Camilo Martins de Oliveira: o seu livro "Fomos em Busca do Japão"
Leio este livro e releio como se fosse ele um ponto de vigia que dá para as ondulações secretas de uma antiga humanidade, excelentemente filtrada pelas palavras e sentires interpretativos e plenos da luz certeira de Camilo Martins de Oliveira. É raro podermos ter a fruição de ler, uma ráfia de aconteceres, nomeadamente antropológicos, de uma cultura tão sabiamente entendida e meditada pelos negativos da memória, de quem, como Camilo de Oliveira disseca mistérios e os expõe às manhãs do entender de cada um de nós.
Desde logo “O Budismo Zen” marcou em mim a hora de uma porta aberta, a concluir com clareza, a compreensão das necessidades espirituais que acompanham o combativo guerreiro japonês ligado à vida dos samurais. Esta profissão, se bem entendi, carecia de uma moral vivida numa religião que os incentivasse a nunca olharem para trás, pois que o ato seguinte se decide sempre à frente, implique ele a morte ou a vida. Intrigante esta dimensão, este exército interno que conduz os guerreiros a um âmbar hermético do pensar e do agir, mas indispensável ao destino da completa realização do dever de um samurai.
O Zen é convicto filosoficamente de que se move numa religião de vontade, e que esta é caminho breve da Verdade. A Verdade do samurai que como nos diz Camilo tem de ser autoconfiante e auto-renunciadora, ambas apoio sólido ao espírito combativo. Assim nunca surgem os tempos de letargo e as horas solenes são todas as que os levam a combater tendo em vista um único objetivo: esmagar o inimigo sem emoções ou dúvidas, que constituiriam sérios obstáculos ao movimento do ir para a frente, como vocação entre o nascer do sol e o vir da noite, e, com o tempo certo de se debruçarem num sono que os liberta de terem nascido e de terem optado pelo ofício ao qual a vida, como a entendemos, não pode relevar. Afirma-se no livro, que o Zen é uma religião da força de vontade, e é dela, dessa vontade que precisam os guerreiros, ainda que não descuide o Zen, o poder da intuição, mas nunca atolado, antes sorvedouro da poeira que ofusque.
Acaso se adivinha que todos os que à morte se entregaram no seu crescer, não lhes pode turvar o caminho, uma lágrima que intua que a direção e o sentir dela, naquela álea do jardim - que afinal nunca é vista já que turvaria o dever do guerreiro e o seu suporte Zen nesta moral, nesta religião, nesta filosofia que tanto lhes esclarece a razão da morte - preciosa linguagem de que uma verdade se cumpra na hora certa e sob a língua imperial de uma lamina, e seja esta afinal a aventura samurai da descoberta.
Procuro espreitar nas exatas palavras de Camilo de Oliveira o inquietante e o belo do Budismo Zen que tanto o diferencia de outras seitas e o quanto o seu jardim até através da poesia chega aos nossos dias.
Existe uma visibilidade própria sobre o mundo do que acima tentei extrair das palavras que li, e que muito me intrigaram e muito me encantaram. É a visão de um outro lado da história, é a visão dos que nunca foram vencidos. Os samurais podem ser vistos como homens frios no agir, cruéis mesmo, como se nem o Zen lhes não fosse indispensável base à atitude olímpica do não duvidar. Imagino, digo, que estes guerreiros nascem dos dentes dos dragões; nascem homens armados que entram logo em luta sem qualquer náusea: criam as bases de uma sociedade como alguém que recebe heranças sucessivas sem qualquer ostentação; como se nada estivesse a acontecer que o seu poder obnubilasse o cimo do qual se vê a história.
E um dia, um médico, que conheci numa guerra - depois de operar sem qualquer anestesia, ou esta não fosse presença ausente naquele local longínquo do dito mundo civilizado – retirou-se para um canto do acampamento, sentou-se na terra, soprou o pó das mãos e abriu uma pequena e desconjunta brochura:
Ponto de vista explicativo da minha obra, de Kierkegaard, chave póstuma para o entendimento sobre o papel do indivíduo e a sua posição central no mundo. Abriu a obra na página certeira onde deixara um bisturi, qual marcador que repercutia no mais fundo da sorte aquela folha, presa mais da caça que da guerra.
Teresa Bracinha Vieira