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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

 

De 21 a 27 de maio de 2018

 

«Pós-Pop – Fora do Lugar Comum», mostra a ter lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, representa, com significativa originalidade, uma visão abrangente da Arte Pop crítica, em Portugal e em Inglaterra, nos anos 1965 e 1975.

 

A REFERÊNCIA DE LONDRES
Partimos da experiência de criadores portugueses que foram ao encontro dos meios artísticos britânicos, num tempo em que, fundamentalmente graças às bolsas apoiadas pela Fundação Calouste Gulbenkian, há uma salutar abertura de horizontes num sentido da inovação. Do que se trata é de cultivar uma divergência bem-humorada em relação ao lugar-comum proposto pela Arte Pop. Numa palavra, trata-se da crítica da crítica. Joga-se com a linguagem popular para desconstruir uma imagem que não sendo uniforme dá lugar a leituras contraditórias – longe de um paradigma. A obra de Teresa Magalhães, em finais dos anos sessenta, praticamente inédita até hoje, usa uma imaginação que nos desvia do previsível, no tocante à linguagem gráfica e artística. Mas se esta é bastante livre e fora de uma disciplina visível, a obra de Ruy Leitão é mais sistemática e ditada pela exigência académica, caldeada pela imaginação crítica, que lhe concede uma inconfundível originalidade. Aluno dileto de Patrick Caulfield, Ruy Leitão, filho de Menez, falecido prematuramente aos 27 anos, demarca-se claramente da perspetiva mais comum da Pop-Art. Há uma preocupação interventiva – em que a crítica surge como denúncia daquilo que na revista “O Tempo e o Modo”, de António Alçada Baptista e João Bénard da Costa, se designou como “desordem estabelecida”. Perante a expressão propositadamente paradoxal identificadora de um regime que não reconhecia as liberdades, haveria que tornar outra desordem manifestação da consciência crítica. Afinal, dir-se-ia ser necessária uma certa “desordem desestabelecida”. É verdade, como afirmou Eduardo Batarda, que as artes plásticas não eram tão diretamente atacadas pela censura como o pensamento e a escrita, no entanto havia que fazer a denúncia crítica de um tempo dominado por uma certa claustrofobia. E os artistas portugueses que saem e vão até Inglaterra reagem relativamente a uma certa situação anacrónica que se vive em Portugal. E é esse encontro que nos revela nesta Exposição artistas ingleses como: Bernard Cohen, Tom Philips, Jeremy Moon e Allen Jones. Dos portugueses, temos, além de Teresa Magalhães e Ruy Leitão, Eduardo Batarda, Menez, Nikias Skapinakis, Sérgio Pombo, Fátima Vaz (surpreendente revelação…), João Cutileiro e José de Guimarães.

 

O CASO DE CLARA MENÉRES
Mas permitam o destaque especial para Clara Menéres (1943-2018), há pouco falecida, quando a exposição já estava aberta. A sua obra “Jaz Morto e Arrefece o Menino de Sua Mãe”, uma escultura em gesso realizada em 1973 de um soldado morto, constitui um alerta sobre o tempo de incertezas, de segredo e de censura vivido quando foi realizado. É um ícone que não pode passar despercebido em toda a exposição. Surpreende, é certo. Mas só surpreende, de facto, quem perdeu a memória desses anos e do que eles representaram para a juventude de então. Clara Menéres não tinha 25 anos e a imagem torna-se um verdadeiro manifesto. Se há o livro de Spínola “Portugal e o Futuro” a pedir uma solução política para a guerra, com as consequências conhecidas, esta obra constitui uma marca indiscutível de uma denúncia necessária, inesquecível. Do mesmo modo o “Relicário” iconoclasta serve de símbolo propositadamente chocante sobre a lembrança da existência de censura – numa sociedade vigiada. E a apresentação desta obra, tal como está feita, representa uma inteligente solução para demonstrar que o proibido e a censura constituem sempre riscos em qualquer momento histórico. Dir-se-ia que esta obra nos transporta ao profundo choque causado por Eça de Queiroz com a sua “Relíquia”. A presença de Clara Menéres singulariza-se pela sua originalidade e por um percurso de uma paradoxal coerência – e de uma exigente atitude de denúncia. Como afirmou José Tolentino Mendonça: “A arte escandalosa de Clara Menéres insistia num diálogo em contracorrente com a história, procurando intervir mais sobre o espaço vivo das convicções e dos desejos do que em encontrar para si um lugar entre a monumentária oficial” (…) Diz Adília Lopes: ‘O iconoclasta / reconstrói o ícone’. Acho que exatamente isso que acontece (…) Clara Menéres não era nem um espírito conformista, nem uma personalidade cómoda e isso são coisas que lhe temos de agradecer” (Expresso, 19.5.2018).

