Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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ATORES, ENCENADORES (XV) O ATOR TASSO – O TEATRO TASSO E A ATIVIDADE TEATRAL DESCENTRALIZADA por Duarte Ivo Cruz
Faça-se aqui uma evocação do ator Tasso e do Teatro Tasso da Sertã, no centenário da inauguração da sala (1915) que hoje, reformada e adaptada a cine-teatro em 1953, e que se mantém em atividade, designadamente dando abrigo a grupos de amadores locais desde 1955: e esses exatos 60 anos decorridos justificam também, ou ainda mais, esta evocação.
Com mais um aspeto que deve ser lembrado: a inauguração do Teatro Tasso fez-se com a peça “O Deputado Independente” de Chagas Roquete e Álvaro Gil, autores relevantes na época, sobretudo o primeiro. E o primeiro espetáculo teatral do renovado e já então denominado Cine Teatro Tasso fez-se com “A Bisbilhoteira” de Eduardo Schwalbach autor também de grande projeção no seu tempo – e de certo modo ainda hoje.
Pedro Marçal Pereira recorda que «as primeiras representações (teatrais) decorreram na Sertã em dezembro de 1865, onde uma pequena companhia espanhola levava à cena “dramas e jocosas farsas” no celeiro da casa dos Mascarenhas. Já neste ano as récitas eram acompanhadas pela “philarmónica”» (in “O Teatro Numa Aldeia da Beira – Cernache do Bomjardim” 2015 pag.315) E a atividade teatral mantém-se com o apoio da Câmara (cfr. Rui Pedro Lopes “História da Sertã” ed. Câmara Municipal da Sertã – Prefácio de José Pedro Nunes, Presidente da CMS - 2014).
Temos pois na Sertã, curiosamente, neste ano de 2015, três comemorações assinaláveis no ponto de vista teatral – 1865, 1915, 1955.
Ora vale então a pena recordar a importância que, na época, teve o ator Joaquim José Tasso, designadamente na afirmação da obra de Garrett, na revelação da dramaturgia garretteana, mas também no impulso que o escritor daria à atividade e à renovação do espetáculo teatral.
E precisamente, encontramos o jovem Tasso, em 1838, com 18 anos, no então semi-arruinado Teatro da Rua dos Condes, que já aqui evocamos, a integrar o elenco da Companhia de Teatro Nacional e Normal dirigida por Emile Doux, onde estreou “Um Auto de Gil Vicente” de Garrett: o escritor esteve ligado a esta iniciativa, que se revelaria primordial na renovação do teatro-espetáculo português.
E em 1841, Tasso desempenhou ao papel de D. Nuno Álvares Pereira mo “Alfageme de Santarém” de Garrett.
Tasso passaria para o elenco de Teatro D. Maria II e inauguraria em 1967 o Teatro da Trindade. E manteve-se nessa empresa até à sua morte em 1870. Fez assim parte de uma geração muito marcante do teatro português, que reuniu nomes desde João Anastácio Rosa a Emilia das Neves, Carlota Talassi, Epifânio Gonçalves, Teodorico Cruz…
Estes nomes foram extremamente marcantes na época mas hoje já não nos dizem quase nada: é a consequência do carater efémero do espetáculo teatral. Mérito pois da evocação de atores em salas de espetáculo, como é o caso deste Teatro Tasso da Sertã. Iremos vendo mais alguns.
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 18.03.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (XIV) MARIA VITÓRIA, NOME DE TEATRO por Duarte Ivo Cruz
No texto que dedicamos aos teatros do Parque Mayer referimos como sala “inaugural” desta concentração urbana de edifícios e atividades de cultura e lazer, o Teatro Maria Vitória. Foi efetivamente o primeiro a ser construído, na fase inicial de urbanização do recinto, datada, no que respeita ao teatro, de 1922. Mas ressalte-se agora que esse primeiro Maria Vitória era pouco mais do que um recinto provisório.
Diz-nos Jorge Trigo e Luciano Reis que «este Teatro tem o nome da grande fadista e atriz Maria Vitória, morta aos 24 anos» em 1915. E acrescentam os dois autores que “o teatro era no seu início uma simples construção de madeira e sarapilheira quando abriu as suas portas ao publico a 1 de julho de 1922 (…) O seu primeiro espetáculo foi a revista “Lua Nova”, em dois atos e onze quadros, da autoria de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes, João Bastos e Henrique Roldão, os três primeiros formando a chamada Parceria, com música de Alves Coelho” (in “Parque Mayer” vol. 1- 2004 pag.37).
O Teatro Maria Vitória beneficiou de obras e deixou a curto prazo de ser o barracão inicial. Mas em 10 de maio de 1986 foi semi-destruído por um incêndio – e pode recordar-se que dois anos antes o Teatro Nacional de Dona Maria II sofreu o mesmo desastre… O teatro foi entretanto recuperado e reconstruído, tendo reaberto em 1 de março de 1990 com a revista intitulada “Vitória! Vitória!”, texto de Henrique Santana, Francisco Nicholson, Augusto Fraga e Nuno Nazareth Fernandes, música de João Vasconcelos, Fernando Correia Martins, Nuno Nazareth Fernandes e Fernando Ribeiro, encenação de Henrique Santana. Eram na altura empresários do teatro Helder Freire Costa e Vasco Morgado Junior.
O projeto de recuperação é da autoria do arquiteto Barros Gomes. E o teatro reflete, desde logo ao nível da fachada, com elementos arquitetónicos claramente diferenciadores. Um acréscimo discutível, dessa ou de outra época de reconstrução, prejudicou a fachada original.
