Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Num estudo recentemente publicado, “Grande Tradições – Rituais do Nosso Imaginário”, da autoria de Helena Viegas, com prefácio de Guilherme d’Oliveira Martins, faz-se referência ao Theatro Circo de Braga, numa fotografia de mais de 30 atores, funcionários e jovens figurantes do Theatro Circo, devidamente vestidos para cena.
De notar a qualidade e exigência dos espetáculos que, já ao longo das primeiras décadas do século passado, marcavam a atividade deste Teatro: pois, como diz a legenda da foto, “podemos ver que o Carnaval no Theatro Circo era um evento de gala, com os trajes a denunciarem a pompa e o luxo da grande festa”!
Em qualquer caso, o livro descreve e documenta todo um conjunto vasto de festividades tradicionais, religiosas, populares ou eruditas que marcaram e ainda marcam em muitos casos a tradição da cultura portuguesa na sua expressão epocal. Essa tradição chega aos nossos dias como prática enraizada ou como expressão histórica, urbana e rural, e que como tal merece amplamente ser mantida, evocada ou recuperada.
E se é certo que a raiz é quase sempre de culto religioso, a característica popular profunda gera e reforça as tradições de cultura que expressa ou implicitamente assume, numa abrangência de expressão regional/ popular.
Vale a pena então evocar este Theatro Circo de Braga, fundado em 1915 segundo projeto arquitetónico de João de Moura Coutinho da Almeida.
Trata-se de um Teatro que conciliou a tradição de polivalência na própria estrutura do edifício e da sala de espetáculos, sala que se quis relevante e adequada à pluralidade de géneros que desde a origem se adotou, muito no espírito e nos costumes socioculturais da época: teatro mas também ópera, cinema, e até circo e “luta a soco” como na época se escreveu. Sentia-se uma certa e remota influência da estrutura do próprio Teatro de São Carlos, com um complexo sistema de salas de espetáculo e de público, mas em muito menor escala...
De qualquer forma, na origem, tinha 31 camarotes de primeira ordem e 15 de segunda ordem, mas esta estrutura foi em parte alterada logo nas primeiras obras de restauro, em 1924. Desde aí, houve sucessivas alterações e modernizações que aliás já tivemos ocasião de referir e avaliar.
E transcrevemos, para terminar em síntese, dois textos que constituem a abertura, digamos assim, do livro.
Diz então no Prefácio, intitulado “A Herança e a Memória”, Guilherme d’Oliveira Martins: “A cidadania constrói-se e afirma-se com o conhecimento das raízes históricas e com uma natural complementaridade entre a liberdade e a responsabilidade, numa sociedade que cultive o conhecimento e a cultura e que não deixe ao abandono o seu património cultural como realidade viva. É o presente e o futuro que estão em causa quando nos preocupamos em conhecer melhor a herança e a memória”. E cita Alexandre Herculano, Jaime Cortesão e Eduardo Lourenço.
Por seu lado, diz a autora, no texto introdutório, que intitulou “Rituais do Nosso Imaginário”:
“É para a história do país que olhamos em GRANDES TRADIÇÕES, cumprindo uma viagem histórica que nos leva à descoberta de celebrações, religiosas ou laicas, com raízes ancestrais”. E acrescenta: “Nestas histórias misteriosas e soturnas, coloridas e alegres, destacam-se episódios do imaginário popular, com a evocação das mais importantes tradições, como resultado da apropriação dos povos de cada região”.
Já tivemos ocasião de evocar a recuperação das ruínas do Teatro Romano de Braga, nos finais de 1999. As duas décadas entretanto decorridas justificam esta nova referência, até porque não são muitos os vestígios de espaços de espetáculo de tão longa tradição entre nós. E a esse respeito, pode-se também citar o Teatro Romano de Lisboa, descoberto em 1798.
Ora, tal como evocamos, na então Bracara Augusta, já fora dos limites históricos da Lusitânia, os trabalhos de expansão urbana da atual Braga puseram a descoberto o conjunto do teatro e anfiteatro. Foram desenvolvidos entretanto trabalhos da Câmara Municipal e da Universidade do Minho para a recuperação arqueológica e divulgação histórica dignos de registo, sobretudo porque, como bem sabemos, são poucos os recintos de espetáculo oriundos do período da civilização romana que chegaram até nós.
Aliás a Lusitânia Romana não abrangia o território português a norte do Douro. Mas estendia-se pela Península, tendo por capital a então chamada Augusta Emerita hoje região de Mérida. Evoca-se o Anfiteatro de Mérida, capital que foi da Lusitânia, o mais imponente, significativo e utilizado recinto/monumento de espetáculos de origem romana da Península: os trabalhos de pesquisa e recuperação revelam uma área significativa de construção que documenta da melhor maneira a importância do aglomerado urbano e o seu significado cultural e monumental.