 

UM PERCURSO MUITO RICO
Continuando a percorrer a magnífica exposição, encontramos em “caixas negras” estrategicamente colocadas a lembrança dos tempos que passam quando os artistas criam as peças apresentadas: E devemos ainda lembrar outros nomes: António Palolo, John Furnival, Manuel Baptista, Joaquim Bravo, Ana Vieira, Lourdes de Castro, René Bértholo, Ana Hatherly, Hein Semke, Cruz-Filipe, António Sena, Fernando Calhau, Sá Nogueira ou José Rodrigues… A exposição merece uma atenção especial e ficará na memória do público como uma riquíssima reflexão sobre um diálogo cosmopolita que tem Portugal em fundo. Se nos lembramos de Nikias Skapinakis em “Delacroix no 25 de Abril em Atenas” reportamo-nos a uma invocação sentida e inteligente do nosso Maio de 1968 – que foi a “revolução dos cravos” e que iniciou uma nova vaga das democracias. Na Gulbenkian estão duzentas e quinze obras, das quais vinte inéditas. Como Teresa Magalhães afirma, a propósito de uma obra emblemática sobre a viagem num Mini até Torremolinos, aquilo era a realidade. Não foi inventado. É o quotidiano, usado como motivo para combater o tédio. Aquela viagem significou ir para fora, ver outro lado das coisas. Eis a verdadeira metáfora que está subjacente a esta exposição – era preciso ver o outro lado das coisas, era isso que significava superar o que era vulgar, mesmo que, para desconstruir, fosse necessário partir do que os outros faziam… A curadoria de Ana Vasconcelos e Patrícia Rosas é de uma grande competência técnica, artística, e histórica. Pegando num tema que exigia criatividade e imaginação, capacidade de relacionamento e elevado sento crítico – é-nos apresentada uma mostra que nos leva até aos anos sessenta e setenta, numa perspetiva de conjunto, compreendendo a complexidade social e histórica, e lembrando os cinquenta anos do Maio de 1968, para além do lugar comum…    

 

Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXIX - ARTE POP - IV

ARTE POP AMERICANA - II

PRECURSORES NEODADAÍSTAS, BANDA DESENHADA, OLDENBURG

 

 

1. No princípio dos anos 60, Nova Iorque abrigou artistas como Larry Rivers, Jasper Johns e Robert Rauschenberg, tidos como neodadaístas, cujas obras, de tendência dadaísta, estabeleceram a transição entre o abstracionismo e os que viriam a ser os protagonistas da arte pop em plena maturidade, abrindo caminho, por exemplo, a Warhol e Roy Lichtenstein. A incorporação neodadaísta de coisas, objetos e utensílios usuais da vida quotidiana,  como arames, chaves, garfos, jornais, pneus, pás, réguas, contraplacados, fragmentos e pedaços de tela, animais, camisas, tacões de sapatos, bolas de ténis, via intromissão perturbadora do exterior na superfície da realidade pintada, está patente na obra  Flag (Bandeira) (1954/5) e Três Bandeiras (1958), de Johns, pintadas segundo uma antiga técnica de encáustico sobre tela, misturando cera fundida com pigmento puro, e em Monograma (1955/9), de Rauschenberg, em que mistura a pintura a óleo com a colagem e a escultura. Mas há nelas também a apropriação de símbolos e técnicas da cultura publicitária, produzindo arte a partir do consumismo americano, enraizando-se nele, ao invés do intimismo expresso pelo expressionismo abstrato. O gosto por objetos consumíveis levou Rauschenberg a sentir pena de quem pensa que saboneteiras e garrafas de coca-cola são feias, fazendo-as infelizes, ao invés do que ele próprio pensava, dado que estamos rodeadas de tais coisas, todos os dias.