Conservaram-se no interior algumas fotografias e placas evocativas, com destaque para Giuseppe Bastos e para o próprio Henrique Santana. Mas o teatro manteve, em boa hora, o nome o nome e a estrutura original da sala, em muito boas condições de restauro e funcionamento.
Vale a pena agora recordar quem foi Maria Vitória, inclusive pela insólita carreira que, em pouco anos, desenvolveu.
Desde logo, trata-se de uma fadista nascida em Espanha (1888) filha de pais espanhóis. Vem para Portugal quase recém-nascida. Surgirá integrada num dos elencos que, durante 10 anos, o que é extraordinário, manteve em cena a revista “O 31”, de Luis Galhardo, Pereira Coelho e Alberto Barbosa, com música de Tomás Del Negro e Alves Coelho, estreada em 1917. Luis Francisco Rebello cita críticas da época, que referem «a voz cavada e triste de Maria Vitória, ao entoar o célebre “Fado do 31 (…): “À porta da Brasileira/ dois bicos encontram dois./Ficam os quatro. E depois/lá começa a chinfrineira”»…
E em 1944, Estêvão Amarante lembrava os tempos «em que a princesa do fado não era a Amália Rodrigues. Era a Maria Vitória»! (cfr. Luis Francisco Rebello “História do Teatro de Revista em Portugal” - 1985)
Maria Vitória morre aos 27 anos (1915). Ficou o nome do teatro. E neste momento, é o único que funciona no Parque Mayer.
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 11.03.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (XIII) OS 60 ANOS DO TEATRO DE ARTE DE LISBOA por Duarte Ivo Cruz
O Teatro de Arte de Lisboa (TdAL), foi uma companhia que, em diversas temporadas, com irregularidade desde 1955-56 até ao início dos anos 70, levou ao Teatro da Trindade um repertório inovador e um elenco de primeira qualidade para o nosso meio artístico, sobretudo na época. Mas mais: desenvolveu uma ação coerente e relevante de atualização e reflexão da cultura teatral.
O TdAL foi fundado e dirigido por dois escritores e investigadores, Orlando Vitorino (1922-2003) e Azinhal Abelho (1911-1979), cada um deles com carreiras de investigação e reflexão estética válida e diversificada para lá da atividade teatral. Ambos se integram num movimento que globalmente pode ser identificado num quadro de estudos e criação filosófica de ponderação e análise de raiz portuguesa. Estiveram também ligados à realização cinematográfica. Azinhal além de uma obra poética assinalável, desenvolveu um notável trabalho de pesquisa e recuperação de peças e textos tradicionais nos 6 volumes de “Teatro Popular Português”.
Mas devemos recordar que Orlando Vitorino é autor de ensaios integrados no movimento chamado da filosofia portuguesa que a partir do final dos anos 70 estudou e afirmou um pensamento de raiz nacional, na linha de António Quadros, António Braz Teixeira, Afonso Botelho, Álvaro Ribeiro, José Marinho, e outros mais.
Mas voltemos ao TdAL. É desde logo de realçar a contemporaneidade do repertório, com esporádicas exceções, mas sempre de dramaturgos relevantes.
Vejamos, nesse aspeto alguns espetáculos. Desde logo, o primeiro, “A Casa dos Vivos” de Graham Green: e podemos confirmar que, na época (e de certo modo ainda hoje) o autor é bem pouco conhecido como dramaturgo, e até não só entre nós. O TdAL estreou depois peças de Garcia Lorca (“Yerma”), Kesselring (“Arsénico e Rendas Velhas”), Priestley (“Já Aqui Estive”), Ugo Betti (“Os Fantasmas”), Brien Fiel (“Amantes de Triunfantes”), JacK Richardesosn (“O Carrasco, o Enforcado e a Forca”), Tankred Dorste (“A Curva”), entre outros, incluindo “Quando a Verdade Mente” de Costa Ferreira.
E também as duas peças fulcrais de Orlando Vitorino, “Nem Amantes nem Amigos” (1962) e “Tongatabu” (1965), ambas marcadas pela reflexão filosófica que é comum a toda a sua criação. Na primeira, o personagem-ator Rafael declama passagens da “Alegoria da Caverna”. E na segunda, reforça-se uma perspetiva existencial da vida no confronto e na alternância de aventura e rotina.
Mas importa agora evocar os elencos sucessivos desta companhia: e diga-se desde logo que o conjunto de atores e atrizes constituiu o que de melhor havia nessa altura na cena nacional, ao nível também do Teatro Nacional de D. Maria II. Logo no espetáculo de estreia assim foi: Maria Lalande, Alves da Costa, Josefina Silva, Brunilde Júdice, Samuel Dinis – à época Diretor da Secção de Teatro do Conservatório Nacional – Constança Navarro, Adelina Campos. E ao longo da temporada, vamos encontrando, a partir desde núcleo central, uma multiplicação de elencos adequado á exigência de cada peça. Basta lembrar que o segundo espetáculo, como vimos a “Yerma” de Lorca – o que só por si é uma afirmação de qualidade - exigia em cena algo como 20 personagens: e encontramos então, neste e em espetáculos sucessivos, nomes como Augusto Figueiredo, Maria Lalande, Mariana Vilar, Lígia Teles, Cecília Guimarães e Francis Graça.
Os espetáculos eram dirigidos ou por elementos do elenco ou pelos próprios diretores da companhia, com destaque para Orlando Vitorino.
