Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

LONDON LETTERS

 

You just don’t get it - Part II, 2016

Great politics; great events! No Cenotaph, em Whitehall, emoldurada pelo povo e escoltada pelos líderes políticos, religiosos e militares, com a Royal Family e os representantes da Commonwealth of Nations, HM The Queen Elizabeth II preside a cerimónia pela paz no Remembrance Sunday.

 Além Atlantic, após os instintos primários em abominável Circus Maximus, eis Mr Donald John Trump como 45.º presidente dos United States of America. Com o busto de Sir Winston S Churchill de novo a caminho do Oval Office, os atlantes are going back to the front of the queue. RH Nigel Farage reúne em New York com o recém eleito. — Chérie! Battre le fer pendant qu’il est chaud. Temem pela Pax Americana. O NATO Secretary General, Mr Jens Stoltenberg, adverte que "going alone is not an option either for Europe, either for the US." Já Frankfurt e Herr Wolfgang Schäuble acolhem a Euro Finance Week, para debater a Brexit e a banca de dinheiros em encontro onde pontua o ECB VP Vítor Constâncio. Temem pela Lex Germanica. — Hmm! I don't want to rain in your parade. Em vésperas da decisão no Supreme Court sobre o ready-to-go, o HM Government prepara o post-Brexit e planeia investir bilions na economia. Paris reabre o Bataclan, um ano após o horrífico atentado terrorista do 13/11, com Mr Sting no centro do concert hall. Os aliados tomam a histórica Nimrud ao Isis no Irak. Parte um samaritano da poesia, da música e da espiritualidade, presença muito cá de casa. Com Monsieur Leonard Cohen viaja o suave Mr Robert Vaughan. Hoje é noite da largest moon in 69 years.


Beautiful but freezy sunny days
at Central London, And, what a remarkable week! O fantástico elo entre a lua e a humanidade vive hoje momento alto ao crepúsculo, com o esplendor brilhante perante nós da largest moon since 1948. A maior das proximidades entre corpos celestes sucede a um emotional day of remembrance no Cenotaph. Her Majesty The Queen conduz as homenagens nacionais aos caídos de 1914-1919 em cerimónia onde a Prime Minister RH Theresa May saúda “those Servicemen and women killed in all conflicts since the First World War.” O reino faz dois minutos de silêncio nos memoriais ao sacrifício dos seus, enquanto London ouve os canhões e a passarada ao ritmo das bandas militares na tradicional romagem dos veteranos. Em honra dos Glorius Dead, a abrir a parada do Armstice Day com inconfundíveis palavras Mr Rupert Brooke, o Prince Harry of Wales belíssimamente recita The Soldier no National Arboretum: “If I should die, think only this of me: / That there's some corner of a foreign field / That is for ever England. / There shall be / In that rich earth a richer dust concealed; / A dust whom England bore, shaped, made aware, / Gave, once, her flowers to love, her ways to roam, / A body of England's, breathing English air, / Washed by the rivers, blest by suns of home. || And think, this heart, all evil shed away, / A pulse in the eternal mind, no less / Gives somewhere back the thoughts by England given; / Her sights and sounds; dreams happy as her day; / And laughter, learnt of friends; and gentleness, / In hearts at peace, under an English heaven.” 

