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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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EM BUSCA DE IDEIAS CONTEMPORÂNEAS

Folhetim de Verão - Capítulo 29
 

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UM TEMPO DE PRIMAVERA
 
Chegamos ao termo do Folhetim de Verão de 2025. Partimos de um desafio lançado pelo nosso decano, Edgar Morin, no ano em que, cheio de energia, completou 104 anos de vida. Quis deixar uma homenagem aos seus amigos portugueses, uma vez que lhe permitiram ter uma experiência única de vida. A democracia portuguesa não nasceu de geração espontânea, mas fruto de um caminho largo e longo. Houve muitos resistentes, houve prisioneiros e torturados, mas nada teria sido possível sem uma persistente preparação intelectual, e uma solidariedade internacional. Nada foi fácil. Como se viu no imediato pós-guerra, em termos geo-estratégicos, a situação da Peninsula Ibérica não era fácil. Logo em 1945 houve antigos oposicionistas e jovens entusiastas que pretenderam criar condições para um abertura política e eleitoral. Tal não foi possível. Se virmos bem, foram muito poucos os apoios internacionais à causa democrática portuguesa. Só a Itália contou com a existência de iniciativas políticas e parlamentares visando o apoio às resistências ibéricas. Contudo, a partir dos anos sessenta, há uma tentativa séria que Edgar Morin quis destacar e que envolveu um grupo de fraternais amigos portugueses, que desde cedo o pensador francês reconheceu como possuindo um visão de largo prazo. Se no curto tempo, houve quem suscitasse dúvidas ou pretendesse uma ambição maior e mais profunda, a verdade é que quando analisamos o prazo longo da institucionalização da democracia, verificamos que em vários campos de ação foi possível lançar diversas pistas na sociedade civil, que produziram efeitos positivos, de modo transversal. Referimo-nos ao grupo que teve como principal animador António Alçada Baptista, à frente da revista “O Tempo e o Modo”. Quer junto da oposição tradicional, de Mário Soares e Francisco Salgado Zenha, quer junto de uma ala renovadora do Estado Novo, de José Guilherme de Melo e Castro, José Pedro Pinto Leite, Veiga Simão, Rogério Martins ou João Salgueiro, quer de modo inesperado através dos jovens milicianos mobilizados para o esforço de guerra, como Ernesto Melo Antunes, assinantes ou leitores de “O Tempo e o Modo”, quer ainda por parte de intelectuais de todos os campos políticos que respeitavam António Alçada, o certo é que se criou uma verdadeira rede de cumplicidades que permitiria no período seguinte à Revolução encontrar condições de estabilização.
 
Temos, assim, uma convergência na sociedade civil que assegurou uma transição diferente da espanhola, mas com pontos de contacto. Podemos dizer, por exemplo, que os “Cuadernos para el Diálogo” de Joaquin Ruiz Gimenez tiveram um papel semelhante a “O Tempo e o Modo”. Os contactos com opositores espanhóis, como Dionísio Ridruejo no Centro Nacional de Cultura, José Bergamin, com Tierno Galván ou José Vidal Beneyto e com desenvolvimentistas moderados fizeram-se sentir. Se em 1945 a democratização não encontrou um clima internacional favorável, a partir de 1958, a candidatura de Humberto Delgado e o memorando do Bispo do Porto tiveram efeitos significativos e irreversíveis internos e externos e a Livraria Moraes e a revista de Alçada Baptista foram os símbolos culturais evidentes. Mário Soares compreendeu o novo paradigma que e não só se abriu a uma cooperação nova relativamente às relações no seio da oposição tradicional, mas também teve oportunidade de vincar a necessidade de uma lógica liberal democrática e europeísta. Por outro lado, os estudantes universitários da crise de 1961, como Jorge Sampaio, marcariam a sua presença, logo no primeiro número da nova revista.
 