Na reposição de 1960-61 e nos espetáculos dessa temporada surge no TdAL como que uma renovação também de grande qualidade: alem de muitos dos citados, temos então no Trindade Carlos José Teixeira, Carlos Wallenstein, Fernando Gusmão e o brasileiro Lusi Tito, numa das primeiras “integrações” de elenco que depois seriam habituais. E mais para o final, outra geração: Ivone de Moura, Carlos Duarte e outros.
ATORES, ENCENADORES (XII) DESCENTRALIZAÇÃO TEATRAL - O ÚLTIMO ESPETÁCULO DE AMÉLIA REY COLAÇO por Duarte Ivo Cruz
Há uma certa simbologia, perdoe-se o eventual exagero da expressão, na despedida de cena de Amélia Rey Colaço. Pensemos da sua vasta e exemplar carreira, e particularmente, nas dezenas de anos em que dirigiu a companhia do Teatro Nacional no D. Maria II, no Avenida, e episodicamente noutras salas, além de tournées que incluíram o Brasil. A sua obra e a sua ação em termos de renovação da cena nacional é indiscutível, para lá de oscilações e opiniões, que também não faltaram. E a sua versatilidade como atriz não confirma uma crítica na época habitual – a de que fazia papeis de alta sociedade… lembro ao calhar, para o desmentir, a formidável ama no “Romeu e Julieta” de Shakespeare.
Mas aqui, quero evocar a insólita despedida de cena de Amélia Rey Colaço.
Foi em 1985, tinha 87 anos. E foi num teatro “marginal”, hoje desativado para não dizer desaparecido para a atividade teatral – e aproveitamos também para o evocar – que pela ultima vez Amélia subiu à cena: no Teatro Portalegrense, no papel da Rainha D. Catarina em “El Rei Sebastião” de José Régio.
Este Teatro Portalegrense, projeto do arquiteto José de Sousa Larcher datado de 1856, manteve-se em atividade durante mais de um século, com significativos momentos de expressão literária e artística. Lembre-se que em Portalegre vivia e lecionava José Régio. Lá se estreou em 1935 o “Sonho de uma Véspera de Exame”, de Régio em récita de finalistas do ensino liceal – e um desses alunos era o futuro ator Artur Semedo. E lá voltaria Régio, o Dr. José Maria dos Reis Pereira professor do Liceu de Portalegre, a ser episodicamente representado.
O Portalegrense deixou de funcionar com regularidade como teatro. Mas ficou o edifico, sucessivamente “aproveitado” em atividades insólitas para um teatro do seculo XIX: templo religioso e até ringue de patinagem!
Evoquemos então atores e atrizes nascidos e relacionados em termos pessoais e profissionais com Portalegre.
Sousa Bastos, na sua prosa peculiar, cita em particular Beatriz Rente: “nasceu em Portalegre em 1859 esta rapariga de olhos grandes que todos achavam bonita (…) Aos 15 anos de idade estreou-se no Teatro D. Maria “e depois passou para o Ginásio “fazendo sempre primeiros papéis com bastante agrado”. O pior é que “saindo deste teatro começou a sua decadência no Teatro da Rua dos Condes; apesar do que foi classificada em primeira classe para o teatro de D. Maria até que a morte a roubou em 1906” assim mesmo, numa prosa “teatral” muito típica do “Diccionário do Theatro Português”…
O outro ator de Portalegre, que acima referi, é Artur Semedo (1925-2001). Grande Prémio do Conservatório Nacional e Prémio de Revelação da Crítica, estreou-se no Teatro Ginásio em 1949 num dramalhão de Cristiano Lima, “O Preço da Honestidade”. Estudou em Itália e prosseguiu uma vastíssima carreira no teatro e sobretudo no cinema, como ator e realizador em Portugal, Espanha e Brasil.
Mas tudo isto veio a propósito do último espetáculo de Amélia Rey Colaço, ocorrido como vimos em Portalegre: homenagem ao portalegrense por opção que foi José Régio, mas também homenagem a uma sala oitocentista de teatro que há muito deixou de o ser.
E referência a uma política de património e de descentralização teatral e cultural que é essencial manter e desenvolver.
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 25.02.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (XI) HOMENAGENS A UM GRANDE ATOR E A UMA GRANDE ATRIZ por Duarte Ivo Cruz
Nos anos 60, inauguraram-se em Lisboa dois teatros em homenagem a dois grandes nomes do teatro português. O que está longe de ser inédito, mas merece destaque pela quase simultaneidade mas sobretudo pela referenciação dos artistas homenageados. Referimo-nos ao Teatro Villaret, iniciativa de Raul Solnado, que o fundou em 1964, e ao Teatro Maria Matos, este de 1969, num conjunto que envolve ainda um cinema e um hotel.
Vejamos um e outro caso.
O Teatro Villaret foi inovador pela rentabilização do espaço. Projetado pelo arquiteto Trindade Chagas com decoração de Daciano Costa, é o primeiro teatro de bolso, digamos assim, construído em Portugal: ocupa a cave de um prédio. O próprio Solnado o dirigiu durante alguns anos e desde logo marcou o espetáculo inaugural com uma adaptação modernizante do “Inspetor Geral” de Gogol.