 

2. Foi Rauschenberg o autor de um conjunto de telas pintadas uniformemente de tinta  branca, intituladas Pinturas Brancas, de 1951, de afinidades com a tela suprematista Branco sobre Branco, de Malevitch, tidas como precursoras do Minimalismo. O que  influenciou o seu amigo e compositor John Cage a escrever, em 1952, uma peça famosa, de não-música, 4´ 33´´, uma experiência sonora onde impera o silêncio, com os executantes sentados em silêncio no palco, em que a única “música” audível é proveniente do público ou do exterior. A capa do disco White Album (Album Branco), dos Beatles, de 1968, totalmente branca, com o nome da banda gravado quase invisível, criada por Richard Hamilton, também tem influências de Pinturas Brancas. Refira-se, ainda, Desenho de Kooning Apagado, de Rauschenberg, inspirador de artistas na década de 60, a nível da arte performativa. 

 

3. Roy Lichtenstein, por sua vez, monumentalizou e emancipou a banda desenhada, conferindo aos seus heróis e heroínas a mesma dignidade dos grandes ídolos. Fê-la entrar no domínio da arte, sendo tido como um pai espiritual e precursor para as gerações vindouras, como os criadores de grafitos dos anos oitenta, instruídos na escola dos cartoons. Embora imitasse o estilo gráfico, os balões das tiras da banda desenhada e as suas legendas, também copiava o processo de impressão que as fazia, dado que se a impressão não cobria todo o papel com tinta, imprimindo apenas pontos de cor, por que não com a banda desenhada, ampliando gravuras e vinhetas, dando visibilidade ao complô e trama das imagens? Privilegiando a técnica em relação ao conteúdo, descobriu um estilo próprio, que se universalizou com êxito, em paralelo com os heróis da arte popular que retratava, em histórias aos quadradinhos (ou quadrinhos) indo para além da técnica de impressão conhecida por Ben-Day Dots.    Realiza uma análise linguística desmistificadora das imagens das bandas desenhadas.

 

4. Para o esbatimento das fronteiras entre a arte e o comércio viria a contribuir, de modo engenhoso, Claes Oldenburg, um prestigiado criador de objetos, através de uma imagética díspar e genuína. Recheou a sua Store, um cenário teatral, com produtos comestíveis e vestuário, que eram vendáveis, mas não para comer, usar ou vestir. Eram feitos de arame, gesso, tinta gelatinosa, materiais similares, obras de arte feitas por um autor reconhecido a preços acessíveis. Faz alimentos em pasta colorida. Ou objetos diários e vulgares enormes, desproporcionados, contraditórios, chamativos, irónicos, insólitos, como molas de roupa, colheres de pedreiro, máquinas de escrever, ferros de engomar, telefones, que pela sua dimensão deformada, hiperbólica e monumental se afastam da sua carga emocional. Interruptor Mole (1966), Weathring Steel (1976, Filadelfia) e Spoonbridge and Cherry (1988), Garfo com Bola de Carne e Esparguete, são alguns exemplos (A obra de Joana Vasconcelos, entre nós, na atualidade, faz lembrar Oldenburg, pelo ready-made, o kitsch, a transfiguração e a sua escala entre o absurdo e o monumental/espetacular).
Eis alguns nomes, todos eles desbravadores de novos movimentos artísticos, embora também influenciados por outros que os antecederam.

 

31.10.2017

Joaquim Miguel De Morgado Patrício

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

 

XXVIII - ARTE POP - III
ARTE POP AMERICANA - I
ANDY WARHOL

 

Andy Warhol é o artista pop mais famoso e um dos mais conhecidos artistas do século XX. De mero artista comercial a trabalhar em publicidade, desenhando sapatos e criando montras atraentes para lojas, fez experiências com motivos pop: um desenho do escritor Truman Capote (1954), de James Dean morto (1955), uma garrafa de coca-cola representada graficamente, com um disco do seu logótipo ao lado (1960), o anúncio de um aquecedor de água (1961). 

 

Até que, em 1962, exibiu trinta e duas pinturas suas, Latas de Sopa Campbell`s, retratando cada uma um sabor diferente, que de unidades isoladas se viriam a converter numa peça única, definindo-o como criador e consolidando a arte pop como um movimento afeto à produção massificada e à cultura do consumo. Ao imitar a publicidade moderna através da sua natureza repetitiva, contesta a norma de que a arte deve ser sempre original, contrariando as tradições do mercado da arte, que atribui maior valor ao que é raro e único. Há, aqui, uma influência dadaísta, nomeadamente de Duchamp. Mas apesar da uniformidade das latas e da aparente banalização do motivo repetido, está a mão do autor, um indivíduo ou pessoa singular que executa o trabalho, a recordar os nomes anónimos que produzem as latas de sopa.