 
Os ventos atlânticos sopram forte. O dito impossível, aqui previsto nos idos de January, acontece no derby do Oval Office. Contra todas as certezas da Press e do coro dos intelectuais prête-à-porter, vence Mr Donald J Trump. Para simplificar a Part II, resumamos o Trumphenomena com fórmula do tipo coca-cola: primeiro estranha-se, depois entranha-se. E resulta em pleno a operação política de terraplanagem. Os Republicats ganham a White House, o Senate e a House of Representatives, plus as chaves do Supreme Court. Não é de todo a marcha final do Chorus of the Hebrew Slaves, na Nabucco de Messer Verdi, pois mais bastiões vão em breve cair, mas as elites daquém e dalém finalmente estremecem com novo choque eleitoral de magnitude maior. Ainda assim, ao erguer das Atlantic Towers, algumas reagem com algo de Marie Antoinette no “Qu’ils mangent de la brioche.” No triunfo de Washington, quiçá consciente do imperial memento mori, porém ainda com unfinished businesses na bagagem, DJT é gracioso com quantos derrota. E aqui dois retratos de Tara. Bold and strong, Mrs Hillary R Clinton concede a presidência em discurso de valores maiores enquanto o President Barack Obama recebe na White House aquele que tingira como “unfit for the job.” Ora, visionar os dois homens juntos na sala presidencial tem tanto de estranho quanto de fascinante: o vitorioso street fighter que lhe negara até reconhecer o direito de berço e o cool leader que o fustigara sem dó durante the most bitter campaign ever. Diversa imagem oferece risonho encontro do New Hair Force One com RH Nigel Farage MEP, aquele um proud son de mãe escocesa e este the first British politician a reunir com o US President-elected, antes mesmo de este telefonicamente falar com Mr Vladimir Putin. Agora com o Real Donald ao leme, corrigidos que sejam os 3 M’s de Mexicans, Muslims & Misoginy, claro que a conspiração das circunstâncias continua.


As resistências à mudança do insustentável new normal igualmente prosseguem, lá e cá. Os locais Daily Mail, Sun e Daily Express estão debaixo de fogo de um ente autodenominado Stop the hate, que os quer enquadrar como veículos de xenofobia e de racismo. Pedem a anunciantes e leitores que os silenciem. Por acaso, só por acaso na campanha dos Newest Illiberals, o traço comum dos três jornais é terem uma posição editorial pró-Brexit. Fechemos antes, pois, com nota devida ao senhor Leonard Cohen (1934-2016). Emocional e intelectualmente, for me, one of the greatest ever, com lugar reservado no coração, na pele e nas horas vagas. Tanto que hesito como dizer farewell. Há You Want It Darker: what we know so far e profético “know that I am so close behind you that if you stretch out your hand, I think you can reach mine”; e há a tela familiar de Call you grass e “call you wind-bent slender grass / say you are full of grace /and grown by the river / Say what country / say what river / say what colour / Tell where is the clock / in the rose's face / tell where are the speared hands / bending the fences over / Call you loving in whatever room / in orchards on seas / knowing not whom you leave / whom you pass / who reaches after.” Com um profundo obrigado pela beleza, have a good journey, marvellous friend. See you, down on the road. — Well, well! Remember how Master Will blissfully plays with The Mechanicals and that Athenian craftsmen Bottom surrounded by some indispensable comic relief in A Midsummer night’s dream: — I have had a most rare vision. I have had a dream, past the wit of man to say what dream it was.

St James, 14th November 2016

Very sincerely yours,

V.

 

PS: Notaram a informação ice-cream type? Após meses de tinta incendiária, que sabemos do programa político do eleito nos US? Donde: Como será e quais os efeitos da fortress America?

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

 

 

 

   Minha Princesa de mim:

 

   Voltando a um dos temas do Penser l´Islam, de Michel Onfray, aqui traduzo a resposta escrita do autor a uma pergunta que lhe foi feita por Le Point, imediatamente após o atentado perpetrado pelo EI, a 13 de Novembro de 2015, no Bataclan, em Paris:

 

   No seu comunicado de reivindicação, o Daesh fala, referindo-se às vítimas do Bataclan, em "centenas de idólatras numa festa de perversidade". Será que essa gente odeia sobretudo o que nós somos?

   […] Com efeito, é uma guerra de civilização. Mas o politicamente correto francês proíbe que isso se diga, desde que Samuel Huntington fez excelentemente a sua análise em 1993. A civilização islâmica para que nos remete o Estado Islâmico é, na verdade, puritana. Faço observar que esta pergunta deixa entender que a França dispõe de uma "identidade nacional", que vemos melhor quando a identidade islâmica a põe à luz do contraponto histórico do momento. Mas como também é ideologicamente criminoso remetermo-nos para a identidade francesa, durante muito tempo nem se podia dizer que, na realidade, havia um modo de vida ocidental e que esse não era o modo de vida islâmico. Os turiferários do multiculturalismo confessam que há mesmo várias culturas e que, entre elas, algumas defendem o rock em noites de festa, enquanto que outras fazem desse evento "uma festa da perversidade". Têm todas as culturas o mesmo valor? Sim, dizem os tenentes do politicamente correto. Por mim, tenho tendência para pensar que é superior uma cultura que permite que a critiquem a qualquer outra que proíba que tal se faça e castigue com a morte qualquer reserva relativamente a ela.