No que respeita a Bracara Augusta, as termas romanas de Maximinos ou as ruínas encontradas na área que é hoje a zona das Carvalheiras, referidas por Fernando Mota de Matos, são vestígios, já recuperados e devidamente estudados, da importância do núcleo urbano: como o é também o que Aarão de Lacerda descreve minuciosamente como o Quintal do Ídolo, remetendo para estudos de Leite de Vasconcelos e outros autores que tivemos já ocasião de referir.
Como dissemos, as ruínas foram descobertas em 1999 no contexto de trabalhos de reconversão urbana de cidade de Braga. A partir dessa data, decorridos que foram 20 anos, assinalam-se trabalhos notáveis de recuperação, descritos designadamente no estudo intitulado “A Construção do Teatro Romano de Bracara Augusta”, da autoria de Manuela Martins, Ricardo Mar, Jorge Ribeiro e Fernanda Magalhães.
A transcrição que a seguir se faz do estudo acima citado, permite avaliar este trabalho notável de recuperação. E decorridos estes 20 anos, haverá ainda muito a dizer das ruínas do teatro romano de Braga, o qual teria uma lotação de 4000 a 4500 espetadores.
Citamos o estudo: “A intenção politica terá residido no estabelecimento de uma relação privilegiada do edifício com o fórum que se situava a nascente do teatro”. E refere-se “a construção de termas públicas anexas que se dispõe a sul do teatro, sendo de sublinhar que existem numerosos exemplares de uma estreita relação entre os teatros, os equipamentos termais e os jardins”.
Nestes 20 anos decorridos, o que já chegou até hoje e a forma como se procedeu à recuperação constitui um caso exemplar de articulação de entidades públicas que, na altura escrevemos, e hoje repetimos, tantas vezes por esse país fora, vivem de costas voltadas ou em conflito aberto: E voltaremos ao assunto!...
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA Carlos Fabião “A Herança Romana em Portugal” – 2006; Fernando Mota de Matos, in “Portugal Património”, dir. Álvaro Duarte de Almeida e Duarte Belo vol. I - 2007; Aarão de Lacerda “História da Arte em Portugal” – 1942; Manuela Martins, Ricardo Mar, Jorge Ribeiro e Fernanda Magalhães “A Construção do Teatro Romano de Bracara Augusta” in “História da Construção – Arquitetura e Técnicas Construtivas” coord. Arnaldo Sousa Melo e Maria do Carmo Ribeiro - 2013.
Na última crónica, fizemos referência ao Teatro Romano de Lisboa e aludimos a livros recentes ou mais antigos, que versam a perspetiva historial dos edifícios então construídos e explorados, ou o que deles resta... E nesse aspeto, importa então citar e evocar diversas áreas hoje museológicas mas que, na época, constituíram centros de atividade de espetáculo, tal como então eram concebidos.
Designadamente, refira-se o Teatro Romano de Braga, já oportunamente citado, mas que a cronologia recente justifica nova evocação: efetivamente, assinalam-se agora exatos 20 anos decorridos sobre a descoberta e início da recuperação museológica de ruinas da cidade atual que incluíram o que resta, e não é pouco, do Teatro e Anfiteatro da então denominada Bracara Augusta.
E tal como aí referimos, citando designadamente um estudo de Manuela Martins, Ricardo Mar, Jorge Ribeiro e Fernanda Magalhães, intitulado “A Construção do Teatro Romano de Bracara Augusta”, para o qual novamente se remete, e onde se refere que “a intenção política terá residido no estabelecimento de uma relação privilegiada do edifício com o fórum que se situava a nascente do teatro”.
E salienta-se ainda, na obra agora novamente citada, “a construção de termas públicas anexas que se dispõe a sul do teatro, sendo de sublinhar que existem numerosos exemplares de uma estreita relação entre os teatros, os equipamentos termais e os jardins”... (cfr.“A construção do Teatro Romano de Bracara Augusta” in “História da Construção - Arquitetura de Técnicas Construtivas” coordenação de Arnaldo Sousa e Melo e Maria do Carmo Ribeiro).
Assinale-se ainda que em 2014 aqui publicámos um artigo sobre a Lusitânia e o teatro romano de Mérida, o qual atualizaremos em próxima crónica, na sequência portanto do estudo sobre o Teatro Romano de Lisboa, esse divulgado no passado dia 10 de agosto, e a que se dá desta forma sequência.
Pois em Portugal havia teatro e Teatros muito antes de Gil Vicente!...