 

Reproduzindo gostos e hábitos alimentares da sociedade americana em que viveu, via repetição da imagem de produtos presentes na despensa de uma família da classe média, incluindo reproduções tridimensionais de embalagens de detergente Brillo, foi com o mesmo olhar que olhou para personagens famosas consumidas através do cinema, da televisão e da imprensa como mercadorias ou produtos comestíveis.

 

A sua obra Twenty Marylin (Vinte Marylin) e o seu Díptico de Marylin, de 1962, cujo tema é um dos símbolos universalmente mais conhecidos do século XX (pelo que desempenhou no ecrã e suas aventuras sentimentais), oferecem-nos várias Marylin Monroe alinhadas como as latas de sopa Campbell, equivalendo-se as suas imagens, dado que as imagens de revistas e os produtos enlatados são consumidos do mesmo modo.

 

A queda obsessiva de Warhol para repetir imagens, permitiu-lhe descobrir a serigrafia como o meio de expressão ideal, permitindo-lhe reproduzir fotografias sobre um suporte de seda e alterar-lhes a cor, abdicando da intervenção manual direta na pintura, que substituiu por uma técnica de impressão sobre tela (silkscreen), corroborando o caráter anónimo, artificial e industrial da execução.  Foi quem afirmou que gostaria de ser máquina e que todos teríamos direito a quinze minutos de fama. Retratos de pessoas famosas, celebridades e vedetas testemunham o seu fascínio pelo mundo da ribalta, pelo glamour mundano e suas estrelas.

 

Veja-se o poder icónico do retrato, em grande plano, da obra Judy Garland (1979), da Coleção Berardo, uma serigrafia e acrílico sobre tela, com um expressivo uso da cor, sobressaindo e sublinhando os lábios.

 

E o seu conjunto de fotografias de personalidades mundanas, políticas e outras, tão diversas como as de Liz Taylor, Liza Minelli, Jacqueline Onassis, Kissenger, João Paulo II, Dalí, Tenessee Williams, Truman, Bianca Jagger e Diana Vreeland.

 

A exaltação das vedetas, por vezes realçada pela repetição da imagem, como foi (e é) excelente exemplo Marylin Monroe, ou Elvis, na serigrafia sobre tela de Triplo Elvis, de 1962, é caraterística das obras deste período histórico em que as pessoas são vítimas do consumismo e da publicidade.

 

Chegou-se ao extremo de ser irrelevante o conteúdo da obra de arte, dado que o que interessava era ser uma boa compra em termos financeiros, de estatuto e de prestígio social, pois que “comprar um Warhol”, desde que autenticado pelo próprio, era o suficiente, mesmo que não fosse o autor.

 

Porém, o encantamento pela fama tem, em Warhol, nas palavras de Alexandre Melo, na esteira de outros, um contraponto paradoxal e perverso: “Ao submeter imagens famosas aos seus métodos e processos de pintura, mecânicos e impessoais, Warhol acaba por, ao mesmo tempo que as glorifica, as banalizar, ao colocá-las em pé de igualdade com todas as outras imagens que ele trata exatamente da mesma maneira (…) Tornar banal o que era excecional e tornar excecional o que era banal são dois movimentos de um processo de distanciação que define, afinal, o ponto de vista de Andy Warhol sobre a sociedade contemporânea: crítico segundo uns, apologético segundo outros” (Coleção Berardo, arte pop & cª., Sintra Museu de Arte Moderna, abril 2002, p.ª 63). 

 

24.10.2017

Joaquim Miguel De Morgado Patrício

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXVII - ARTE POP - II

ARTE POP BRITÂNICA

 

1. Eduardo Paolozzi nasceu na Escócia, filho de emigrantes italianos. Viveu num ambiente familiar e social centrado e em redor da paixão de fazer coisas, dar um jeito aqui, acolá e ali, herdado do pai, a arrumação e a limpeza, ao jeito da mãe, entre uma geladaria e confeitaria dos pais. A combinação entre a publicidade e o design colorido dos produtos à venda, o gosto em colecionar cromos, recortes de revistas de banda desenhada e anúncios de jornais, papéis de rebuçados e de chocolates, emblemas, entre outros papéis, desenhos e imagens que colava aparentemente ao acaso, na intimidade do seu quarto, conduziram-no a querer ser artista.