Falaremos de Raul Solnado noutro artigo. Mas esta evocação permite referenciar outras manifestações de espetáculo, no sentido mais abrangente do termo, conduzidas por Solnado no próprio Teatro Villaret. E citamos designadamente a partir de 1969 a realização e transmissão pela RTP do celebérrimo programa ZIP-ZIP e desde logo, na estreia, a entrevista com Almada Negreiros, que constituiu uma verdadeira lição televisiva: inesquecível, na verdade, o dialogo com Almada e a comunicabilidade da entrevista, numa época em que tais tipos de “espetáculo” no mais nobre sentido do termo, não eram comuns na televisão - e sobretudo naquele registo profundo mas extremamente acessível…E também no Teatro Villaret se efetuou, em 1965, a ultima intervenção de Maria Barroso como atriz (“Antígona” de Anouilh).
O Teatro foi depois dirigido por Artur Ramos, por Vasco Morgado e incidentalmente em desdobramento do Teatro Nacional de D. Maria II. De 1965 a 1968 recebeu a Companhia Portuguesa de Comediantes, que encenou peças de Tennessee Williams e outros autores sobretudo norte-americanos, mas também o “António Marinheiro - o Édipo de Alfama” de Bernardo Santareno.
O Teatro Villaret continua, até hoje, em plena atividade, numa linha eclética quase sempre de qualidade.
Ora, nestes termos, nada mais justo do que a homenagem a João Villaret (1913-1961), notável tanto no teatro declamado como na revista e na televisão – aí, mantendo durante longo período um programa de declamação de poetas portugueses contemporâneos.
Fica na história do espetáculo em Portugal o seu talento e sobretudo a adaptabilidade a géneros e estilos diversos. Cita-se particularmente o seu envolvimento nos Comediantes de Lisboa, companhia que, de 1944 a 1950, renovou o repertório e o espetáculo teatral, sob a direção de Francisco Ribeiro: lembra-se, sobretudo o personagem Tatinho do “Baton” de Alfredo Cortez.
Esteve no teatro de revista desde o final dos anos 30 até 1959 e integrou em 1952 o elenco da primeira revista do Teatro Monumental - “Lisboa Nova” de Fernando Santos, Almeida Amaral de Frederico Valério: são espetáculos ainda hoje evocados pela qualidade, e pelo elenco que reunia a jovem Laura Alves, Eugénio Salvador, Aida Batista, Teresa Gomes…
E recorda-se, no cinema, a curiosíssima intervenção de um personagem mudo em “O Pai Tirano” de Lopes Ribeiro ou o D. João III do “Camões” de Leitão de Barros, ou ainda no “Frei Luís de Sousa” e em “O Primo Basílio” de António Lopes Ribeiro, esta em 1959.
Mas vejamos agora o Teatro Maria Matos. Inaugurado em 1969, Teatro Municipal, segundo projeto dos arquitetos Aníbal Barros da Fonseca e Adriano Simões Tiago, integrando um cinema e um hotel, estreou-se com o “Tombo no Inferno” de Aquilino Ribeiro. Viria depois a funcionar, dirigido por Artur Ramos, como uma espécie de desdobramento de companhias ligadas à RTP.
Em 1974, designadamente, encenou-se lá a ultima peça de Bernardo Santareno “Português, Escritor, 45 Anos de Idade”, a que se seguiu uma série de textos dramáticos de autores portugueses, que antes não seria possível encenar: por exemplo “Legenda do Cidadão Miguel Lino” de Miguel Franco, “O Encoberto” de Natália Correia, e adaptações de Eça (“A Relíquia”) ou de Manuel da Fonseca (“Seara de Vento”).
Maria Matos (1890-1952) merece bem a evocação. Foi atriz desde 1907 e a partir de 1913 fundou com o ator Mendonça de Carvalho, seu marido, uma companhia que na época marcou uma renovação de qualidade no teatro português. Foi professora do Conservatório desde 1940, nas cadeiras de Arte de Dizer e de Estética Teatral – e como tal antecessora de Gino Saviotti, o qual, nessa qualidade, foi já aqui foi evocado. Fez cinema, mas sobretudo, repita-se, marcou gerações de artistas e espetadores, ao longo de uma longa e qualificada carreira teatral.
E foi também dramaturga acidental, com três comédias: “Direitos do Coração”, “A Tia Engrácia” 81936) e “Escola de Mulheres” (1937).
Foto do arquivo de Osório Mateus
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 18.02.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (X) EVOCAÇÃO DO CINQUENTENÁRIO DO TEATRO MODERNO DE LISBOA por Duarte Ivo Cruz
O Teatro Moderno de Lisboa representou uma inovação da atividade teatral no ponto de vista simultâneo de repertório, de elenco, mas também de organização dos espetáculos, de espaço e de acesso a um público de certo modo específico e menos habitual na época e na cidade. Tratou-se com efeito de uma experiência de espetáculos em horário menos habitual, para não dizer inovador entre nós, num espaço difícil para a produção teatral – nada menos do que o então Cinema Império - a partir de um repertório algo exigente e difícil – mas sobretudo assente num grupo de atores verdadeiramente excecional da época.
A aventura, por que de uma aventura se tratou, durou ainda assim cerca de cinco anos, de 1960 a 1965: e precisamente, foi em 1965, que a companhia cessou atividades, e com uma estreia essa então muito difícil para a época – “O Render dos Heróis” de José Cardoso Pires.
E bem se entende a dificuldade. Em primeiro lugar, no que se refere ao texto em si mesmo. A peça data de 1960 e constitui, de certo modo com o “Felizmente Há Luar” de Luis de Sttau Monteiro, esta de 1961, como que uma espécie de “introdução” do teatro épico-narrativo de raiz e temática histórica na dramaturgia portuguesa. Com talvez maior “exigência” para a peça de Cardoso Pires, pois representa, ainda hoje, uma difícil conciliação da raiz histórica do temário com uma imensa complexidade e modernidade de espetáculo – e tudo isto numa transposição teatralmente muito feliz.
