Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Chegou-nos às mãos um exemplar de “Uma carta para Garcia” de Elbert Hubbard, editado em 1924 pela Seara Nova, onde é explicada a expressão muito usada em Portugal “Levar uma carta a Garcia”.
A Seara Nova ao editar este pequeno trabalho tenta divulgar a lição de energia, amor dedicado ao trabalho, estímulo pelo bem comum em prol da concretização de um resultado benéfico, sem levantar dificuldades.
O autor desta obra, filósofo e escritor dos Estados Unidos da América (EUA), diz-nos que demorou uma simples hora a escrevê-la, em 22 de fevereiro de 1899, data coincidente com o aniversário natalício de George Washington, depois de um dia de trabalho em que ele se tinha esforçado por induzir uns camponeses a vencerem o seu estado comatoso e a serem eficazmente ativos e empreendedores.
Quando estalou a guerra entre a Espanha e os EUA em 1898, tornava-se urgente e necessária a maior rapidez em contactar com o chefe dos revoltosos cubanos, o General Garcia, que estava nas montanhas agrestes de Cuba não se sabendo, todavia, o lugar exato em que o mesmo se encontrava. O então presidente dos EUA tinha de assegurar a cooperação daquele General com a maior brevidade. Alguém lembrou o presidente que existia um homem de nome Rowan que talvez pudesse encontrar Garcia pelo que foi mandado chamar e deram-lhe uma carta para entregar a Garcia. Rowan guardou a carta e quatro dias depois desembarcou de um pequeno barco na linha costeira de Cuba entrando pelo mato agreste. Três semanas depois saiu do lado oposto da ilha, depois de ter atravessado a pé um largo campo inóspito, não sem que tivesse entregue a carta a Garcia.
Hubbard decidiu relatar e publicar o atrás referido após uma discussão com o seu filho Alberto em que este considerou que Rowan foi o principal herói da guerra de Cuba pois terá ido, só, e cumprido a missão que lhe incumbiram: ”Levar uma carta para Garcia”. O autor verificou que seu filho tinha razão; um herói é sempre um homem que faz o seu trabalho completo, sem hesitações ou dúvidas.
O artigo foi publicado sem nome, devido à necessidade de ser publicado na revista Felisteu de março de 1899. Esta saiu e logo chegaram inúmeros pedidos de mais exemplares. Quando perguntada a causa de tantos pedidos disseram somente: “foi o artigo que se refere a Garcia”.
Verificou-se um êxito inédito deste número da revista e o artigo acabou por ser divulgado sob forma de folheto por todo o país, reimpresso em mais de duzentas revistas e jornais e traduzido em várias línguas.
O príncipe russo Iliakoff, diretor dos “Caminhos de Ferro Russos”, encontrava-se, nessa época, nos Estados Unidos da América, viu o folheto e interessou-se muitíssimo levando-o para o distribuir naquela empresa. O folheto surgiu então na Rússia, Alemanha, França, Espanha, Indostão e China e, durante a guerra entre a Rússia e o Japão (1904-1905), foi entregue a todos os soldados russos um exemplar de “uma carta para Garcia”. Os japoneses tiveram conhecimento do folheto através dos militares que foram feitos seus prisioneiros e assim o folheto foi traduzido e entregue um exemplar aos funcionários, civis e militares, do governo japonês.
Quando o presidente Mac Kinley deu a carta a Rowan este não perguntou nem quem era nem onde ele se encontrava, tomou a ordem como uma missão a cumprir.
Podemos dizer que Rowan é o modelo de homem que para qualquer um devia servir como exemplo quando tem uma tarefa a desempenhar e que em vez de um lamento, quê ou porquê, concentra as suas enegias para fazer o que deve, tal como: “Levar uma carta a Garcia”.
Miguel Torga, pseudónimo literário do médico Adolfo Correia da Rocha, em homenagem a Miguel de Cervantes, Miguel de Molinos e a Miguel de Unamuno, bem como a um arbusto, de nome torga, que nasce entre as inóspitas pedras da terra onde nasceu, S. Martinho de Anta, em 1907, vindo a falecer em 1995, a 17 de janeiro, em Coimbra onde exerceru a sua profissão na especialidade de otorrinolaringologia.