Para concretizar o seu sonho foi para Paris, em 1947, onde foi influenciado pelo dadaísmo e surrealismo, colagens de Max Ernst e uma mostra numa sala repleta de capas de revistas de Marcel Duchamp.

Nesse mesmo ano produziu I was a Rich Man's Plaything (Eu Era um Brinquedo de um Homem Rico), uma colagem com imagens recortadas de revistas americanas, entre as quais a capa da revista Intimate Confessions retratando uma chamativa e sensual pin-up, estilizada e maquilhada. Que tem uma pistola apontada para o rosto, disparando uma nuvem de fumo, de insinuações fálicas, de um recorte de outra revista. Dentro da borbulha de fumo branco está escrito, em letra e vermelho vivo típico da banda desenhada, a palavra “POP!”. A que se segue uma fatia de tarte de cereja, o cartaz de um aeroplano e o fascínio pela cultura americana, via colagem de uma garrafa de coca-cola. Para além da típica referência ao mercado de massas e do consumo, perpassa pela colagem de Paolozzi o espírito fundacional e mentor da arte pop: deixar de ter o indivíduo como um produto psíquico de opções autónomas, interiores e livres, transitando da interioridade do artista para a reprodução da vida diária. Equipara-se a cultura popular à erudita, diluindo-se as fronteiras. As imagens das garrafas, das revistas, dos jornais são tidas como formas de arte tão válidas como as telas a óleo e as esculturas exibidas em museus, galerias ou espaços públicos.

 

2. Outros artistas britânicos se seguiram, integrando o Independent Group sedeado em Londres. Onde figurava, entre outros, Richard Hamilton, um nome cimeiro para a evolução da arte pop no Reino Unido.
A sua colagem Just what is it that makes today`s homes so diferente, so appealing? (Afinal, o que Torna as Casas de Hoje tão Diferentes, tão Atraentes?), de 1956,  questiona a singularidade das casas modernas, atulhadas de produtos de consumo: o aspirador, a televisão, o gravador, sofás, fiambre enlatado, um grande chupa-chupa com a palavra “POP”, onde o casal, rodeado de comodidades e facilidades (qual Jardim do Éden), se exibe: ele, como um culturista musculado e tonificado; ela, numa pose elegante e ousada, lembrando uma pretendente a estrela de cinema. Há a obrigação de ceder à tentação do consumo, é a mensagem.
Allen Jones, em Hatstand, Table, Chair (1969), faz referências irónicas, sarcásticas e subtis ao erotismo e ao sexo, usando manequins femininos em poses diferentes, em que mulheres seminuas denunciam e retratam a mulher-objeto, em poses insinuantes e, ao mesmo tempo, o mobiliário de uma sala, lembrando um bengaleiro, uma mesa e uma cadeira.  

 

3. Os artistas pop olhavam em volta e documentavam o que viam, explorando o otimismo da sociedade e a esperança num futuro de novas tecnologias, mais tempo de lazer, de automóveis velocistas, moral livre e sexo casual, filmes e música pop.
É do conhecimento comum que a música pop e os seus ídolos são mais populares que a arte pop e seus criadores, o que não impediu interpenetrações entre músicos e cantores pop e artistas ou obras de arte pop.
Recordemos a capa, criada por Peter Brown, para o álbum Sgt. Pepper`s Lonely Hearts Clube Band (1967), recentemente reeditado, dos Beatles, em que estes surgem à frente de uma galeria de personagens célebres: Bob Dylan, Oscar Wilde, Marlon Brando, Edgar Allan Poe, Lewis Carrol, Marylin Monroe, entre outros gurus. A pintura Beach Boys (1964), também de Peter Blake. A capa de Richard Hamilton para o Álbum Branco (1968), dos Beatles. Ou a série Swingeing London (1967), do mesmo Hamilton, baseada na fotografia da detenção, por droga, do seu galerista e de Mick Jagger.

 

4. Nomes como Paolozzi e Hamilton foram fundadores, numa primeira fase, da arte pop britânica, com uma evocação permanente do quotidiano e seu lado mais tecnológico. Numa segunda fase, sobressai Peter Blake, impondo-se analogias aos símbolos de uma sociedade massificada. Numa terceira fase, artistas como Allen Jones, David Hockney e Patrick Caulfield, retomam uma figuração mais notória.
Apesar da sua aceitação e representação do quotidiano, a arte pop questionou e subverteu as hierarquias culturais até aí dominantes, com manifestações heterogéneas, em que a arte pop britânica, mais erudita e intelectual, antecedeu a americana, mais popular e consagrada.