Espetáculo, sublinhe-se agora, extremamente complexo. Trata-se em primeiro lugar de uma “narrativa dramática em três partes, um epílogo e uma apoteose grotesca” das guerras entre absolutistas e liberais, num envolvimento histórico e político necessariamente muito vasto. E essa complexidade conduz direta e necessariamente a uma abordagem espetacularmente difícil. Basta ter presente que o elenco envolve nada menos do que 27 personagens, para além de figurantes que se possa e queira acrescentar.
Tudo isto numa ação extremamente exigente na perspetiva épico-narrativa: as cenas sucedem-se e alternam num encadeado de conflitos, personagens, situações.
E tudo isto num envolvimento de espetáculo e de interpretação ele próprio, repita-se, também muito exigente, sobretudo a partir da complexidade história e psicológica. Nesse aspeto, a técnica épico-narrativa é extremamente feliz e adequada ao fresco histórico mas também ao envolvimento político, esse então claramente moderno – e como tal, repita-se, muito complexo para a época em que o espetáculo foi encenado…
Ora, é interessante perceber, no contexto do espetáculo, a conciliação do sentido teatral com a técnica do romance, nos textos de ligação, nas falas do narrador e no pormenor e qualidade das notas de cena: uma relação muito feliz entre o teatro e o descritivo de situações, que alternam e constituem um dos grandes fatores essenciais do teatro épico-narrativo.
Passados estes 50 anos, o espetáculo tal como o recordamos, não teria perdido atualidade, por o texto obviamente a não perdeu!
Recorde-se finalmente que a encenação foi de Fernando Gusmão e entre o numeroso elenco destacaram-se Rui de Carvalho, Carmen Dolores, Rui Mendes, Morais e Castro, Fernanda Alves, Fernando Gusmão e tantos mais.
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 11.02.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (IX) EVOCAÇÃO DE GINO SAVIOTTI NOS 70 ANOS DO CÍRCULO DE CULTURA TEATRAL E DO TEATRO ESTÚDIO DO SALITRE por Duarte Ivo Cruz
Fazemos hoje uma evocação de Gino Saviotti e das grandes iniciativas de cultura e de espetáculo teatral com que este italiano, fixado em Lisboa a partir dos anos 40, marcou, e de que maneira, a cultura e a atividade profissional do teatro português. Digo desde já que participei nos cursos livres de Filosofia do Teatro que em 1958 e anos seguintes Saviotti ministrava no então Conservatório Nacional. E quando, anos depois, assumi no Conservatório e depois na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa a cadeira de História da Literatura Dramática e do Espetáculo Teatral, muito recordei e evoquei os ensinamentos de Saviotti…
O Círculo de Cultura Teatral foi criado em 1945, a partir de um grupo notável de escritores e intelectuais portugueses. Os objetivos eram basicamente “desenvolver o gosto pelo teatro como intervenção literária e espetacular, a cultura intelectual, o sentido artístico e as faculdades criadoras pela poesia e o pensamento dramáticos”, segundo o manifesto de criação assinado por individualidades tais como Alves Redol, Arquimedes da Silva Santos, Jorge de Faria ou Vasco Mendonça Alves e Luis Francisco Rebello que aqui citamos.
No mesmo ano, Saviotti publicou um texto programático intitulado “Premissas para a Constituição em Lisboa de um Estúdio Teatral”. E efetivamente, em 1946, arranca no Instituto Italiano de Cultura, onde Saviotti era professor, um chamado 1º Espetáculo de Teatro Essencial que marcaria o início do Teatro Estúdio do Salitre, importante movimento de renovação teatral.
Mas passados menos de 10 anos, encontramos Saviotti a dirigir uma Nova Companhia do Teatro de Sempre-NCTS, que por direito próprio se inscreve num movimento de renovação de repertórios e de espetáculos. Era no Teatro Avenida, e reunia um rupo de então jovens atores, com destaque para Rogério Paulo e Carmen Dolores, designadamente: havemos de falar nas carreiras respetivas.
Mas neste texto, importa sublinhar sobretudo a renovação de repertório que esta NCTS trouxe ao meio teatral à cultura teatral portuguesa. Destaco em particular dois espetáculos.
Desde logo, em 1958, “O Gebo e a Sombra” de Raul Brandão, peça quase desconhecida na época não obstante uma brevíssima produção (apenas quatro espetáculos!) em 1927 e um espetáculo universitário em 1945. Rogério Paulo interpretou e protagonista e encenou em 1961 uma versão no Nederlamd Kamernoteel de Antuérpia.
A encenação de Gino Saviotti no Avenida teve assim foros de revelação. Como o teve também o texto de Brandão, na decadência resignada o pobre Gebo, para quem “a felicidade na vida é não acontecer nada, “pois (ele) não pode se senão isto”. Para proteger o filho assume um roubo que não cometeu. Mas volta da prisão completamente pervertido: e a última fala da peça é sintomaticamente – “tudo foi inútil”.
Ora, tal como escreveu Urbano Tavares Rodrigues, “todas as personagens ou quase todas, através dos 4 atos da peça, se interrogam a si próprias, mas do que se dirigem aos outros” (“Noites de Teatro” II – 1961). E João Pedro de Andrade: “Trata-se de uma tragédia do tempo presente, em que a fatalidade é gerada pelas modernas potências que tomam o lugar dos deuses na tragédia antiga” (in Dicionário do Teatro Português pág.348).
