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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXXIV - BARROCO

 

A palavra barroco, depois de se aplicar a qualquer coisa de uma forma bizarra, desigual, irregular, começou a ser usada para qualificar uma arte ardilosa, arguta, extravagante, excessiva, empolada, insólita, surpreendente, para qualificar determinada arquitetura, escultura, literatura, pintura, música e artes plásticas em geral.

 

A má fama do barroco foi durante décadas um dado adquirido, o que ainda hoje perdura, para alguns, tendo-o como exagerado, pretensioso, luxuriante, de mau gosto, por maioria de razão por confronto com a arte renascentista tida, para a maioria, como um insuperável modelo de perfeição.

 

Todos sabemos, por experiência, que as coisas mais perfeitas, com a continuação, e não variando, acabam por se banalizar, aborrecendo-nos, dada a ausência de novidade, havendo necessidade de alterar regras, conduzindo os artistas a modificar estilos, saindo do tédio e desentediando-se a si, entre si e aos outros. Para qualquer escola, atingida a saturação, há que superá-la pela ânsia de inovação. Sempre assim foi e será, pelo que por mais adequada e equilibrada que seja uma arte acaba, mais tarde ou mais cedo, por cansar, evoluindo para novos voos, mesmo que sejam novos artifícios para deslumbrar ou uma erudição demasiado trabalhada. Não admira, pois, que perante a saturação estética dos valores do Renascimento houvesse uma transformação da estética até aí dominante, procurando outra originalidade, mesmo que exagerando formas pelos processos mais inesperados, imprevistos e surpreendentes.

 

Monumentalidade, crise de consciência, lutas religiosas, inquietação espiritual, teatralidade, fausto, complexidade, sensualidade, decoração, jogo de construções, de luzes e sombras, de palavras, imagens e figuras, metáforas, antíteses, contrastes, paradoxos, cultismo, conceptismo, forma, contorno, tudo se patenteia no barroco.

 

Resultando de uma interpretação arbitrária das formas clássicas, o barroco prima pela ausência de regras, pela liberdade e movimento, corroborado com a perda do geocentrismo bíblico e a crise provocada pela reforma protestante, criando uma nova visão do infinitamente grande e do imensurável desígnio divino, conducente a uma nova mitologia religiosa.

 

As guerras religiosas geraram o barroco tido como arte da Contra-Reforma e dos Jesuítas, tendo Roma, sede do papado, como centro do poder, onde nomes como Caravaggio, Bernini, Borromini, Carraci, Guercino, Andrea Pozzo e Pietro da Cortona pontuam. Telas como A Conversão de S. Paulo (1600-1), A Deposição de Cristo (1603-4) e A Morte da Virgem (1605), de Caravaggio, esculturas como Êxtase de Santa Teresa (1646-52), na igreja Santa Maria della Viottoria, e os Anjos, em Sant`Andrea delle Fratte, ou na Ponte Sant`Angelo, de Bernini, são seus exemplos. Em que também há cânones não canonizados, como no retrato sensual e pouco ortodoxo do jovem São João Batista (1602), de Caravaggio, mais afastado da ortodoxia iconográfica dos modelos estabelecidos.   

 

Com o decurso do tempo, para além do culto em serões de Paço Reais (vida de Corte) e de Príncipes, o barroco tornou-se uma arte essencialmente burguesa, em que as classes emergentes (artesãos, mercadores) veem nos retratos (individuais e coletivos) de Rubens, Van Dyck, Fran Hals, Rembandt e Vermeer, um reconhecimento da dignidade social que alcançaram. A Lição de Anatomia do Doutor Tulp (1632) e A Ronda da Noite (1642), de Rembrandt, exemplificam-no.

 

Na música, o barroco opõe-se à polifonia, ao contraponto, realçando a voz individual, através do órgão. A música sacra, para a corte, teatro e ópera evoluiu, na Inglaterra protestante, com Henry Purcell. A música religiosa, na Alemanha luterana, com Johann Sebastian Bach. Mas é com a ópera que atinge a sua máxima expressão, onde a música profana adquire finalmente uma forma expressiva a favor do patronato, mecenas, cortes de príncipes e publico em geral. É um período musical riquíssimo, com grandes protagonistas: Monteverdi, Allegri, Schutz, Carissimi, Lully, Charpentier, Pachelbel, Purcell, Corelli, Couperin, Vivaldi, Albinoni, Bach, Handel, Telemann, Rameau, Scarlatti, Arne, Gluck. 

 

Como maneirismo essencialmente decorativo do barroco, surge o rococó, do primeiro quartel até ao fim do século XVIII, caraterizado pela abundância excessiva de elementos de composição e assimetria, predominando na arquitetura e cerâmica, sendo  marcante em França, Alemanha, Itália, Países Baixos, Portugal e Espanha.   

 

Em Portugal, há muitos exemplos barrocos: Igreja da Madre de Deus, de São Roque, do Menino Deus, Basílica da Estrela, estátua equestre de D. José I (Lisboa), Igreja, Palácio e Convento de Mafra, Igreja e Torre dos Clérigos, Igreja de S. Francisco, Palácio do Freixo (Porto), Retábulo da capela-mor da Sé Nova de Coimbra, Bom Jesus do Monte (Braga), Solar de Mateus (Vila Real), Palácio de Queluz, coches reais, azulejos, pinturas de Josefa de Óbidos, compositores Carlos Seixas e António Francisco de Almeida.

 

Sendo uma arte igualmente associada, entre nós, a protagonistas tidos como responsáveis por malefícios da pátria (absolutismo, dinastia de Bragança, Jesuítas, Inquisição, Contra-Reforma, Concilio de Trento), decadência e mau gosto (segundo Garrett, Herculano, Antero, Oliveira Martins), tornou-se polémica, a que acresce, nos tempos atuais, o cortar em tudo o que não é linear, velocidade eletrónica, sinopse e síntese.

 

Valores políticos à parte o barroco, como qualquer arte, deve ser avaliado pelo seu valor intrínseco, artístico e estético, à luz do contexto e cultura (artística) então dominante. A intemporalidade de Bach prova-o à exaustão. Também o padre António Vieira tido, para tantos, como o imperador da língua portuguesa, é excelente antídoto. Não esquecendo a ópera, declarada e proclamada, por muitos, a maior de todas as artes.

 

Começando a ser usual dizer-se que “O barroco é muito hot”, dado serem tidas como bastante sensuais e sexualizadas obras famosas da arte barroca, como a escultura do Êxtase de Santa Teresa D`Ávila, de Bernini, que inspirou a pintura, sobre o mesmo tema, de Josefa de Óbidos, de 1672, da Igreja Matriz de Cascais.

 

06.02.2018

Joaquim Miguel De Morgado Patrício