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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


183. CAMINHAR


Há mais de dois mil anos, havia uns estudantes de filosofia, da escola aristotélica, que se chamavam peripatéticos. Receberam este nome porque filosofavam enquanto caminhavam, dado Aristóteles ensinar ao ar livre, enquanto lia e dava lições. Caminhavam, deambulavam, passeavam, refletiam e meditavam no exterior, lá fora. Andavam e pensavam com tempo, paciência e lentidão. Sem preocupações desportivas. Nem pensando sentados em bibliotecas. 


Caminhar, na sua essência, é mais um exercício espiritual, um ato ecológico em que aprendemos a respirar o corpo e a paisagem, a ser parte integrante da natureza, e não uma corrida, o acelerar e o andar muito, muito depressa, por uma classificação ou pontuação.     


É uma satisfação física, frugal, espiritual e tranquila, que nos permite obter os contentamentos mais profundos com poucos meios.     


Ao caminhar trabalhamos e pensamos com a mente, sentimos e vivemos o corpo, humanizamos a vida interagindo com a paisagem, dialogamos com o espaço e o tempo, sem demora, pois o mal da pressa apressa tudo.     


Há filósofos, escritores e caminhantes que têm o caminhar como a origem e a raiz do seu pensamento.     


Para Nietzsche, caminhar ao ar livre era condição do seu raciocínio filosófico, um elemento da sua obra e o acompanhamento da sua escrita.


Rousseau fazia caminhadas no campo, tendo-o como o seu gabinete, vindo-lhe as ideias no decurso de longos passeios.   


Kierkegaard sentia a necessidade de caminhar para pensar, compor e dissertar, e também andava, pensava e escrevia em cada recanto da sua casa, à noite, em Copenhaga, onde havia uma escrivaninha, papel e tinta. 


Wordsworth, poeta romântico inglês, é tido como o inventor da caminhada como ato poético, um poeta-caminhante. Nas suas caminhadas descobriu a inspiração de muitos poemas, ajudando a sua poesia em verso e a escansão, atraindo turistas e viajantes aos lugares que o haviam inspirado. 


Kant caminhava para escapar ao pensamento. Fazia-o todos os dias, em Konigsberg, na Prússia, onde habitava, de modo monótono, regular e inevitável, como uma obrigação higiénica, sempre à mesma hora, de tal feição que, consta, os vizinhos acertavam o relógio pelos horários rígidos das suas andanças a pé. “Passeio do filósofo”, eis o nome que foi dado, após a sua morte, ao caminho onde caminhava diariamente. 


Caminhar, para Rimbaud, era uma fuga. Caminhou toda a vida, em busca do transcendente e de um contacto puro com os grandes elementos da natureza: o sol, as estrelas, o vento, a chuva, o deserto, as montanhas.   


E se para Nerval caminhar transmite melancolia, uma melancolia ativa numa errância melancólica, para Thoreau é a energia do corpo em movimento, em que a última força de energia são as paisagens, que apoiam e questionam o caminhante.


Sem esquecer os líderes políticos e morais, como Gandhi e Luther King, que fizeram do caminhar, em marcha, do seu misticismo e desobediência pacífica, uma maneira de viver e de mudar o mundo. 


Há quem defenda que as caminhadas a pé devem ser feitas sem companhia, porque a liberdade é essencial, caminhando ao nosso ritmo e velocidade, embora seja impossível estarmos sós, tantas as coisas disponíveis à nossa contemplação.   


E há o diálogo entre o material e o imaterial, apropriando-nos da paisagem, fazendo dela parte da nossa existência, num caminhar ecológico de presença, serenidade e calma, esquecendo-nos dos pormenores técnicos mundanos.


É um caminhar, um meditar, uma fuga idílica aos problemas diários, associado ao silêncio, uma oração silenciosa numa peregrinação como peregrino. Preferível de manhã, bem cedo, em dias solares, vendo o sol nascer, em hora não abrasiva e sem sofrimento na caminhada.       