 

   Sabes bem, Princesa, como penso que todos nós nos superamos, isto é, nos tornamos melhores, quando entendemos construtivamente as críticas que nos são dirigidas e sabemos, nós mesmos, exercer com prudência o espírito crítico. Digo aqui prudência no sentido de Santo Agostinho, que São Tomás gostava de repetir: A prudência é um amor sagaz. Quero, pois, deixar-te claro que não faz, para mim, qualquer sentido pretender que há hierarquias de culturas ou civilizações: costumo dizer que as culturas são, simplesmente, as circunstâncias das nossas vidas, ecossistemas das almas, a que naturalmente nos referimos, mas com os quais mantemos sempre uma relação dialética, que as faz evoluir. Falamos, por exemplo, da cultura europeia, mas essa não é hoje igualzinha à da Idade Média, ou da Renascença, etc., e até nos acontece dizer que está a mudar. Penso que tudo muda para sobreviver: para entendermos isto podemos observar, por exemplo, como o iluminismo e o laicismo se filiam na cultura cristã... No seu The Clash of Civilisations and the Remaking of World Order (1996), Samuel Huntington, a dado passo, escreve que civilização e cultura se referem à maneira de viver, em geral. Uma civilização é uma cultura em sentido lato. Estes dois termos incluem «os valores, as normas, as instituições e os modos de pensamento a que, numa dada sociedade, gerações sucessivas atribuíram uma importância fulcral» (Adda Bozeman, in Civilisations under Stress). Mas tal como a semente produz e o tronco sustenta, o núcleo e o esteio de uma cultura também vão criando ramos e folhas e flores e frutos, que se reconhecem na raiz comum e naturalmente se comparam com outras espécies e, por tal cotejo, também se identificam. Outra coisa deve ser o respeito mútuo: o direito à diferença é universal, não determina graus de superioridade, mas pressupõe, necessariamente, a salvaguarda da existência de todos e cada um. Posso achar que o rock - para usar o exemplo dado por Onfray - é festivo, ou perverso, mas tenho de aceitar que outrem goste do que me desgosta, e não tenha, do bem ou do mal, do belo ou do feio, o mesmo conceito que eu. Não me assiste, nunca nem de forma alguma, o direito de impor, nem me é permitido agredir.

 

   Infelizmente, a História dos homens está infestada de crimes contra a própria humanidade, mas tal não implica que sejam uma fatalidade inevitável, nem me parece que sejam imputáveis a uma ou algumas culturas. A todos nós o mal espreita, e a todos nos chama o bem. Entre ambos está a santa liberdade dos filhos de Deus, que, aliás, só pode existir no respeito pelo outro, isto é, básica e necessariamente, pela vida.

 

   O mal dos séculos, Princesa de mim, não é a desobediência, antes será a ignorância, a inconsciência. Só na liberdade da consciência, aguçado e provocante, pode inscrever-se o princípio da paz: não há bem que nos valha por nos ser imposto, só em liberdade sabemos e podemos escolher o bom, belo e vero. Do mal e de males todos sofremos, por imposição de outros ou demissão nossa. O que quero significar, quando falo em dialética de mim com a minha cultura ou circunstância, é que não sou, nem ninguém é, apenas vítima. Ontologicamente, o ser humano é relação, interage, como hoje se diz. Eu não sou só produto de uma cultura - nem cultura alguma é monolítica e inerte – evoluímos com elas e elas connosco. Parece-me importante entender isto em tempos ditos de globalização. Para que seja em paz o necessário convívio global, impõe-se, desde logo, atualizarmos o princípio socrático: nosce te ipsum.

 

   Tenho mais para te dizer, Princesa de mim, já fugi ao tema que me trouxe... 

   Mas vai longa a carta, digo na próxima.

 

   Camilo Maria

 

Camilo Martins de Oliveira