Tudo isto constituiu revelação para o público de 1958. E também teve foros de revelação, na mesma companhia, a estreia, a seguir, de “Seis Personagens à Procura de Autor” de Pirandello, interpretado por Carmen Dolores e encenado por Gino Saviotti.
São espetáculos que, decorrido mais de meio século, não esquecem!
Raul Brandão da autoria de Tagarro
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 04.02.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (VIII) EVOCAÇÕES, DESLOCALIZAÇÕES por Duarte Ivo Cruz
Faz-se hoje referência a dois aspetos distintos de uma política, digamos assim, de descentralização e deslocalização teatral: atores, encenadores, que ou fizeram a carreira fora de Lisboa, ou que foram devidamente homenageados fora de Lisboa. E tenha-se presente que esta circunstância não é despicienda, dada a secular centralidade do teatro-espetáculo em Portugal.
Referimos, nesse aspeto, em primeiro lugar, Rosa Damasceno (1849-1904). E se a cito, é porque, tal como vimos no artigo anterior com o ator e os Teatros Taborda, o prestigio de Rosa Damasceno manteve-se até muito depois da sua morte: e sobretudo, justificou, a partir de 1893, a denominação de Teatro Rosa Damasceno a um velho Teatro de Santarém, erguido em 1894 no local onde existira a Igreja de São Martinho, e onde, desde pelo menos 1810 se produziam espetáculos. E não só: há noticia de uma representação do “Frei Luis de Sousa”, em 1847, no antigo Convento de São Domingos, espetáculo de que Herculano dá notícia.
De qualquer maneira, o que agora interessa é que a carreira de Rosa Damasceno justificou a homenagem.
Esse primeiro Teatro Rosa Damasceno deve-se a um projeto de José Luis Monteiro e dele ficou a memória de uma sala imponente, com 800 lugares entre plateia, 60 camarotes e geral. Seria substituído em 1938, no mesmo local, por um novo Teatro Rosa Damasceno, este da autoria do Arquiteto Amílcar Pinto: “obra prima da arquitetura moderna e da art déco em Portugal” escreveu Jorge Custódio. (in Relatório para a CMS citado em Duarte Ivo Cruz- “Teatros de Portugal” - 2005) E só é de lamentar que tenha sido votado ao abandono durante décadas, não obstante a notável fachada e a qualidade arquitetónica do interior.
A atriz Rosa Damasceno estreou em 1867 no Teatro da Trindade com um dramalhão intitulado “A Mãe dos Pobres” de Ernesto Biester. Casada com o ator Eduardo Brazão, cumpriu uma longa carreira no Teatro D. Maria II e no Teatro D. Amélia, com destaque para o que era, na altura, o teatro romântico e contemporâneo português, em estreias de peças ou de adaptações, desde Garrett a Júlio Dinis, a D. João da Camara e ao então estreante Júlio Dantas: mas também os clássicos portugueses, e ainda Shakespeare, Molière, Tolstoi, e muito repertório romântico e ultrarromântico francês, ou seja, o repertório “moderno” da época.
Avancemos algumas dezenas de anos.
Vamos então encontrar, a partir de 1953, o Teatro Experimental do Porto - TEP, fundado e dirigido, até 1961 por António Pedro (1909-1966). Tal como noutro lado escrevi, a sua marca sente-se “no combate por uma renovação do espetáculo teatral nos Companheiros do Pátio das Comédias ou sobretudo, nos anos 50, no Teatro Experimental do Porto ou e na magnífica reflexão erguida sobre uma notável sabedoria técnica que é o Pequeno Tratado de Encenação”. (in “História do Teatro Português” - 2001).
Deveu-se-lhe sobretudo como encenador uma obra decisiva de renovação da cena portuguesa, escreveu Luis Francisco Rebello (in “100 Anos de Teatro Português – 1880-1980” – 1984). Mas António Pedro é também um dramaturgo de qualidade, sobretudo em linhas de conciliação do sentido técnico-dramático com uma modernização de estilos e técnicas de espetáculo, patentes tanto nas encenações como nas próprias peças de sua autoria: “Teatro – Comédia em um Ato”, “Desimaginação”, “Andam Ladrões cá em Casa” “Antígona”, “Reginaldo” e “O Lorpa”.
Mas sobretudo, António Pedro foi um grande homem de teatro, no sentido mais abrangente. Contribuiu, como diz Luciana Stegagno Picchio, para dar “um cunho especial” ao teatro português. (in “História do Teatro Português” – 1962).
E basta recordar os autores que encenou no TEP, entre 1953 e 1961, de acordo com um rigorosa levantamento feito por Carlos Porto (in “O TEP e o Teatro em Portugal” – história e imagens” – 1997):
Léon Chancerel, Egito Gonçalves, Anton Tchekhov, Arthur Miller, Jean Cocteau, Victor Ruiz Iriarte, Shakespeare, Sófocles, António José da Silva, J. M. Synge, Guilherme Figueiredo, Romeu Correia, John Steinbeck, Bernardo Santareno, Eugene ONeill, António Pedro, Oscar Wilde, Miguel Torga, Camilo, Ben Jonson, William Faulkner, Molière, Armando Martins Janeiro, Ugo Betti, Bernardo Santaremo, Pedro Bloch, Raul Brandão, Ionesco, Ibsen, Francisco Ventura…
Assisti a muitos desses espetáculos, ouvi e falei com António Pedro: e tudo isto é inolvidável.