Na sua extensa obra literária dividida entre poesia, teatro e o romance, destaca-se um pessoalíssimo Diário, em prosa e verso, com dezasseis volumes publicados e onde se encontra de tudo: crítica social, polémica, esboços de contos, reflexões de moralista e muito frequentemente textos da mais elevada poesia.
É notório, ao lermos a sua obra, que o seu fundamento impregna uma religiosidade ou melhor dizendo uma espiritualidade visto que não se vislumbra uma obrigação inadiável, sentindo-se por alguns momentos uma inspiração fora de qualquer confissão religiosa.
A escrita de Miguel Torga poderá dizer-se “se situa nela própria”, excluindo a participação de qualquer Ser Supremo. Todavia, nota-se na realidade, uma capacidade subjetiva para recerber as “impressões e capacidade do sentir”.
Na sua espiritualidade observa-se uma postura hierática. O problema fundamental na sua construção literária não é Deus mas o Homem na relação com o “Deus Supremo” onde simultaneamente se cruzam.
No seu poema Legado, o homem é um produto da busca escatológica: “O que eu espero, não vem./Mas ficas tu, leitor, encarregado/De receber o sonho./Abre-lhe os braços como se chegasse/O teu pai, do Brasil,/ A tua mãe, do céu,/ O teu melhor amigo, da cadeia./(...)Não lhe perguntes por que tardou tanto/ E não chegou a tempo de me ver./Uns têm a sina de sonhar a vida,/ Outros de a colher.”
A espiritualidade em Torga, divide-se entre S. Martinho de Anta (a terra que o criou) e a sua vida. Isto nota-se no poema Prece: (...) “Sou sete palmos de lama:/ Sete palmos de excremento/Da terra mãe que me chama.(...) Senhor, acaba comigo/ Antes do dia marcado.”
Nota-se neste, um grito de revolta, de angústia e a sua crença. Miguel Torga procura dentro de si próprio uma liberdade que se prende à terra que confere o poder de lhe conceder os momentos de inspiração. O autor não ignora que a terra se encontra plasmada na sua obra tem o valor maior de que quanto maior é a sua angústia, revolta e inspiração, será sempre maior a liberdade para a qual ele não encontra uma liberdade possível: “Livre não sou, que nem a própria vida/ Mo consente./ Mas a minha aguerrida/ Teimosia/ É quebrar dia a dia/ um grilhão da corrente./ Livre não sou, mas quero a liberdade./ Trago-a dentro de mim como um destino. (...)
M.T. sente em Deus um poder absoluto que limita a ação humana e, por isso, ele próprio busca, no mais fundo de si, a liberdade. Pode com algum rigor dizer-se que não acredita na existência de Deus embora a sinta.
Pelo conjunto dos poemas retirados do seu Diário, alerta-nos para a presença de o homem ser um deus absoluto da própria terra, ser a causadora da angústia e teimosia ditando deus para o ser humano uma penitência para a eternidade. Trabalha de forma árdua tentando indireta mas subjetivamente substituir-se a Deus.
E que espiritualidade é esta que aproxima Deus dos homens e não os homens a Deus?
Sob o ponto de vista gnoseológico a Esperança apresenta-se como um estado emocional, que deseja e antecede um objeto. Que objeto? Constituído? Concreto? Real? Espiritual? A Esperança é no nosso entender, um percurso constituinte que caminha unido intrinsecamente ao Homem.
É tanto maior, quanto o Homem se encontra em momento de forte carência, debilitado física ou emocionalmente. Parece ser concorde a opinião de que se torna imprescindível à vida, é o catalisador da própria vida. No seu percurso pode na realidade ser um objeto físico, -um automóvel, o desejo de mudar de residência, uma viagem, necessidade de uma intervenção cirúrgica urgente, pode ser um desejo espiritual profundo, até o silêncio….Todavia no seu percurso, mais ou menos intenso, a Esperança ainda não transporta realidades mas antes espectativas futuras, realizáveis ou não mas sempre no ethos do próprio Homem.
O Papa emérito Bento XVI alta referência teológica, quão filosófica, na sua Encíclica Spe Salvi, referindo-se à Esperança, de forma preclara diz: Quem tem esperança, vive diversamente; foi- lhe dada uma vida nova. (2007),5.
Mas, a aplicação da esperança sempre relativamente ao futuro, também de outro modo não pode ser, dá ao ser Homem um futuro muito económico, porque se apresenta como facilmente renovável, substituível tornando como consequência uma vida tormentosa para este que nunca se verá totalmente satisfeito tornando a esperança contrária ao bom, e ao bem, principalmente quando o Homem se alimenta de desejos irrealistas. Mas não tenhamos receio de afirmar que esta faz avançar a economia dos estados, sem ela tudo estagnaria, entraríamos numa ataraxia perigosa, por doentia, estaríamos a adotar uma postura niilista.
Vejamos o que sobre esta matéria escreveu Zygmunt Bauman:”(todos os bens de consumo, incluindo os descritos como duráveis, são intercambiáveis dispensáveis; na cultura consumista-inspirada pelo consumo, e, por um curto período, alivia a dor alivia um sofrimento talvez grave; mas também pode ser uma armadilha, ao mesmo tempo que torna os eus clientes satisfeitos, “propensos a armadilhas”) a esperança é e podemos afirmar sem receio que é uma virtude! Virtude, quer seja realizável ou não, ela tem uma substância própria, uma identidade, é um corpus pleno de virtualidades que resta ao ser homem saber com o seu consciente, utilizá-la de forma inteligente de forma ética e moralmente.
“Sofro logo compro”: quanto mais isolado ou frustrado, mais o indivíduo tende a procurar felicidade imediata na compra.”Sucedâneo da verdadeira vida, o consumo apenas exerce a sua influência na medida em que tem a capacidade de confundir ou adormecer, de funcionar como um paliativo dos desejos frustrados do homem moderno” A.C. Grayling; O significado das coisas. (A aplicação da Filosofia à vida) Gradiva, 2002.
“É o que a observação nos mostra todos os dias: compramos mais quando nos sentimos carentes; a ida às compras permite-nos preencher um vazio, reduz o mal-estar que nos persegue.”
<Por meio da esperança e através da Fé temos como a Graça em que nos mantemos e nos gloriamos, em que nos mantemos na própria esperança de Deus> (Romanos 5, 3-4).
O Homem tenta na crise da Esperança criar uma antropologia sem Deus e sem Jesus. Assim o Homem tenta ser ele mesmo o centro de toda a realidade criando, ilusoriamente, o lugar do filho do Homem. Com isto o Homem abandona o seu semelhante sem rodeios e preocupações algumas.
Ele bem se preocupa em estar aberto a grandes espaços de novidade e grandeza mas infringe a sua conduta ética, viola as tréguas em conflitos armados não se deixando mostrar indiferente aos conflitos da guerra e simultaneamente fazendo atos próximos da corrupção.
A cultura europeia parece querer com isto “uma apostasia silenciosa que vive como se Deus estivesse ausente do mundo” (João Paulo II, Eclesia in Europa, n.º 9).
É sempre oportuno ter presente que um momento ofensivo pode renegar a Esperança e lucidez mais o seu sentido interno. O Homem tem de ter a coragem de olhar o mal de frente e profundamente recusando os lugares comuns formando homens vigilantes.
A Força e a Esperança solicitam ao Ser Humano para que olhe para a Vida mas com humildade. A esperança cristã tem a sua origem na história do próprio Homem. A nossa memória abre-nos à Esperança e para o Homem comum quanto mais o Homem sofre mais se abre à procura da própria Esperança. É um abrir que vai mais além, guardando o passado no coração e com isto deixa de ser um idealismo para ser uma continuação já iniciada na infância para que comece a sentir aquilo que parece ser uma palavra de mais com as outras.
Ter Esperança ou ser Esperança é já de si um princípio ontológico em que o próprio Homem absorve a Esperança mais intimamente. Diz-se que “enquanto há vida há esperança”, atrevemo-nos a dizer que “enquanto há Esperança há Vida”!