É importante deixar claro que Edgar Morin, bem como Jean-Marie Domenach da revista “Esprit” e Pierre Emmanuel, no Congresso para a Liberdade da Cultura, conjugaram esforços no sentido de batalhar no campo intelectual pela democracia. No Centro Nacional de Cultura, Sophia de Mello Breyner e Francisco Sousa Tavares desempenhariam um papel muito profundo quer no mundo intelectual, designadamente com jovens escritores, poetas e artistas, mas também junto de católicos inconformistas, como Frei Mateus Peres e Frei Bento Domingues, além de Nuno Teotónio Pereira, que lançariam as sementes da opção democrática e anticolonial, rompendo com a posição tradicional da oposição, ainda sob os efeitos do ultimatum inglês de 1890. João XXIII, ao convocar o Concílio Vaticano II fê-lo para superar a lógica do eurocentrismo, pondo a tónica nos sinais dos tempos, como salientaria na encíclica “Pacem in Terris”. Lembre-se que nos trabalhos do Concílio apenas usaram da palavra dois bispos portugueses, de tónica renovadora – D. António Ferreira Gomes (Porto), e D. Sebastião Soares de Resende (Beira). Domenach tenta mobilizar os leitores de “Esprit”, mas o efeito não demorará, a revista é proibida em Portugal. Nem mesmo a referência ao nome da revista é permitida pela censura, pelo que os redatores portugueses passam a usar a expressão de “revista de Mounier”.
 
Edgar Morin entusiasma-se com os amigos portugueses que em muito pouco tempo evoluem rapidamente no sentido da compreensão das causas profundas da justiça e da solidariedade humana. No fundo, a ideia de complexidade que ocupa as investigações de Morin encontra eco no generoso contributo de quem no dia a dia vai provando a vantagem indiscutível dos compromissos, que aproveitam os contributos de todos na medida das suas especificidades. A Democracia constrói-se a partir da compreensão da vida quotidiana e nada melhor do que fazer da entreajuda o método adequado para defender o bem comum. Sempre a relação entre a Raiz e a Utopia, entre a tradição e a modernidade, entre o passado e o futuro. Daí a importância da partilha de preocupações e de uma reflexão em diálogo, assente na aceitação das diferenças e na procura de uma mediação no seio das instituições. Sendo a liberdade um valor essencial para Edgar Morin, o certo é que há nele uma preocupação dialógica sempre presente.
 
A fonte do Humanismo europeu encontra-se na Grécia e no Cristianismo – que determinam uma ideologia, um conflito e uma inter-fecundação mútua das diferente fontes. E há ainda a ciência como domínio do conhecimento e da experiência. Mas Morin pôs sempre em diálogo realidades diferentes que constituem a pessoa humana. Por isso gostava de lembrar o pensador italiano que falava da ciência como “cantiere tumultuose”, “estaleiro tumultuoso”. Falando de Pascal e Dostoievski, lembrava que Pascal leu Montaigne e apreendeu o ceticismo crítico. Ora, Pascal era um cientista, um espírito racional, que pretendeu com as armas da razão mostrar os limites dessa mesma razão. Contudo, também era um homem de fé. E vai demonstrar que a competência da Razão é limitada, ou seja, há uma ordem, a que chama ordem da caridade que a razão não pode alcançar. Pascal utiliza o ceticismo para criticar a razão. Rompendo com o pensamento teológico clássico, para o qual Deus é absolutamente evidente e provado, diz-nos que Deus é incerto, sendo um assunto a discutir. E propondo este desafio, como aposta, introduz a dúvida e a controvérsia no que é mais fundamental – Deus. É evidente que este pensamento de Pascal, pensamento trágico, que ele viveu de uma forma intensa, é um dos fulcros mais extraordinários da cultura europeia. Quanto a Dostoievski, é preciso dizer que a cultura russa é uma das grandes culturas europeias como cultura viva, porque vive da oposição entre eslavofilia e ocidentalismo. O autor de “Crime e Castigo” assume, assim, essa contradição com um intensidade incrível. Depois de ter sido um revolucionário ocidental, torna-se um eslavófilo pro-czarista, mesmo sem perder fermento da dúvida e da contradição, que se exprime no “Apólogo do Grande Inquisidor”.
 
A cultura europeia é, assim, marcada pela tragédia e pela contradição e teve um potencial universal desde o seu nascimento. Mas, apesar da sua particularidade – na racionalidade, na ciência e no humanismo –, está hoje universalizada. Há três séculos o Ocidente era uma pequena porção da Europa, hoje, a Europa é uma pequeníssima parte do Ocidente… Não somos proprietários de uma cultura. Somos apenas herdeiros, o que é bem diferente. E assim estamos numa situação em que o património é comum a toda a Humanidade.
 
A intensidade dos debates e das reflexões torna-se essencial. Por isso devemo-nos empenhar para que esta problematização se transforme num novo Renascimento. Esta é a preocupação de Edgar Morin, não perder a memória de mil encontros fundamentais. Daí a insistência em deixar fixada a importância deste encontro português, que definiu a construção da democracia entre nós, não como protagonismo, mas como pano fundo, como rede de cumplicidades. Estamos num diálogo vivo, não de protagonistas maiores, mas das subtis sinapses que permitem aos acontecimentos importantes ter lugar. E muitas vezes um encontro aparentemente menos importante torna-se a chave essencial de uma explicação, exatamente como o acontecimento é verdadeiramente o grande mestre interior.
 
 
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Folhetim de Verão - Capítulo 30

 

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O TEMA DAS IDENTDADES

 

Depois de um percurso feito com a condução dos maiores pensadores contemporâneos, regressamos ao início. Para Edgar Morin, o pensamento contemporâneo está confrontado com os desafios da complexidade e da diversidade. Por isso, as identidades devem ser vistas pelo prisma das diferenças. Eis por que razão a democracia e o Estado de direito devem centrar-se na dimensão universalista da dignidade humana, no respeito mútuo, na abertura, na separação de poderes, no pluralismo e na compreensão de todos. Oiçamos, por isso, Edgar Morin.

“Ao falar do sujeito e do mundo gostaria de dissociar as duas palavras. Que é o sujeito? É um ser que se coloca no centro do seu mundo. Tudo o que se refere ao mundo é também referido a ele, em função do seu desejo, em função do seu egocentrismo e do seu querer viver. O ser vivo é de facto egocêntrico. Egocentrismo não significa, porém, necessariamente egoísmo. O sujeito é o centro do mundo. Felizmente, ele pode inscrever-se na categoria de “nós” e hesita entre o egoísmo e o altruísmo. A ideia de morte é também essencial para se compreender o que é o sujeito puramente humano. O ser humano tem horror à morte, que não é apenas uma decomposição física, mas uma destruição do seu ser e da possibilidade de dizer ”eu”. A destruição do “eu” é muito mais lamentável do que a dispersão das moléculas de um corpo. A morte introduz uma contradição na consciência do sujeito. Ele toma consciência de que é tudo para si mesmo e nada para o mundo. De facto, há uma relação permanente entre o tudo e o nada. Segundo um olhar objetivo, feitas as contas, o “eu” torna-se nada. O mundo aparece como comédia e como tragédia. O mundo é simultaneamente horrível e maravilhoso. E nós, segundo o nosso humor, e segundo momentos de alegria ou de menos coragem, vemos quer o lado maravilhoso quer o lado trágico e horrível da vida. É um toque de complexidade pensar que o maravilhoso do mundo não esconde o seu horror e que o lado negativo não faz desaparecer o maravilhoso. No que toca à identidade humana podemos assinalar que temos necessidade, pelo menos em parte, de referir o ancestral. Aliás, na sociedade tribal, alguém se define como filho, como no caso dos filhos de Israel, por exemplo. Dito de outra maneira, nós definimo-nos ao ascendente, pelo pai, pela mãe, e assim por diante, em relações a outros seres diferentes de mim. Nas sociedades arcaicas, o ascendente pode ser o ancestral. Pode até ser um animal ou um Totem. Doutro modo, a sociedade humana não pode pensar a sua unidade senão através da ideia de comunidade fraternal. Por isso, a nação moderna não pôde existir sem o tema mítico da pátria. A palavra nasce de modo paternal, masculino, para terminar de modo maternal, no feminino. Amamos a pátria, ela ama-nos, ela nos acolhe. Nós falamos mesmo de mãe-pátria. O lado paternal leva-nos à autoridade do Estado, a que devemos obedecer. A pátria, nos momentos de perigo, diz-nos como na “Marselhesa”: “Allons enfants de la patrie”. Tornamo-nos irmãos pelo tema da pátria. A identidade tem assim necessidade de algo muito concreto, muito carnal, ligado às figuras reais do pai, da mãe, dos irmãos e das irmãs, mas também das figuras mitológicas que colocam a ideia de consanguinidade, etc.

