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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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AINDA AQUILINO DRAMATURGO


Voltamos à evocação do teatro de Aquilino Ribeiro.


Sendo certo que se poderia limitar a duas peças principais, e que a sua criação literária, até pela exigência expressa da linguagem, não se adequa diretamente à expressão cénica, reconhece-se a qualidade e originalidade de escrita do teatro, repita-se, exigente que seja e é, mas com, implicitamente, um sentido de espetáculo que merece sempre ser evocado.


E isto, mesmo que se tenha presente o conjunto da obra de Aquilino Ribeiro e a especificidade, nem sempre adequada ao espetáculo, da sua linguagem literária mas sobretudo teatral: e tendo presente que as peças principais de Aquilino são “Tombo no Inferno” (1920) e “O Manto de Nossa Senhora” (1962).


Veja-se pois a escassez da dramaturgia em si mesma, e também a dificuldade, diga-se outra vez assim, da expressão cénica e de espetáculo em si mesmo: e efetivamente, na nossa opinião, a prosa romanesca de Aquilino, vasta e muito qualificada e justa e adequadamente respeitada que é, não remete para o palco.


A verdade é pois que nos limitamos aqui à análise de duas peças: “O Tombo no Inferno” (1920) e “O Manto de Nossa Senhora” (1962). Já sobre elas escrevemos na “História do Teatro Português” e também agora se assinala o centenário da primeira delas, ocorria no ano passado.


Em qualquer caso, o próprio Aquilino, que sempre referiu com detalhes de apreciação crítica a sua vasta obra literária, analisou com objetividade a sua escassa dramaturgia.


Num “antelóquio” publicado em 1963 na edição do “Tombo no Inferno”, Aquilino escreve:
«Foi o “ Tombo no Inferno” construído sobre um episódio de fé e superstição, cuja realidade se situa já bastante aquém dos dias de hoje» assim mesmo… E acrescenta: «o meu escopo foi dar a angústia e desespero de homem pletórico de vida, não amando menos que um César, surpreendido, como um bandoleiro à esquina, pelo ucasse da morte»...


E nas notas de cena situa e esclarece os textos: assim, no “Tombo no Inferno” «a ação decorre em meios rurais da Beira Alta, princípio do século”.


E “O Manto de Nossa Senhora” tem uma “sala serrana marcada do fumo da cozinha”.


Cite-se a descrição/tipificação de personagens das peças: por exemplo, o Gaspar Roxo “sedentário e rico”, o Padre Facundo “baixo, grosso, largo de peitos”, o Evaristo “civilizado que condescende com o meio ou em vias de retrocesso”, a Joana Lorena “muito embiocada no xale” e tanto mais por aí fora!


Importa entretanto referir que não obstante o enquadramento regional de ambas as peças, e a tipificação da linguagem no geral não muito cénica, digamos mesmo pouca!... Ou como escreveu Álvaro Salema em «O Teatro de Aquilino Ribeiro» “o processo do romancista, do narrador vernáculo, sobrepõe-se à necessária economia verbal da transposição dramática”.


Mas reconhece e todos reconhecemos que nada disso afeta a qualidade literária das peças e obviamente a relevância do autor.


E mais: as suas análises literário-teatrais merecem também maior destaque.

 

DUARTE IVO CRUZ

CENTENÁRIO DE AQUILINO RIBEIRO COMO DRAMATURGO

 

Sabe-se que Aquilino Ribeiro (1885-1963) não se considerava propriamente dramaturgo, e manifestamente não é essa a subjacência direta da sua vasta obra. E isto porque, independentemente dos méritos indiscutíveis da sua obra romanesca, pode ser e é questionável a dinâmica potencial necessária ao teatro como texto/espetáculo.

Em qualquer caso, Aquilino deixou apenas duas peças, e a primeira delas cumpre este ano exatamente um século: referimo-nos a “Tombo no Inferno”, datada de 1920, e a “O Manto de Nossa Senhora” esta datada de 1962. Verifica-se pois, e aqui como tal se assinala, o centenário da criação dramatúrgica assumida pelo autor.


Ora, desde logo se saliente que esta escassez de peças e os mais de 40 anos decorridos entre uma e outra, independentemente de quaisquer considerações, documentam o menor interesse do autor pela expressão dramatúrgica no seu vasto e indiscutível talento literário: o teatro é texto mas, não faz mal insistir na obviedade, o teatro é texto/espetáculo...


E as reservas que se podem assinalar nesta escassa dramaturgia, e escassa sobretudo pela vastidão da obra literária do autor, decorre também mas não só de certo “desajuste”, digamos assim, do estilo literário aquiliniano, com as exigências de espetáculo que o teatro impõe.


Aliás, Taborda de Vasconcelos, num estudo sobre Aquilino, reconhecendo embora a potencialidade de espetáculo, considera expressamente ser “dispensável classificar” as duas peças como meras “narrativas em diálogo” pois reconhece os valores de espetáculo inerentes a ambas (in “Aquilino Ribeiro” Ed. Presença 1965 pág. 264).


Em qualquer caso, há que salientar esta escassez de textos dramatúrgicos, e associá-la ao próprio estilo da criatividade aquiliana, que não se concilia facilmente com a dinâmica do espetáculo teatral.


E no entanto, Luciana Stegagno Picchio, na clássica “História do Teatro Português” que tantas vezes temos referido, elogia Aquilino como analista de textos teatrais. Reconhece porém, e agora citamos, que “na vasta e torrencial obra literária, a atividade do dramaturgo é todavia episódica: na própria opinião do autor, as suas peças são umas férias para o espírito”... (Portugália Ed. 1969 pág. 328).


E mais se acrescenta agora que Luís Francisco Rebello refere uma adaptação por Luís Oliveira Guimarães do romance “O Arcanjo Negro” estreada em 1948 no Teatro da Trindade. (in “100 Anos do Teatro Português" Brasília Editora 1984 pág.117). São referências de indiscutível qualidade.


Em suma: com as reservas sobretudo da expressão e linguagem de espetáculo, reconhecemos e realçamos a verdadeira raiz e matriz deste teatro, a saber, “a humanidade rude, simples, aterrada e confusa nas suas relações com a natureza e o além, o natural e o sobrenatural fundidos numa mesma conceção telúrica e panteísta da vida”. E salientamos “as notas de cena, que precisamente servem para documentar o ambiente e reforçar a reprodução. Nisso é Aquilino notável”... (Duarte Ivo Cruz -  “História do Teatro Português,  Editorial Verbo 2001 pág. 284).


Assim nos parece na releitura das peças de Aquilino Ribeiro.

 

DUARTE IVO CRUZ