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 28.01.15 neste blogue.
Taborda (fonte-GEPB vol. 30) e Laura Alves (fonte Laura Alves cit.)
ATORES, ENCENADORES (VII) ATORES QUE DERAM NOME A TEATROS por Duarte Ivo Cruz
Não é muito comum entre nós a denominação de teatros evocativa de atores. Recentemente, referimos o teatro Maria Vitória no conjunto dos teatros do Parque Mayer: hoje já ninguém recorda a atriz que deu o nome ao teatro, edificado numa construção ”provisória” como na altura se assumiu, em 1922. Penso que a decoração art deco é posterior. Mas trata-se de um dos poucos teatros portugueses que evoca um artista de cena.
Não assim com escritores. Sousa Bastos, no Dicionário do Theatro Português que aqui temos citado (1908) assinala, na época, em todo o país, quatro Teatros Camões/Luís de Camões, um Teatro D. João da Câmara, um Diogo Bernardes, sete Gil Vicente, um Garcia de Resende, um Pinheiro Chagas, um Sá de Miranda: e apenas um Rosa Damasceno, três Taborda, um Virgínia… e nada menos do que 13 teatros cuja designação evoca diretamente Reis, Rainhas, Príncipes e demais membros da família real, com o destaque óbvio do Teatro D. Maria II, que é de 1846.
E aqui queria neste momento chegar. Em 1908, Sousa Bastos descreve três Teatros Taborda, em Abrantes (1828), em Lisboa (1870) e em Oeiras (1884). Evoca, em termos ditirâmbicos, o ator Taborda, homenageado pelo próprio nome nos teatros acima referidos: qualifica-o como - e citamos literalmente - “incomparável”, de “brilhantíssima carreira”, “caráter de ouro que tem um amigo sincero e um admirador devotado em cada português (…) a joia mais preciosa do palco português “ em “criações brilhantíssimas “ e “trabalho excecional e verdadeiramente único”!...
De notar que Sousa Bastos era à época casado com a jovem Palmira Bastos: e a biografia que lhe dedica no Dicionário não fica atrás! Mas Luis Francisco Rebello, mais de 90 anos decorridos, ainda evoca “o grande Taborda” como ator dos primeiros espetáculos de revista. (in “História do Teatro de Revista em Portugal” vol. 1- 1984). E na “História do Teatro Português” Rebello cita Taborda à cabeça de um grupo de atores que “trilharam caminhos de maior exigência artística”. “História do Teatro Português” 5ª ed. - 2000)
Ora bem: chega-nos um estudo ainda não publicado da autoria de Pedro Marçal Vaz Pereira, acerca do Teatro, ou dos sucessivos teatros edificados a partir de 1883, em Cernache do Bonjardim. E precisamente, o edifício em vias de restauro, herdeiro ou sucessor de edifícios e/ou agrupamentos de amadores locais – Clube Bomjardim, Teatro Cernachense, Teatro Bonjardim, Teatro de Cernache – adota a partir de 1899 o nome de Teatro Taborda, sendo o ator consagrado numa homenagem em que atuou Alfredo Keil, que executou ao piano trechos da ópera “A Serrana.
Mas avancemos no tempo.
Em 1968, Vasco Morgado inaugura um novo teatro em Lisboa: tratava-se da adaptação do velho cinema REX a teatro, com obras de restauro e recuperação designadamente no palco.
Publiquei aqui um texto, em 24 de setembro último, a encerrar a série dedicada aos mais antigos teatros de Lisboa, assinalando a essa reconversão do REX em teatro: e evoquei a atriz Laura Alves, pois o novo teatro chamou-se precisamente Teatro Laura Alves.
No que respeita ao edifício, destruído por um incêndio em 2012, remete-se para o texto aqui publicado neste blogue. Mas o que importa agora é evocar a grande atriz que foi Laura Alves (1921-1986), pois ao longo de mais de 45 anos marcou o teatro português numa diversidade impressionante de géneros e de interpretações, da comédia ao drama, à revista à opereta, ao teatro musicado e ao cinema.
Passou pela companhia do Teatro Nacional mas sobretudo a partir de 1951, ano da inauguração do Teatro Monumental, com a opereta “As Três Valsas”, representou todos os géneros e inúmeros autores, aí incluindo muito teatro português, muita comédia e drama contemporâneo, mas também Shakespeare, Gil Vicente e tantos clássicos: um carreira de mais de 400 personagens!
Cito, para terminar, algumas referências recolhidas no álbum de homenagem publicado no inicio dos anos 70 assinalando os 20 anos do Teatro Monumental. (in “Laura Alves – Êxitos de 20 Anos da sua Carreira” dir. Mário de Aguiar, texto de Alice Ogando).
De Ramada Curto: “Esta atriz é essencialmente genérica, porque se adapta a todos os géneros. Tem inventiva cómica e ninguém como ela comunica com o publico pela graça espontânea e caricatural, sem descer ao grosseiro, para logo a seguir interpretar uma alta comédia com inteligência e corda dramática”.
De Aquilino Ribeiro: “Em Paris, seria uma atriz de grande ribalta. Entre nós, é uma flor a perfumar um matagal”.
De David Mourão Ferreira: “Laura Alves realiza plenamente o sonho mais íntimo de todos os artistas – que é o de obter o vibrante entusiasmo das multidões e o aplauso esclarecido das minorias mais exigentes”.
