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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Cedric Price: a arquitetura e o ser humano.

 

'A city that doesn't change and replace itself is a dead city.', Cedric Price em conversa com Hans Ulrich Obrist

 

As cidades, para Cedric Price, são espaços que permitem o homem ter uma noção mais precisa de tempo. Por isso, a arquitetura da cidade deve tomar a forma de um diálogo contínuo, com o homem e a sua circunstância. Esse diálogo envolve todas as pessoas (ricas ou pobres) que acreditam num bem comum e num futuro melhor e mais próspero do que o do tempo presente. 

 

Price acredita que a arquitetura deve então servir três medidas: a comodidade (boa economia), a firmeza (boa estrutura) e o encanto (bom diálogo). Mas considerando sempre a flexibilidade, a imprevisibilidade, a incompletude e a incerteza - a sua ideia muito influente de 'não plano' sugeria uma abordagem orgânica para criar e mudar constantemente as paisagens arquitetónicas. 

 

'The Fun Palace served as a launch pad to help people realise how marvellous life is. After visiting the palace they went home thankful that their wife looked as she did and that their children were noisy; the 'key' had opened the door for them.', Cedric Price

 

Price acredita que infelizmente a arquitetura contemporânea não faz o suficiente - não transforma, não enriquece, não anima, não dá sentido e não preenche a vida tal como um livro ou a música o fazem. E para que se consiga melhorar o desempenho da arquitetura (de maneira a evitar a conceção de meros objetos simbólicos de identidade, poder e ordem), têm de se reconhecer quais as oportunidades, que a arquitetura oferece, capazes de aperfeiçoar e melhorar a vida. 

 

Por isso, o compromisso de Price não é com a arquitetura, mas com um valor ou efeito maior e que a arquitetura deve servir incessantemente. 

 

A arquitetura não deve determinar o comportamento humano, mas sim abrir possibilidades, ser condensador de vida. Na verdade, a arquitetura deve ser relevante para a experiência humana porque é um veículo de constante comunicação.  

 

A arquitetura de Price não dá nada por certo - só assim pode ser absolutamente neutra em relação à experiência que os seus ocupantes retiram ao habitarem nela. Price acredita, pois, que o arquiteto deve projetar um objeto anónimo e neutro, cujo fim é a não determinação total da experiência dos ocupantes nesse espaço.

 

Sendo assim, Price afirma que a arquitetura deve atender sempre e primeiramente às necessidades humanas (ser temporária, incompleta, mutável, aberta e acessível) e se por qualquer motivo o objeto construído deixar de atender à sua finalidade tem de ser radicalmente transformado ou mesmo demolido. 

 

'A greater awareness in architects and planners of their real value to society could, at the present, result in that rare occurrence, namely, the improvement of the quality of life as a result of architectural endeavour.', Cedric Price 

Ana Ruepp

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Uma breve introdução à obra de Cedric Price.

 

Desde os anos sessenta, Cedric Price (1934-2003), é uma das figuras mais influentes do mundo da arquitetura. Embora, muito poucos projetos tenham sido de facto construídos, as suas ideias e propostas sempre se constituíram referência e ainda hoje têm impacto no que diz respeito ao desenvolvimento urbano. 

 

Os seus temas de eleição sempre se relacionaram com o tempo e com o movimento. Ora, Cedric Price sempre se opôs a qualquer tipo de permanência - os seus projetos, continuamente testam os limites físicos da arquitetura e utilizam a incerteza e a incompletude como inspiração. 

 

Price alimentava a ideia de que um objeto construído tem de ser muito flexível para se adaptar constantemente às necessidades do homem, que é um ser por natureza em mudança.

 

O Fun Palace (1961-1974), apesar de nunca realizado, é um projeto manifesto - a estrutura é efémera (tempo de vida limitado a 10-20 anos), combina elementos fixos e móveis ('this would allow the user to be free for what he or she would do next.') e deseja ser o oposto de uma estrutura inflexível promovendo um constante diálogo transdisciplinar.

 

Muitas ideias de Price, maximizam a potencialidade da mobilidade, bem presente no projeto 'Pottery's Thinkbelt' - universidade cujas aulas são lecionadas dentro de carruagens em andamento sobre linhas de comboio em desuso - e no projeto do aeroporto sobre rodas - que poderia ir onde fosse necessário.

 

O aviário do Jardim Zoológico de Londres, também foi pensado para se mover, dependendo da direção de voo dos pássaros e dependendo das condições externas. Na verdade, a sua forma altera-se à medida que a força do vento varia ao longo do tempo.

 

Nos anos noventa, Price concebeu o projeto Magnet, que compreende uma série de estruturas efémeras que existem 'entre' espaços urbanos (escadas, passeios, elevadores, arcadas e cais) e que desejam ser desencadeadores de relações, acesso e encontros, de modo a estimular o movimento e a informação dentro da cidade.

 

'Flexibility, responsiveness, transience, relativity joy. Championing these as the principles of urban design, the freeing of the human within the structure, in opposition to the engrained doctrine of unyielding, static, constrictive architecture as earned Cedric Price iconic status not only among contemporary architects, but also artists and thinkers and alike.', Hans Ulrich Obrist 


Ana Ruepp

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

O Centro Georges Pompidou.

 

'Architecture must concern itself continually with the socially beneficial distortion of the environment.', Cedric Price 

 

Logo após os acontecimentos de maio de 1968, Georges Pompidou depressa percebeu a importância da cultura ao representar os valores mais elevados do estado. Foi em 1969, que Pompidou, num ato de alta dedicação cultural, decretou que, um novo tipo de centro cultural, deveria ser construído no centro de Paris. Um concurso público foi assim aberto, de maneira a criar um novo centro de vida urbana, em Beaubourg.  O concurso pretendia responder às seguintes exigências do programa: nova biblioteca, instalações para exposições temporárias, um novo museu nacional de arte moderna, um centro de design industrial, cinemas e espaços para performances e um espaço para o IRCAM (Institute for Research and Coordination in Acoustics and Music). 

 

Em 1971, o júri, constituído por Jean Prové, Philip Johnson e Oscar Niemeyer, atribuiu o primeiro prémio à radical proposta de Renzo Piano e Richard Rogers, por ter sido a única a dedicar metade da área de implantação a um espaço público. Piano e Rogers pretendiam eliminar noções de espaço e tempo, numa estrutura construída constantemente flexível. Uma estrutura neutra e fixa seria então criada, de modo a ser capaz de incluir as várias partes mutáveis do programa. Todos os espaços máquina ou servidores do edifício seriam colocados como elementos de cor nas fachadas. Piano e Rogers desejavam, por isso, levar ao extremo a ideia de Louis Kahn ao conceber a existência de espaços servidos e servidores. E ao monumentalizar-se a estrutura e os seus serviços fez com que o conteúdo interior, que ao ser flexível, deixasse de ter uma identidade permanente.

 

'A taste for the polemical prevailed, and form was used symbolically to destroy the typical image of a monument and replace it with that of a factory. The factory as a place for making and, therefore, also for making culture - that was the aim.', Renzo Piano

 

Ora, a proposta de Piano e Rogers consegue concretizar em simultâneo a animação tecnológica das colagens dos Archigram e a espontaneidade do Fun Palace de Cedric Price.

 

Sem dúvida, a chave da proposta para o Pompidou está para além da vida mutável do seu interior. A forte interação do edifício com o contexto urbano, possibilitada pela criação da nova praça, permite criar relações e ligações completamente novas e estimulantes, deixando de ser um mero objeto estéril no espaço. A proposta de Piano e Rogers consegue sobretudo sublinhar que a cultura é assim aberta, mediadora, capaz de promover o diálogo inter-subjetivo e transportar em permanência valores de liberdade. 

 

Ana Ruepp