Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
A arquitetura do movimento moderno ansiava eliminar qualquer ligação ao passado, qualquer tipo de atitude histórica e qualquer desejo de contextualização. Enfatizava-se a ideia de tábua rasa, vindo do exemplo do 'Plan Voisin' corbusiano. Entre os arquitetos modernos há uma reação exagerada contra academicismos, combinado com a ideia de que o progresso vem com o novo, com o nunca visto e com o original. Por isso, para um arquiteto, até aos anos setenta do séc. XX, a ideia de trabalhar sobre o existente não era muito sedutora. Porém, Carlo Scarpa (1906-1978) veio provar o contrário. A arquitetura de Scarpa entende muito bem, aquilo que William Morris descreveu como sendo a continuidade da história onde nada se mantém e onde tudo muda com o tempo.
Scarpa projetou muitos museus e espaços de exposição - e a sua grande realização neste domínio dá-se no modo como o objeto e o sujeito se relacionam. Scarpa coloca o objeto sempre em conversa direta com o observador (através do espaço desenhado em seu redor) e que deste modo passa a ter um papel ativo - no Museu de Castelvecchio, por exemplo, para que a estátua Cangrande fosse o ponto fulcral do edifício, demolições radicais foram feitas no canto edifício.
Scarpa conseguiu desenvolver uma linguagem muito específica e que pertence inteiramente ao séc. XX. Podemos encontrar referências japonesas, de Frank Lloyd Wright e do movimento holandês De Stijl, ao escolher deliberadamente planos assimétricos.
O detalhe da sua arquitetura é impressionante - Scarpa tinha uma adoração pela junta e pelo desenho dos objetos mais insignificantes (a maçaneta, a porta, o corrimão, a guarda, a janela, o degrau). Veneza é a maior referência para Scarpa e pemitiu formar uma arquitetura quase artesanal, onde ideias de leveza, flutuação, tensão, passagem do tempo e ruína estão sempre presentes.
Scarpa trabalhava no local de construção e dedicava muito tempo a investigar a história do edifício. Por isso, a arquitetura de Scarpa é capaz de redirecionar a atenção a detalhes históricos esquecidos, é capaz de se perder na individualidade e no ritmo irregular de cada matéria colocada. É uma experiência sensorial por excelência - o som da água e o toque do revestimento determinam a dimensão do espaço projetado.
Olhar para a arquitetura de Carlo Scarpa (1908-1978) ensina-nos a descobrir o interesse pela espessura da história, da matéria, da natureza, do detalhe e da invenção.
A arquitetura de Scarpa é acerca de camadas, de linhas, de massas e de volumes construídos. É um esculpir de superfícies.
Scarpa dá importância ao peso (se constrói em betão) e à leveza (se constrói em vidro). Concebe a forma como um todo, com elementos inseparáveis. O imenso respeito pelo contexto é concretizado pela importância e pela presença que cada elemento tem.
'In the work of Carlo Scarpa, ‘Beauty’, the first sense. Art, the first word, then Wonder.', Louis Kahn
Nuno Portas escreve no texto 'Carlo Scarpa. Um Arquiteto Moderno em Veneza.', que quem observar em pormenor a obra de Carlo Scarpa, não deixará de notar a invenção que caracteriza cada forma, cada articulação e cada elemento construtivo, por mais insignificante que seja. A arquitetura, surge assim como sendo um exercício intenso de desenho do detalhe. É necessário referir que Scarpa não fazia desenhos finais. Desenhava repetidamente sempre sobre o mesmo desenho. As camadas de espaço e de cor acumulavam-se num só desenho. Os seus desenhos são assim um registo simultâneo do processo do pensamento e do processo de construção.
O diálogo que Scarpa mantém com o passado é de abertura, porque o tempo presente está nas formas inventadas (que não são puras nem ideais, como declaravam os modernos). Afirma-se sempre um espírito de liberdade mas atento a condicionalismos. Cada forma aparece como sendo em simultâneo construção e detalhe, recusando qualquer simplismo nas soluções encontradas.
Para Scarpa, o tratamento do espaço é sempre complexo, dinâmico, intenso, intencional e dramático. Há uma constante diferenciação de pés-direitos, frequentes interligações dos espaços e uma contínua tensão entre os espaços cobertos e descobertos (N. Portas).
'Scarpa sai assim de uma habitual e limitada redução da obra arquitetónica à sua planta, tornando-a complexamente volumétrica através do estudo em altimetria em que conjuga o tratamento dos tetos, a iluminação, o jogo dos cheios e dos vazios, a variação certa no emprego dos diferentes materiais.', Nuno Portas
A obra de Scarpa precisa imensamente do ambiente preexistente e das referências exteriores para se tornar mais verdadeira. Os condicionalismos são para Scarpa reais sugestões para a sua imensa invenção arquitetónica.
O exemplo da obra de Carlo Scarpa é, assim, uma lição profunda de arquitetura sobre a importância simultânea do todo e do detalhe - onde a história, a memória e a fértil invenção humana contribuem para a continuidade entre os espaços interiores e exteriores, naturais e artificiais, iluminados e escuros, leves e pesados, complexos e puros.