis opor contra o poder Divino, / que o guardou para autor, naquela idade, /de muitos reinos numa só cidade». Temos, de facto, de inserir esta obra na preocupação fundamental de assegurar culturalmente a criação de uma legitimidade cultural, que hoje designaríamos como identitária. Se António Sousa de Macedo não esteve na primeira linha da conspiração de 1640, assume-se claramente como restauracionista na preocupação que preside a esta obra. Enquanto Francisco Rodrigues Lobo põe a nu em “A Corte na Aldeia” a situação de um povo grande que se vê submetido a uma situação de subalternidade, substituindo o tema do império pela discussão de campanário de aldeia, o autor de Ulissipo projeta na Antiguidade Clássica a legitima ambição de uma nação que aspira à liberdade, como afirmará em “Lusitania Liberata”, cujo título integral é “Lusitânia libertada do domínio injusto dos espanhóis e devolvida ao rei D. João IV, com materiais históricos e jurídicos e todo o conhecimento de Portugal, para a terra da nação, o seu poder e os acontecimentos mais dignos de nota desde a criação do mundo, no qual o leitor verá o seu valor na história, na literatura, no direito, na política e na teologia” (de 1645).
UMA VIDA DE SERVIÇO PÚBLICO
Nascido no Porto em 1606, veio para Lisboa pelas funções do Pai, Desembargador na Casa da Suplicação, seguindo para Madrid. De novo em Lisboa, frequentou o Colégio de Santo Antão (1619-1623), depois do que rumou a Coimbra, para frequentar Direito Civil. Voltou a Madrid com seu pai e então escreveu “Flores de España, Excelência de Portugal” (1631), onde elogiou Lisboa e enalteceu os espanhóis, o melhor dos povos, à exceção dos portugueses. Nesta obra, sente-se a dupla preocupação de defender as qualidades excecionais dos portugueses e de Portugal, sem pôr em causa uma boa relação formal com o povo de Espanha. Nota-se, contudo, uma preocupação, que se evidenciará mais tarde em garantir uma defesa eficaz dos interesses portugueses. Regressado a Portugal obteve o grau de Doutor em Leis (1632), sendo enaltecida por Barbosa Machado a qualidade das suas prestações académicas - a merecer “inveja e veneração dos Catedráticos daquela insigne Atenas”. Num momento triste da família, o Pai foi destituído de funções. O jovem casa-se com Maria Lemercier, de ascendência holandesa, mas vê recusado o seu nome para Contador-mor. Era secretário do Conselho de Portugal Miguel de Vasconcelos, e houve razões pessoais e políticas para esta recusa. Pouco depois dá-se o golpe de 1640, no qual não participa diretamente mas que apoia com entusiasmo. Então é nomeado secretário da Embaixada em Londres com Antão Vaz de Almada, sucedendo-lhe como representante, e é essencial a sua ação, quer no reconhecimento da Restauração quer ao conseguir a nomeação de um prestigiado Embaixador britânico para Lisboa, Henri Compton, o que foi essencial para a legitimação de D. João IV. Mercê de um elevado sentido pragmático, mas também de uma relação humana muito afável e de uma cultura rica, relaciona-se com Carlos I, num momento muito difícil da vida política britânica, que levaria à implantação da República de Cromwell – o que lhe permitirá ser muito admirado pelo futuro rei Carlos II, que virá a casar-se com a Princesa portuguesa Catarina de Bragança.
UMA MEMÓRIA IMPORTANTE
Volta a Lisboa como Desembargador da Casa da Suplicação e em 1648 é Juiz das Justificações do Reino. Em 1651 é Embaixador nos Países Baixos, onde não concorda com o Padre António Vieira. Com a subida ao trono de D. Afonso VI é nomeado Secretário de Estado, ao lado de Castelo Melhor. Mas quando o rei é afastado cai em desgraça e é exilado a 30 léguas da Corte, para a Vila de Penela (1667). O certo é que foi um importante político, diplomata e influente membro do Conselho da Fazenda. Conheço bem o Largo (antes designado do Poço Novo), nele foi-me possível usufruir da hospitalidade extraordinária de Helena e Alberto Vaz da Silva, queridos amigos. Helena era descendente de Sousa de Macedo, por via materna, ainda que a casa onde nasceu e viveu não fosse a do seu antepassado, mas no Palácio Cabral, em frente, prédio do século XVII, largamente beneficiado depois do Terramoto, e recentemente alvo de revelações históricas importantes. Eis esclarecida a questão.
Guilherme d’Oliveira Martins
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