A VERDADEIRA HISTÓRIA DO CÉLEBRE ABADE DE PRISCOS 14 de maio de 2019
Há dias, passei por Priscos, no município de Braga, e pensei com os meus botões que partilharia com os meus leitores algumas notas curiosas, sobre uma localidade, sobretudo conhecida por um magnífico pudim… Falo-vos assim hoje de Manuel Joaquim Machado Rebelo, o célebre Abade de Priscos, nascido a 29 de março de 1834, em Turiz no concelho de Vila Verde e falecido a 24 de setembro de 1930 em Vila Verde, com fama já alcançada. O clérigo Machado Rebelo foi abade e gastrónomo, destacando-se pelas suas receitas de culinária, especialmente a do Pudim celebrizado com a designação inconfundível de Abade de Priscos. Foi pároco da freguesia de Priscos em Braga, que eu bem conheço, e que é um lugar muito aprazível, cheio de tradições e boa qualidade de vida. Exerceu funções durante 47 anos, e foi lá que desenvolveu a sua inclinação culinária. Sendo amador na arte de bem cozinhar foi, segundo quantos o conheceram, "um homem de grande paladar". Além desse bom gosto, tinha também um excelente sentido de humor, que não deixarei de recordar aqui. Foi amigo do Arcebispo de Braga D. Manuel Baptista da Costa. Ora, tendo este conhecimento das suas capacidades culinárias, sempre que alguém de relevo visitasse a cidade convidava o Abade para orientar a cozinha e o menu. Foi tal facto que lhe deu grande fama nacional, vindo, por isso, a coordenar banquetes para a família real, ministros, bispos, aristocratas e gente abonada. Uma marca do seu carácter estava em fazer-se acompanhar por uma misteriosa maleta repleta de iguarias e temperos desconhecidos, cujos mistérios não partilhava com ninguém…. Segundo relatos de quem com ele conviveu, não havia um livro de receitas, mas algumas folhas esparsas, que ninguém mais encontrou depois da morte do Abade. Ele, aliás, dizia duas coisas aos curiosos, uma é que era a sua cabeça que tudo armazenava e outra que tinha uma pequena colher de pau que atuava nos momentos mais dramáticos, sempre com sucesso. Também esse utensílio nunca foi encontrado.
Conta-se que no dia 3 de outubro de 1887, o Rei D. Luís, de visita ao norte do País com a Família Real, foi à Póvoa de Varzim. As autoridades locais esmeraram-se e convidaram o Abade de Priscos para dirigir a cozinha e preparar o régio banquete. Desempenhou-se o Abade da tarefa de tal modo bem que o Rei mandou chamá-lo, para o conhecer pessoalmente. É preciso dizer que D. Luís era tido como um excelente prático de cozinha. Assim, quis saber qual era a composição de certo prato servido no banquete e de sabor delicioso.
O Abade sorridente, respondeu: – Trata-se de palha, com licença de Vossa Majestade!
– Palha!? – disse o monarca espantado . – Então o Senhor Abade dá palha ao Rei de Portugal?
O Abade baixou a cabeça, a fingir-se de envergonhado e, com sorriso manhoso, esclareceu: – Real Senhor! Todos comem palha, a questão é saber servi-la… ".
Numa outra ocasião, sendo o banquete oferecido pelo Arcebispo de Braga ao Prelado de uma diocese vizinha, aconteceu um embaraçoso incidente. A sopa esteve tempo de mais ao lume e ficou levemente queimada. Vieram os cozinheiros em prantos até ao Abade, que reagiu com surpreendente calma, dizendo: - De facto, não serviremos ao Bispo uma sopa com bispo.
Retirou da célebre maleta um misterioso ingrediente, juntou-lhe água, deitou-o na panela, mexeu com a sua colher de confiança – e dizem os que testemunharam o acontecido que o bispo da sopa desapareceu e que o Bispo convidado muito gabou a iguaria…
Mas não nos vamos sem coisas, aqui vos revelo a receita do célebre pudim, uma das poucas que chegou até nós e que os cozinheiros de Braga e de Vila Verde continuam a seguir…
O pudim ficou conhecido quando o Professor Pereira Júnior, diretor da Escola do Magistério Primário de Braga, do antigo Convento dos Congregados, pediu ao Abade de Priscos a receita para a ensinar aos seus alunos e alunas. E eis o segredo:
O pudim é confecionado num tacho de latão ou cobre onde é colocado meio litro de água. Quando esta estiver a ferver, coloca-se meio quilo de açúcar, uma casca de limão, um pau de canela e cinquenta gramas de toucinho (gordo e de preferência de Chaves ou de Melgaço). Deixa-se ferver até atingir ponto espadana. Batem-se delicadamente quinze gemas até ficar a mistura homogénea e mistura-se-lhes um cálice de vinho do Porto velho até ficar em meio ponto, depois de bater novamente. A calda de açúcar é, então, vazada através de um coador fino para uma tigela onde estão as gemas, mexendo-se tudo. Barra-se uma forma com açúcar em caramelo e deita-se aí o preparado que é posto a cozer durante 30 minutos em banho maria. O pudim é desenformado quando estiver quase frio. E está pronto a servir e a deleitar os mais resistentes…
E aproveito a ocasião para recordar um célebre poema de João de Deus escrito a pensar nestes mesmo Rei D. Luís…
Há entre el-rei e o povo Por certo um acordo eterno: Forma el-rei governo novo, Logo o povo é do governo Por aquele acordo eterno Que há entre el-rei e o povo.
Graças a esta harmonia, Que é realmente um mistério, Havendo tantas fações, O governo, o ministério Ganha sempre as eleições Por enorme maioria! Havendo tantas fações, É realmente um mistério!