A solidão (ou o silêncio?), a sentir-se, é cada vez mais quebrada pela companhia crescente de animais de estimação, em percursos adequados, numa simbiose entre o humano, os animais e a natureza. 


Esta filosofia e arte, está distanciada das caminhadas modernas que não dispensam roupa, calçado e acessórios especializados, incluindo câmaras telefónicas e o sempre presente telemóvel para acelerar, pontuar e aconselhar, numa busca permanente de uma melhor performance, onde a técnica se alia à rapidez e à competição, ao desporto, alterando o sentido mais genuíno e autêntico de caminhar.


Na opinião de Fréderic Gross: “Para avançar lentamente, não se encontrou nada melhor que a caminhada. Para caminhar, há que ter duas pernas saudáveis. O resto é inútil. Quer ir mais depressa? Então, não caminhe, faça outra coisa: vá de carro, patine, voe. Não caminhe. Além disso, ao caminhar, um só desempenho conta: a intensidade do céu, a magnificências das paisagens. Caminhar não é um desporto” (em Caminhar uma filosofia).   


Finaliza: “A magia da caminhada consiste em descobrir, na repetição improdutiva dos passos, a razão sem razão para continuar (…) Quando estiver esfalfado, saciado de sol e de vento, pararei. Entretanto não penso, limito-me a caminhar, e a vida avança” (idem). 


Seja qual for a opção - caminhar para pensar ou não pensar, contemplar e meditar em silêncio, acompanhado ou fazendo jus aos padrões da modernidade - bom caminhar e boas caminhadas!    


12.07.24
Joaquim M. M. Patrício

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

 

50. CAMINHAR E MEDITAR EM SILÊNCIO

 

Caminhar e meditar em silêncio são exercícios de resistência.
O inverso do espírito de competição, num tempo dominado pelo ruído, em que a filosofia de vida predominante é a do mundo de negócios.
Caminhar e meditar em silêncio é terapêutico.
Uma cura, um remédio, um ansiolítico natural que recompensa.
É viajar com a mente, pensando enquanto se caminha.
Trabalhar com a mente, enquanto se anda a pé.
Viver o corpo, enquanto se caminha e medita.
A mente a trabalhar e a cooperar com as pernas.
É humanizar a vida.
Simbolicamente é uma aventura, um passeio palpável e intangível, uma experiência de aprendizagem, cognitiva e de procura do silêncio, desfrutando-o.
O nosso mundo mais próximo, que nos rodeia, é apreciado, explorado e festejado.
Abrimos os olhos e achamos a beleza onde não diríamos estar.
É respirar e sentir a paz.
Dialogar com o tempo e o espaço.
Ter paciência, sem pressa, pois o mal da pressa apressa tudo.
Arrumam-se ideias, obrigações, compromissos, conhece-se o pormenor do percurso, o nome das ruas e seus desvios.
É passear ao longo da praia, apreciada e sentida de manhã cedo, ouvindo o oceano, molhando os pés, apanhando conchas, vendo as gaivotas e o mar a enrolar na areia.
Saboreia-se e disfruta-se a natureza.
Degustamos a memória do tempo passado, o presente das coisas, a espera e o sonho das coisas futuras.
Purifica-nos a contemplação e o sentir do silêncio que nos falta.
Interrogamo-nos sobre nós próprios e os outros.
Sensibilizam-nos pormenores da paisagem que usualmente não vemos.
Ocioso, para muitos, apoiando-se na teoria de vida dominante, que concebe a existência como uma luta, na qual só é devido respeito ao vencedor.
Vive-se o corpo e a mente, cada um está mais perto de si, dada a intimidade, introspeção e concentração do caminhar e meditar em silêncio, sociabilizando mentalmente com outros.
Um prazer físico, espiritual, frugal e tranquilo.

 

08.05.2020
Joaquim Miguel de Morgado Patrício