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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

  

De 23 a 29 de setembro de 2024


Gonçalo Ribeiro Telles disse um dia que desejaria que Portugal no futuro fosse uma espécie de Gulbenkian. Lembrámo-lo na inauguração da extensão do Jardim do Parque de Santa Gertrudes e do novo Centro de Arte Moderna (CAM).


Numa das últimas conversas que tive com Gonçalo Ribeiro Telles, encontrei-o satisfeito com a extensão do Parque da Gulbenkian até ao limite natural da Rua Marquês de Fronteira e com o projeto de Kengo Kuma e Vladimir Djurovic para o Centro de Arte Moderna. As objeções antigas tinham desaparecido, uma vez que o edifício renovado passaria a ligar a natureza e a construção, deixando de haver um muro cego, privilegiando-se a leveza e a transparência, salvaguardando-se a qualidade da paisagem. O Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian que reúne a mais significativa coleção de arte moderna e contemporânea portuguesa, em diálogo com o panorama internacional, reabre ao público depois de quatro anos de profunda remodelação. O CAM, da autoria original de Leslie Martin, inaugurado em 1983, graças à iniciativa do Doutor Azeredo Perdigão, foi agora completamente redesenhado pelo arquiteto japonês Kengo Kuma, em colaboração com o arquiteto paisagista Vladimir Djurovic num projeto que visou estabelecer uma mais efetiva ligação entre a natureza envolvente e o edifício, que está imerso na paisagem, em sintonia com a ideia original de Gonçalo Ribeiro Telles e de António Viana Barreto. E o simbolismo da cobertura do engawa, o telhado do novo edifício da CAM, permite a ligação entre a imagem das placas de cerâmica branca inspiradas nos azulejos portugueses e o desenho das grandes embarcações que se aventuraram nos mares.


Abrangendo múltiplas iniciativas, a reabertura do CAM, inicia-se com Leonor Antunes, numa investigação e apresentação de obras e percursos de artistas mulheres, agora revelados à luz do dia, como elementos determinantes no movimento moderno, numa história antes marcada pelas desigualdades. O ponto de partida de Leonor Antunes é um diálogo rico e inesperado com Ana Hatherly, centrado no contraste entre as linhas do negro da tinta da china e o fundo branco num entrançado em que a aparência caligráfica representa a destreza e a fluidez, numa lógica de sobreposição, capaz de contrariar a “desigualdade constante” que o tempo foi aceitando por inércia e que a liberdade artística procura contrariar – abrindo espaço e tempo para quem antes ficava na penumbra… “Da desigualdade constante dos dias de Leonor” procura, assim, um sinal de coerência no sentido da igualdade e da superação de uma história de subalternidade e de exclusão, relativamente às artistas-mulheres. O CAM, ao reabrir as suas portas, dá um sinal emancipador sobre a importância da mulher, fiel ao espírito de Madalena Azeredo Perdigão e ao ar fresco do ACARTE de boa memória, com o lema “Vamos correr ricos”. E Ana Hatherly vai às raízes e representa variações a partir do vilancete de Camões “Descalça vai para a fonte / Leonor pela verdura / vai formosa e não segura”. Um tema emancipador, vindo de tempos remotos, que abre campo à modernidade. Com uma rara capacidade de pôr em ação o confronto integrador de espaços, volumes e intervenções, Leonor Antunes articula e reconstrói diferentes experiências e tempos históricos, numa circularidade fecunda que realça a transparência do novo CAM, entre Arte e Natureza, numa rica hospitalidade para acolher um mundo múltiplo e diverso, disponível para encontrar os novos e os de sempre e capaz de entender a moderna contemporaneidade.


UMA LINHA DE MARÉ
«Linha de Maré» é uma mostra que parte de 25 de Abril de 1974 para chegar aos nossos dias, com curadoria de Ana Vasconcelos, Helena de Freitas e Leonor Nazaré refletindo sobre as mudanças em curso, sobretudo relacionadas com o planeta, questionando a relação do homem com o mundo natural. São obras de pintura, desenho, vídeo, fotografia e escultura não antes mostradas, com Mónica de Miranda, Filipa César, Graça Pereira Coutinho, Kiluanji Kea Henda, Rui Chafes e Paulo Nosolino. Gabriel Abrantes assina uma instalação vídeo, Bardo Loop, encomenda original do CAM para a circunstância, que corresponde a uma reflexão muito séria e tocante sobre a dignidade humana.


Em «O Calígrafo Ocidental», Fernando Lemos surge como o autor surpreendente e inesquecível, com uma obra muito rica e multifacetada que se exprime de um modo especial através de um diálogo peculiar com o Japão, que os portugueses foram os primeiros europeus a encetar, e que aqui se reinventa. Trata-se do testemunho vivo sobre o período passado pelo artista no Japão no ano de 1963, para estudar a caligrafia e a arte japonesas durante seis meses, graças à bolsa de estudo da Fundação Calouste Gulbenkian, que lhe permitiu um “encantamento” com que “encheu os olhos e a alma”. E costumava dizer: “Quanto mais desejo, mais invento o que vejo”. Eis o que pode dizer-se sobre o que significa a extraordinária originalidade do artista. E Fernando Lemos permite-nos compreender que a procura de uma sombra é sempre busca da eternidade, como ensinam os calígrafos japoneses, ajudados por uma sabedoria milenar, na qual o artista português procurou as raízes essenciais da dignidade humana. Afinal, “Letra é um desenho mudo que começa numa ponta e acaba noutra, produzindo sempre que caminha um som diferente”. É o que encontramos na fantástica exposição do CAM, concretizada por Rosely Nkagawa e Leonor Nazaré e enriquecida pela profunda reflexão de Ryuta Imafuku.


O CANTO DOS CRISTÃOS ESCONDIDOS
A Sala de Som recebe The Voice of Inconstant Savage, com uma instalação sonora de Yasuhiro Morinaga que sobrepõe uma oração inspirada no relato de um missionário português do século XVI, um canto dos cristãos escondidos, além de referências tradicionais de Nagasaki, da Amazónia e do canto gregoriano ocidental. Ainda no âmbito da Temporada de Arte Contemporânea Japonesa, o artista Go Watanabe apresenta uma intervenção, em que a sensibilidade criativa procura o encontro das diferenças. Já Didier Faustino concebeu uma sala de vídeo itinerante, H-Box, apresentada no Centro Pompidou em 2007, numa encomenda da Fundação Hermès, que agora permite a apresentação de 12 vídeos, com curadoria de Benjamin Weil.


Contíguo à Galeria da Coleção encontra-se o acervo do CAM que terá parte das suas reservas acessíveis ao público, numa iniciativa original, que permite alargar a capacidade para mostrar a coleção. Pretende-se assim garantir que não haja um lado esquecido de uma coleção tão rica, dando aos visitantes a possibilidade de se reencontrarem com obras referenciais de várias décadas da ação da Fundação Gulbenkian na promoção da formação e do desenvolvimento da criação artística entre nós e no contexto internacional.   


Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença