Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Helena Vaz da Silva terá sido porventura quem melhor entendeu a força e a diversidade do mundo de Júlio Pomar, num magistral diálogo que com ele teve. Pomar nasceu em 1926 em Lisboa. Frequentou a Escola de Artes Decorativas António Arroio e as Escolas de Belas-Artes de Lisboa e Porto. Em 1942 participou numa primeira mostra de grupo, em Lisboa. Realizou a primeira exposição individual em 1947, no Porto. Em virtude de atividades oposicionistas é preso durante quatro meses, com apreensão de um dos seus quadros pela polícia política (“Resistência”) e ocultação dos frescos realizados para o Cinema Batalha no Porto. É autor do célebre retrato de Norton de Matos, candidato oposicionista. Afirma a independência da criação artística, mas associa o trabalho de pintor ao combate político, dando prioridade à defesa da responsabilidade social na criação de uma arte acessível e interveniente. Em 1963 instala-se em Paris. Na expressão de José-Augusto França, Pomar pertence à terceira geração modernista com uma obra multifacetada que se prolonga por sete décadas, destacando-se depois de um período inicial, dito neo-realista (“O Almoço do Trolha” ou “O Gadanheiro”), e de uma transição marcada por “Maria da Fonte” (1957), as exposições «Tauromachies» e «Les Courses» (Galerie Lacloche, Paris, 1964 e 1965); a participação numa mostra dedicada ao quadro de Ingres “Le Bain Turc” no Louvre (1971); as séries de pinturas “Mai 68” e “Le Bain Turc” (Galeria 111); as exposições «L’Espace d’Eros» (La Différence, 1978); «Théâtre du Corps» (Galerie de Bellechasse, 1979) e «Tigres» (Galerie de Bellechasse e Galeria 111, 1981 e 1982). Refira-se ainda «Um ano de desenho – quatro poetas no Metropolitano de Lisboa» - Camões, Bocage, Pessoa e Almada (Estação Alto dos Moinhos) em 1984 no CAM - Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian - que já em 1978 promovera a sua primeira exposição retrospetiva; além de «Ellipses» (Galerie de Bellechasse, Paris, 1984) e «Mascarados de Pirenópolis» (Galeria 111, ARCO, Madrid, 1988).
No começo da década de noventa, na sequência de uma estada no Alto Xingú, na Amazónia, realiza em 1990 as exposições «Los Indios» (Galeria 111, ARCO, Madrid) e «Les Indiens» (Galerie Georges Lavrov, Paris), a que se sucede «Pomar/Brasil», antologia organizada também pelo CAM da Gulbenkian e apresentada em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Lisboa. O Ministério da Cultura francês convida Júlio Pomar a realizar um retrato de Claude Lévi-Strauss, que precede o do presidente Mário Soares para a galeria oficial do Palácio de Belém (1991). Seguem-se as exposições «Pomar et la Littérature» (Charleroi, 1991), «Fables et Portraits» (Galerie Piltzer, Paris, 1994). A temática ficcional é retomada em «O Paraíso e Outras Histórias» (Culturgest, 1994) e «L’Année du cochon ou les méfaits du tabac» (Galerie Piltzer, 1996). A presença da Amazónia reaparece em «Les Joies de Vivre» (Galerie Piltzer, 1997) e «Les Indiens – Xingú 1988-1997» (Festival de Biarritz), enquanto a série “La Chasse au Snark” é mostrada em Paris (Galerie Piltzer, 1999) e em Nova Iorque (Salander-O’Reilly Gallery, 2000).
Trata-se de uma atividade intensa e de um permanente desejo de diversificação temática, que encontramos na repetição exaustiva, exigente e transformadora. Pomar recusou sempre a facilidade da expressão plástica. Nas suas múltiplas obras encontramos tigres, chapéus de chuva, macacos, retratos, mais ou menos explícitos; sendo clara a vontade de buscar as raízes culturais como em “Lusitânia no Bairro Latino – retratos de Mário de Sá Carneiro, Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza-Cardoso” de 1985, do mesmo modo que procura temas em fontes literárias e em matéria mitológica.
Apresenta «Pinturas Recentes», inéditas em Portugal, no Centro de Congressos de Aveiro em 2000. Regressa à Galeria 111 com a exposição «Os Três Efes – Fábulas, Farsas e Fintas» (2002), a que se sucedem «Trois travaux d’Hercule et quelques chansons réalistes» e «Méridiennes –Mères Indiennes» (Galerie Patrice Trigano, Paris, 2002 e 2004); «Fables et Fictions», esculturas e suas fotografias por Gérard Castello-Lopes (Galerie Le Violon Bleu, Sidi Bou-Said, Tunísia, 2004), que se prolonga em «A Razão das Coisas», assemblages e bronzes, fotografados por José M. Rodrigues, Serralves, Porto (2009). Marcelin Pleynet comissaria a exposição antológica no Sintra Museu de Arte Moderna – Coleção Berardo, designada «Autobiografia» (2004). As décadas recentes da obra de Júlio Pomar foram antologiadas por Hellmut Wohl no Centro Cultural de Belém em «A Comédia Humana». O Museu de Serralves, no Porto, incluiu numerosas assemblages inéditas na mostra «Cadeia da Relação», comissariada por João Fernandes (2008). Em 2009 expôs «Nouvelles aventures de Don Quixote et Trois (4) Tristes Tigres» (Galerie Patrice Trigano), e em 2012-13 apresenta «Atirar a albarda ao ar» na Cooperativa Árvore e na Galeria 111, Lisboa. Júlio Pomar é autor de “Catch: thèmes et variations”; “Discours sur la cécité du peintre”; “Et la peinture?” (Éditions de la Différence), tendo os dois últimos sido traduzidos por Pedro Tamen com os títulos “Da Cegueira dos Pintores” (IN) e “Então e a Pintura?” (Dom Quixote); com duas coletâneas de poesias “Alguns Eventos” e “TRATAdo DITO e FEITO” (Dom Quixote). Júlio Pomar criou em 2004 a Fundação com o seu nome, tendo sido inaugurado o Atelier-Museu Júlio Pomar, criado pela Câmara Municipal de Lisboa, no edifício na Rua do Vale n.º 7, Mercês, com o projeto arquitetónico de reabilitação da autoria de Álvaro Siza. (Texto baseado na biografia do Atelier-Museu Júlio Pomar).
Pode dizer-se que Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992) é no conjunto multissecular da cultura portuguesa uma referência fundamenal e indiscutível. E tornou-se um autêntico símbolo artístico da contemporaneidade universalista. Falamos de uma artista plástica que se afirmou através de uma personalidade multifacetada, que soube interpretar os tempos difíceis e sombrios em que viveu, dando-lhes força positiva. E assim concedeu uma dimensão de eternidade a um período de violência e irracionalidade, que Maria Helena e seu marido Arpad Szenes souberam transformar em referências de humanidade e criatividade. Nascida em 13 de junho de 1908, filha do Embaixador Marcos Vieira da Silva e de Maria da Graça Silva Graça, ficou orfã de pai com apenas três anos, sendo educada pela mãe, membro de uma família influente de Lisboa, filha do proprietário do jornal “O Século”. Estudou pintura em Portugal e foi para Paris, onde frequentou Belas-Artes depois de 1928. Em 1930 casou com o pintor húngaro Arpad Szenes (1897-1985), formando um casal marcante para as gerações artísticas do seu tempo. Maria Helena expõe no Salon de Paris em 1933 e, pela primeira vez, em Portugal dois anos depois.
A origem judaica de Arpad tornou-o alvo da perseguição do regime nazi, sendo obrigado a vir para Portugal e daqui a partir para o Brasil, por ambos serem apátridas, onde viveu até 1947, mantendo uma relação esteita e intensa com a intelectualidade do momento: Murillo Mendes, Saudade Cortesão, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Jaime Cortesão, Agostinho da Silva. A presença no Brasil teve a maior importância pelo contacto com o modernismo e pela compreensão do significado do diálogo entre as artes e a literatura. Regressada a França, ainda na condição de apátrida, naturaliza-se francesa, com seu marido, sendo reconhecida pelos meios artísticos como uma das maiores pintoras europeias da sua geração. Tem uma atividade criativa extremamente fecunda na pintura, nas tapeçarias, nos vitrais para Reims, nas gravuras, ilustrações de livros infantis e cenários para o teatro. Além da atenção dos melhores críticos europeus e da admiração e amizade de André Malraux, a pintora merece a atenção da moderna investigação da História da Arte em Portugal, sob a coordenação de José-Augusto França. Em 1960 recebeu o grau de cavaleira da Ordem das Artes e Letras e em 1961 recebeu o grande prémio da Bienal de São Paulo (Brasil). Em 25 de abril de 1974 é de sua autoria, em ligação com Sophia de Mello Breyner, o cartaz “A Poesia está na Rua”. Em 1977 recebe a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada.
“Ma Femme Chamada Bicho” de José Álvaro Morais (1978) é uma longa-metragem portuguesa, rodada em 1976, falada em francês e português, com a produção do Centro Português de Cinema para o Museu da Imagem e do Som, retrata a relação terna e fecunda entre Maria Helena e Arpad, enquanto dois grandes artistas, tendo o documentário o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. Criada em sua honra, a Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva tem sede em Lisboa no Jardim das Amoreiras. A estação do Metropolitano de Lisboa da Cidade Universitária tem azulejos de sua autoria, o mesmo acontecendo com a estação do Rato, na proximade da Fundação que tem seu nome, onde a memória de Vieira e Arpad está eternizada. Em 2019, o nome de Vieira da Silva foi atribuído a uma rua de Paris, situada no 14.º bairro, onde habitou e trabalhou durante vários anos. Na mesma altura, foram colocados na entrada de honra do Palácio do Eliseu, na qual o Presidente francês acolhe todos os Chefes de Estado e convidados de honra que o visitam, as pinturas “Jardins suspendus” (1955) e “Stèle” (1964), pertencentes ao espólio artístico e cultural do Governo Francês.
Teresa Magalhães e a pintura dos fragmentos enérgicos.
'Criam-se dois universos distintos cujas vidas próprias se interligam e completam.', Teresa Magalhães In Catálogo da Exposição 'Mote e Transfigurações', SNBA, 2001
A propósito das pinturas de Teresa Magalhães (1944), Saramago dizia que as suas cores não têm nome, sente-se sim uma instabilidade contínua do sentido. A instabilidade, talvez venha da energia inesgotável do desconhecido.
Desde os anos 80, que as pinturas de Teresa Magalhães parecem ser acções imobilizadas, de repente travadas num instante preciso, fruto de um processo que não pára nunca e que tudo transforma constantemente. É uma ordem activa sempre ameaçada pela instabilidade, pelo incerto e pelo oscilante vital.
'A arte é uma forma de beleza no seu sentido mais dinâmico e abrangente.', Teresa Magalhães
A descoberta e a novidade fazem sempre parte. Às vezes contam-se histórias - histórias abertas e sem título. E a pintura constrói-se nessa incerteza e é resultado de muitos gestos, muitas intenções, vivências e interpretações. Existe, por isso, uma grande liberdade de leitura, na pintura de Teresa Magalhães, porque cada ser humano transporta uma vida única.
Teresa Magalhães confessa que fazer uma pintura é uma constante conversa. É uma questão mental - é um jogo entre a mente do artista e a tela. A pintura tem uma vivência própria, transporta memórias e é sobretudo aberta à reflexão e ao sonho. A própria pintura ao ser feita provoca e obriga a uma reforçada atenção e a uma espera por vezes bastante longa. Sem esse jogo mental não existem histórias para contar, é a ausência total de intenção e sentido. A pintura está na cabeça do pintor, mas constrói-se e transforma-se num real concreto e daí o interesse e o desafio que coloca. É feita a duas velocidades de resposta - rápida e lenta (nem sempre o pintor está preparado para agir e tem de esperar). À partida, no fundo está-se perante um trabalho inexistente, não há nada em vista e há uma proposta em fazer aquilo que nunca foi feito. E por isso é que é tão difícil e incerto o trabalho do pintor, porque também passa por aceitar o que nunca antes foi visto ou feito.
As pinturas de Teresa Magalhães são fragmentos, são parcelas. Dividem-se e encaixam-se tal como num puzzle. Propõem-se diálogos novos, complexos e inesperados. Os diversos painéis permitem a grande dimensão, a envolvência e o romper de fronteiras do espaço. E a pintura de Teresa Magalhães vai para além da superfície da tela, cria continuações constantes, propõe formas que se complementam, que dialogam forçosamente umas com as outras e que só fazem sentido quando juntas. A fronteira existe sim mas é sinal de um entendimento puro, de convivência e de aceitação mútua. Não há metades, não há simetrias, os tamanhos são diferentes. São fragmentos de memórias, compostas por partes e revelam-se sempre através de cores intensas, vibrantes e enérgicas. E esta é a luta da pintura, entre o todo e a parte porque a pintura apesar de autónoma deve estabelecer sempre um diálogo, uma conversa infinita - com o pintor, com as outras pinturas que vão surgindo em sequência e o com o espectador.
'Pintura é uma imagem.
Pintura é um conceito, um raciocínio, uma ideia. Pintura é uma linguagem. Pintura é um sentimento, um desejo. Pintura é um indivíduo. Pintura é um país, uma época, um universo. Pintura é uma aposta.' - Teresa Magalhães, 1982
'I don't trust in abstraction alone, and it is also a way to bring an abstraction to my experience, because I can trust my experience of the moment.', Jessica Stockholder
Para a escultora americana Jessica Stockholder (1959), o processo criativo, inicia-se com uma experiência física, relacionada com um determinado objeto, lugar, cor ou dimensão. O processo é muito subjetivo e toma forma a partir de um conhecimento/manipulação de materiais e objetos que estão à mão.
Para Stockholder a criação de formas progride e cresce a partir de coisas que já existem. As ideias e o sentido, que lhe é próprio, fixa-se ao longo de um caminho. É o sentido que se dá, que permite ir de uma forma para outra.
A forma transporta assim, um significado, durante todo o processo, mesmo que o sujeito não esteja concentrado nisso. Stockholder não questiona e não pensa constantemente no sentido que o seu trabalho tem - a maior parte das vezes o objeto olhado é transformado pela experiência. O começo é sem a palavra mas o trabalho de Jessica Stockholder não existe para além da palavra. Ideias, pensamentos e palavras são abstratas - não dizem respeito a um tempo. A experiência que se tem de um objeto e as formas inventadas e feitas são concretas, existem num agora - dizem respeito a um tempo.
A estrutura pictórica que um sujeito cria é sempre coerente. Aquilo que o sujeito transporta nele mesmo (pensamentos, vazios, desejos, angústias, alegrias, gostos, conhecimento) ao ser exteriorizado transforma-se em linguagem (que por definição é abstrata, não é um fenómeno físico). Para Stockholder a linguagem e a abstração têm de se prender a algo mais concreto e físico para se tornarem mais subtis. Por isso, Stockholder deseja trazer a abstração através da matéria e do momento específico. É uma subjetividade concretizada, sabe-se que está lá, que existe e que se realiza neste momento físico (formas criadas).
'My work is about transporting the object somewhere but bringing back at the same time. I am more interested in knowing where my subjectivity meets contexts and matter.', Jessica Stockholder