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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Saber ver a Arquitectura de Bruno Zevi (Parte II).


Para Bruno Zevi, como foi visto na semana passada, o espaço é o protagonista da arquitetura. Mas importa representá-lo. No entanto, a arquitetura possui dimensões para além das quatro. É preciso considerar sempre a vida. Nenhuma representação é suficiente (as plantas, as fachadas, as fotografias…). ‘Devemos nós ir, ser incluídos, tornarmo-nos e sentirmo-nos parte e medida do conjunto arquitetónico, devemos nós próprios mover-nos’. Tudo o mais é mera alusão ou função preparatória.


E quais as várias idades do espaço? O templo grego ignora o espaço interior mas glorifica a escala humana - enquanto morada impenetrável dos deuses, pois os ritos decorriam no exterior. O espaço romano é concebido estaticamente, rompendo, porém, com a perspetiva grega e assumindo o "génio arquitetónico" - a autoridade domina a multidão dos cidadãos e anuncia que o império existe e é potência e razão da vida. A igreja cristã é o lugar de reunião, de comunhão e de oração dos fiéis - junta a escala humana dos gregos e a consciência do espaço interior dos romanos, negando, contudo, o sentido romano da gravidade estática. No período bizantino, há uma aceleração direcional e uma dilatação - partindo de dois pontos fixos do ambiente principal, a superfície mural foge do centro do edifício e lança-se para o exterior, dilatando o espaço interior. Dos séculos VIII ao X, verificamos a procura de uma nova relação com o espaço, retardando o tempo, interrompendo com rudeza os ritmos - de que é exemplo a igreja de Santa Maria in Cosmedin (Roma). O templo românico adquire segurança em si e na dialética das suas forças - move-se no que Zevi considera uma métrica que tem paralelo na poesia. Se do ponto de vista construtivo o gótico aprofunda e conclui a investigação românica, a verdade é que há uma distinção clara de propósitos - os espaços estão em antítese com a escala humana, pela primeira vez na história, em lugar da estabilidade temos o combate - em lugar do equilíbrio das diretrizes visuais ou da predominância de uma diretriz, temos o contraponto de duas diretrizes, vertical e horizontal. Com o Renascimento, abre-se uma nova fase - passa a ser o homem, aprendendo a lei do espaço, a possuir o segredo do edifício - em vez das fugas bizantinas, da sucessão dos arcos românicos ou do contraste atormentado do gótico, Brunelleschi recorre a relações matemáticas simples, um único percurso, uma única lei, uma única unidade de medida. No século XVI não há uma renovação das conceções espaciais, mas um novo conceito de volumetria, de equilíbrio estático e formal, num gosto que prefere "a uma linha e a um plano cromático, um todo sem quebras e uma consistente e, muitas vezes, monumental solidez" - triunfando o volume e a plástica como em S. Pedro de Roma. O barroco é a libertação espacial, é a libertação mental das regras dos tratadistas, das convenções, da geometria elementar e da estaticidade, é a libertação da simetria e da antítese entre interior e exterior - (como são diferentes os palácios Farnese e Barberini…) -, em vez das duas dimensões do gótico encontramos agora uma lógica ondulante, seguindo os instrumentos mas não os ideais de quinhentos. O período neoclássico e eclético do século XIX "é uma época de mediocridade inventiva e de esterilidade poética" - a redenção ocorre na urbanística, nos espaços exteriores, os novos bairros, os novos transportes, a sociedade industrial, propuseram-se, afinal, as primeiras soluções da sociedade moderna. E chegamos à arquitetura moderna do espaço orgânico e da "planta livre" reassumindo-se a vontade gótica da continuidade espacial, não como sonho mas como resultado de uma reflexão social, retomando-se a experiência barroca do movimento como consequência funcional, recuperando-se a métrica espacial do Renascimento em equipamentos coletivos… O funcionalismo e o movimento orgânico são as duas correntes espaciais que se afirmam - a primeira desde a Escola de Chicago a Le Corbusier; a segunda através de Frank Lloyd Wright - apontando para a escala humana, repudiando toda a arquitetura que se sobrepõe ao homem ou que é independente dele. 