 

17.10.2017
Joaquim Miguel De Morgado Patrício

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

 

XXVI - ARTE POP - I

MASSIFICAÇÃO, CONSUMISMO E POP ART

 

O progresso e a prosperidade do pós-guerra trouxeram consigo a massificação. A produção em larga escala, o modelo estandardizado e o facilitismo de acesso ao crédito estimularam e universalizaram o consumismo. Nascia o consumo de massas e a sociedade de consumo. Todo o desejo parecia alcançável. Imprensa, rádio, cinema, televisão e publicidade encarregavam-se de nutrir esses anseios e ilusões.

 

Tudo tende a reduzir-se a um modelo uniforme: pessoas e comportamentos pareciam igualar-se gradualmente, o mesmo sucedendo com comportamentos estandardizados na moda, em especial na feminina, e nas cidades, assemelhando-se umas às outras, em construção, urbanização e população.

 

A emancipação da mulher, as alterações da estrutura familiar e a queda de influência da igreja fizeram evoluir os costumes, gerando novos comportamentos demográficos e sexuais, havendo uma aceleração da mobilidade espacial e do ritmo de vida.

 

A generalização e universalização do ensino foi um meio excelente para a disseminação de ideias e valores vigentes, em que os media vão ter uma importância decisiva, tornando-se acessíveis ao grande público, em concordância com ele.

 

Como fuga às dificuldades e problemas quotidianos, as pessoas procuram todos os  meios de evasão possíveis, desde a leitura de romances cor-de-rosa, folhetins, obras mais leves, banda desenhada, revistas, jornais sensacionalistas, anúncios publicitários. A que acresce o cinema, com o culto de novos desejos e das estrelas cinematográficas, sem esquecer as radiofónicas e televisas, tentando nivelar, pelo menos em sonhos, todos os espetadores. Além de grandes entretenimentos coletivos, assentes na popularidade da música ligeira e no desporto. Que coexistem com outros consumíveis duma sociedade de consumo: automóveis, estradas, postos de combustível, alimentos enlatados, aspiradores, frigoríficos, etc. Todos exemplos de manifestações da cultura de massas.

 

Embora mais nos Estados Unidos da América do que na Europa, foi neste contexto que surgiu a arte pop, uma abreviação do termo inglês que designa arte popular. Foi o crítico de arte inglês L. Alloway o primeiro a utilizá-lo. 

 

Trata-se de um movimento caraterizado por um estilo indissociavelmente associado aos ritmos e modos de vida das urbes modernas, inspirando-se nas imagens de marca caraterísticas das sociedades de massas, na sua linguagem comercial e pressão que exercem sobre os seus destinatários e consumidores.

 

Os artistas pop aceitam o real, realçando-o. O processo através do qual transferem os objetos da vida real para o campo artístico, não se funda numa tomada de posição contestatária ou crítica, mas sim de aceitação, de confirmação, de reconhecimento. Afasta-se a exposição da complexidade interior do artista em benefício da representação e reprodução do quotidiano tido como notório e real, apenas confirmado e interpretado numa repetição mais ou menos verídica.   

 

Expressões como vida urbana, consumo de massas, publicidade, império das imagens, culto do visual, lucro, sucesso e star-system, são emblemáticas e de grande importância na arte pop.

 

Conscientes de que imagens estereotipadas de sonho do bem-estar geram habituação, tornando os próprios indivíduos vítimas de objetos de consumo, com progressiva incapacidade de discernimento, os artistas pop foram tidos, para muitos, como cúmplices, ao conformarem-se de um modo acrítico e impessoal. Quer através de banda desenhada, desenho comercial, anúncios e cartazes publicitários, capas de discos, fotografia, néons, serigrafia, spray.

 

Ainda que a palavra “pop” abranja um amplo leque de significados, é duvidoso que seja a de uso mais popular na linguagem comum, entre os termos usados para designar os movimentos artísticos do século XX. Foi-o, nomeadamente, pela música pop (e suas vedetas), mais conhecida que a arte pop e seus criadores. Hoje, em minha opinião, é o termo “surreal”, cada vez mais adequado e presente na gíria de todos os grupos, com realce nas gerações jovens. 

10.10.2017

Joaquim Miguel De Morgado Patrício