Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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40. NOVA FALA DE UM HOMEM NASCIDO QUE QUER SER OUVIDO
“Venho da terra assombrada Do ventre da minha mãe Não pretendo roubar nada Nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido Por me trazerem aqui. Que eu nem sequer fui ouvido No acto de que nasci”
“Fala do Homem Nascido”, António Gedeão
Se a ascendência (ius sanguinis) e o território (ius solis) são os elementos causais formadores da cidadania originária (ou em primeiro grau), fazendo parte do que herdámos biologicamente, do não escolhido, não podemos superar esta conceção exígua de cidadania adaptando-a à evolução dos tempos?
Agarrando a cidadania derivada (ou em segundo grau) a esfera do desejado, querido ou pensado, como a adoção, o casamento ou o domicílio, qual o óbice em alargá-la ao local de nascimento de cada um?
Se é impossível emitir opinião e sermos ouvidos quanto ao ato em que nascemos, terá que ser assim quanto ao local do nosso nascimento?
Não poderá este basear-se na decisão da própria pessoa que estabelece uma relação afetiva com um determinado lugar onde teve, ou tem, o centro da sua infância, adolescência, vida pessoal, familiar, social, da sua mundividência formativa e perene como ser humano, onde o começo começou e plastificou para sempre a nossa conceção e perceção do mundo?
Porque não podemos escolher, por decisão própria, o local que no começo das nossas vidas nos moldou e formou com caraterísticas de permanência?
Um lugar pensado, querido, desejado, amado, adotado, desposado, certificado e registado, diferente do herdado e determinado biologicamente, por herança e decisão alheia, que com este pode ou não coincidir.
Eis um novo falar e pensar de um homem nascido que quer ser ouvido.
Alcina do Aido e Maria Gertrudes Bastos, suas antigas estagiárias, recordam-se:
Uma preocupação que nos procurava incutir com a maior ênfase era a necessidade de, nas vésperas de uma lição em que se previa a realização de uma certa experiência, executá-la com o maior cuidado, testando todo o material até ao último pormenor, na tentativa de evitar qualquer falha que pusesse em risco a conclusão que se pretendia tirar.
Os antigos alunos deste grande professor de Físico-Químicas do Liceu Normal Pedro Nunes, nomeadamente os que estudaram os seus textos sobre pedagogia e didáctica, reconhecem-lhe uma raríssima capacidade no método de expor ao longo dos 42 anos que tão extraordinariamente leccionou. Rómulo de Carvalho numa Palestra cujo tema era subordinado à Física como objecto de ensino, dizia:
«Por vezes tomam-se como sinónimas as expressões método indutivo e método experimental. Não nos parece nada razoável esta sinonímia na metodologia pedagógica da Física em virtude de ser a experiência uma das vias, e não a única, que preparam o espírito para a indução.»
E mais adiante
«Somos nós, os que ensinamos, com as palavras que escolhemos e proferimos com as nossas hábeis insinuações, com as nossas escamoteações oportunas, com o nosso conhecimento sagaz do aluno e das suas circunstâncias.
Nós somos, em última análise, o método, o processo a forma e o modo.»
Meu admirável Mestre, esta é a ideia que se alia à preocupação de despertar o espírito crítico nos alunos. Aliás desde os anos 80 que muitos são os que defendem que a função do professor é apenas a de «criar situações de aprendizagem» e se têm atenuado os conceitos de investigação e ensino já que toda a aprendizagem é descoberta.
E a descoberta da palavra contida no átomo só a poesia a conhece, e quando a conhece tão profundamente como o Poeta António Gedeão conhecia, eis
Lição sobre a água:
Este líquido é água. Quando pura é inodora, insípida e incolor. Reduzida a vapor, sob tensão e a alta temperatura, move os êmbolos das máquinas que, por isso, se denominam máquinas de vapor.
(…)Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão, sob um luar gomoso e branco de camélia, apareceu a boiar o cadáver de Ofélia com um nenúfar na mão.
E eis que
eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
E assim Professor e Poeta souberam nomear o mundo e escutar-lhe as pausas, os amores, as aflições, e as pastoras e os pastores inocentes, com sinais de lume, acenderam telas como docentes nas mãos de alunos.