E muito me honro de ter também colaborado neste livro de homenagem, frisando designadamente que “tantos anos de carreira profissional, vinte dos quais no mesmo ambiente, é coisa rara, quase um milagre teatral”…!
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 21.01.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (VI) A COMPANHIA REY COLAÇO-ROBLES MONTEIRO: QUALIDADE E LONGEVIDADE por Duarte Ivo Cruz
Num meio cultural e profissional tão instável como é o teatro-espetáculo português, merece destaque a continuidade e a capacidade de renovação da Companhia Rey Colaço- Robles Monteiro, designadamente na sua longa permanência, ação cultural e capacidade de renovação, a nível de elencos e a nível de repertório, o que nem sempre é reconhecido.
A longevidade tem destas coisas e então, num meio, repita-se, instável como é por definição o teatro, e em particular entre nós, mais se fez e faz notar o quase meio século de atuação da empresa. Mas refiro aqui a empresa como tal: pois a própria Amélia Rey Colaço ainda nos anos 80 participou em Portalegre num espetáculo de homenagem a José Régio.
Por seu lado, Robles Monteiro faleceu em 1958: já anos antes deixara de exercer a atividade de ator, mas numa primeira fase duradoura da Companhia integrou os elencos e encenou numerosíssimas peças do repertório, com destaque também para autores portugueses, e designadamente Ramada Curto.
É evidente que tão longa permanência em cena implicou necessariamente desigualdades de atuação e assimetrias no conjunto da obra cultural exigível a uma companhia oficial. E isso envolve tanto os aspetos de repertório como de elenco. Mas hoje não restarão duvidas acerca da qualidade global dos sucessivos elencos da Empresa Rey Colaço – Robles Monteiro e da relevância que, tantas e tantas vezes assumiu na revelação e atualização de repertório – e isto, tanto no âmbito da dramaturgia portuguesa como da dramaturgia universal.
Amélia estreou-se em 1917 no então chamado Teatro Republica, (São Luiz), com uma peça então relevante, “Marianela” do dramaturgo espanhol Benito Pérez Galdós. Gloria Bastos e Ana Isabel P. T. de Vasconcelos situam o sucesso no contexto do espetáculo teatral da época:
“Mas talvez a revelação mais significativa tenha sido a de Amélia Rey Colaço, cuja estreia no Republica com a peça Marianela foi desde logo saudada calorosamente pelo público e pela crítica”. E remetem para Vitor Pavão dos Santos: “demonstrou ser uma atriz diferente de todas as outras, aliando a um talento e cultura invulgares, métodos de representação verdadeiramente modernos” (cfr. G. Bastos e A.I .Vasconcelos in “O Teatro em Lisboa no Tempo da Primeira República” ed. MNT 2004 pag.146: V. P. Santos in “A Companhia Rey-Colaço – Robles Monteiro” ed. MNT 1987 pág. 4).
A companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, constituída como tal em 1923, instala-se pois no D. Maria II em 1929 como companhia oficial e lá se mantem-se até 1964, quando o incendio que quase destruiu o teatro (e que neste momento é invocado numa exposição de fotografias no próprio D. Maria II) remeteu a companhia para o Teatro Avenida. E em 1967 o Avenida arde! A companhia passa então para o Capitólio até 1970, depois para o Trindade e por muito pouco tempo, para o São Luiz. Extingue-se em 1974.
O repertório clássico teve momentos muito altos. Recordo, entre tantos mais, um “Tartufo”, um inolvidável “Romeu e Julieta”, ou o “Macbeth” que estava em cena na noite o incendio e foi reposto no Avenida, mas antes apresentado num espetáculo no Coliseu, em que toda a classe profissional e intelectual da época se reuniu no palco.
Mas importa agora referir a qualidade do repertório moderno, ao longo de todos estes anos, e particularmente, a sucessiva atualização que foi praticado, tarefa por vezes complicada, dada a época e as circunstâncias.
Se reportarmos a 1934 encontramos o escândalo de publico que foi a estreia dos “Gladiadores” de Alfredo Cortez, peça iniciática de um certo expressionismo ainda hoje escasso na história do teatro português. E nessa linha de modernidade, encontramos estreias - mais ou menos compreendidas e aplaudidas - de toda uma época e de uma geração que vai de Carlos Selvagem a Ramada Curto, ambos com dezenas de peças, de Virgínia Vitorino a Romeu Correia e José Régio, a Bernardo Santareno e Luis Francisco Rebello entre tantos mais. Encontramos também Pirandello (estreia mundial de “A Volupia da Honra” com a presença do autor), Lorca, Eugene O’Neill mas também Albert Camus, Marcel Pagnol, Ionesco, Cocteau, Harold Pinter (“Feliz Aniversário”), Durrenmatt (“Visita da Velha Senhora”), Edward Albee (“Equilíbrio Instável”) ou Slamowir Mrozeck (“Tango”). E em muitas delas, Amélia marcou o seu talento de atriz.
E finalmente: a concessão do teatro nacional obrigava à programação de clássicos portugueses. Nem sempre esta clausula contratual atingia objetivos de atualização das encenações e dos espetáculos em si: mas eram sempre de grande qualidade e garantiam, sobretudo a um púbico escolar, o contacto com os clássicos portugueses em cena, que é onde eles devem ser vistos e estudados…
Não entramos na lista de atores que trabalharam na Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, ou dos cenógrafos e figurinistas, com destaque aqui para Almada. Mas referimos apenas Mariana Rey Monteiro, filha de Amélia e de Robles – e ela própria grande atriz.
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 14.01.15 neste blogue.