 

 Ana Ruepp

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Saber Ver a Arquitectura de Bruno Zevi. (Parte I)


Em ‘Saber ver a Arquitectura’ (1977) Bruno Zevi entende que falar de arquitetura não pode resumir-se à construção técnica, ao ensaio filológico ou a um reflexo de tendências pictóricas. É por isso, indispensável precisar os atributos da arquitetura e dar-lhes um sentido preciso - movimento, força, vitalidade, harmonia, escala, luz e sombra, cheios e vazios, simetria, ritmo. Importa sim, esclarecer a essência da arquitetura.


A arquitetura não é apenas arte, nem só imagem é também o ambiente, a cena, o espaço interior onde decorre a nossa vida.


Zevi apresenta o espaço como o protagonista da arquitetura: ‘A arquitetura é como uma grande escultura escavada, em cujo interior o homem penetra e caminha’.


Assim, a arquitetura provém do espaço interior em que as pessoas andam e vivem. O espaço interior que apenas pode ser conhecido e vivido pela experiência direta, é o protagonista do "facto arquitetónico".


Para Bruno Zevi, a história da arquitetura é, antes, de mais nada e essencialmente, a história das conceções espaciais, com a suas diversas idades do espaço - a escala humana dos gregos, o espaço estático da antiga Roma, a diretriz humana do espaço cristão, a aceleração direcional e a dilatação de Bizâncio, a "barbárica" interrupção dos ritmos, a métrica românica, os contrastes dimensionais e a continuidade espacial do gótico, as leis e as medidas do espaço de quatrocentos, a volumetria e a plástica do "cinquecento", o movimento e a interpenetração do espaço barroco, o espaço urbanístico do século XIX, a "planta livre" e o espaço orgânico da modernidade.


Para Zevi uma história da arquitetura tem de se orientar para a vida: ‘Uma crítica moderna, viva, social e intelectualmente útil, ousada, não serve, por isso, apenas para preparar para o prazer estético das obras históricas, mas serve também e sobretudo para pôr o problema do ambiente social em que vivemos, dos espaços citadinos e arquitetónicos dentro dos quais se passa a maior parte dos nossos dias, a fim de que os reconheçamos, os "saibamos ver"’.


Para Zevi as interpretações arquitetónicas dividem-se em três grandes categorias: interpretações relativas ao conteúdo; interpretações fisiopsicológicas; e interpretações formalísticas.


Na crítica arquitetónica, todas as interpretações relativas ao conteúdo centram a sua atenção nos espaços. Nas interpretações fisiopsicológicas ‘um espírito agudo acaba por identificar o valor da arquitetura com o do seu espaço, a cuja presença todos os outros elementos estão subordinados’. Dizer, do ponto de vista formalista, que um edifício deve ter unidade ou proporção, euritmia ou carácter significa referirmo-nos aos valores espaciais e de adesão a estes de todos os outros valores.


A interpretação espacial não impede, assim, outros modos de interpretação. Não é uma interpretação específica como as outras - porque do espaço podem dar-se interpretações políticas, económico-sociais, científicas, técnicas, fisiopsicológicas, musicais, geométricas, formalistas. A ‘interpretação espacial constitui o atributo necessário de toda a possível interpretação se esta quiser ter um sentido concreto, profundo, compreensivo em matéria de arquitetura. Oferece, por isso o objeto, o ponto de aplicação arquitetónico a todas as possíveis interpretações da arte e condiciona a sua validade’.


Em Arquitetura, o conteúdo social, o efeito psicológico e os valores formais materializam-se no espaço. Ao interpretar o espaço incluímos todas as realidades de um edifício: ‘Quem penetra na mais complexa indagação da unidade orgânica do homem e da arquitetura sabe já que o ponto de partida de uma visão integrada, compreensiva da arquitetura é o da interpretação espacial, e julgará todos os elementos que entram no edifício com o metro do espaço’. 

 

Ana Ruepp