Então o que é a Europa? A Europa, no fundo, é uma pátria em formação. E a pátria, como ideia de nação foi posta em destaque por Otto Bauer, teórico marxista austríaco do fim do século passado, ao salientar a ideia de comunidade de destino. É preciso que nos sintamos, com razão ou sem ela, ligados a um destino comum para que efetivamente tenhamos um sentimento de pertença a uma entidade comum. Para uma pátria, o destino comum vem de muito longe, das origens. Para Portugal como para todas as nações, sabemos que o destino comum vem de uma história passada. Mas para a Europa o caso é inverso. Partimos de um destino comum, que queremos construir com um certo número de instituições e com o euro. Este destino comum, que não existia no passado, fazemo-lo retroagir à história. Aí se situa um processo interessante que se relaciona como conjunto passado – futuro – presente. E o passado pode ser revelado retrospetivamente pelo presente. Quando consideramos o passado, sem ter uma ideia de Europa, o que vemos? Vemos guerras, guerras incessantes. Se temos uma ideia-presente de Europa, vemos que essas guerras têm carácter típico, pelo menos até ao período napoleónico e até meados do século XIX. Há uma alteração das coligações, cada vez que uma potência tende a tornar-se poderosa ou hegemónica e visa controlar a Europa. Então a aliança muda. O rei de França Francisco I, vendo-se cercado pelo Império de Carlos V teve a ideia de se aliar aos turcos, ao inimigo. A Europa é um jogo de mudanças. E Napoleão construiu uma unidade europeia contra si próprio. Com a Primeira Guerra Mundial as regras alteraram-se num jogo de violência terrível. No fundo, a Europa fez-se de nações que queriam impedir a hegemonia de uma dentre elas sobre as outras e assim visavam salvar a diversidade europeia. Deste modo, na ideia de Europa temos historicamente esta consideração fundamental que é a sua diversidade.

Pensemos retroativamente, vimos que a Europa moderna, no Renascimento, constituiu-se por grandes correntes transeuropeias, que atravessavam as nações em guerra, e que, em geral iam de Este para Oeste. Houve, é certo, o cristianismo, religião que foi expulsa das suas terras originárias no Médio Oriente e na África do Norte. Houve depois o Renascimento, o regresso dos gregos, a laicização, a ciência, o desenvolvimento técnico, o progresso económico, as grandes correntes de ideias e as grandes correntes literárias. Direi mesmo que o Renascimento, no século XVII, do ponto de vista arquitetónico teve a sua grande obra-prima no Norte, nas neves, em S. Petersburgo, a mais bela cidade de inspiração italiana pelo espaço e pelo céu. As luzes partem de Paris e estendem-se a toda a Europa. O Romantismo parte de Iéna e estende-se a todo o velho continente. O naturalismo, o simbolismo, o surrealismo espalham-se pelo mundo enquanto a Europa se refaz. A Europa pode, assim, começar a tomar consciência a partir de uma projeção para o futuro e de uma clara vontade de presente, mesmo sem encontrar no passado o mito de uma unidade e de uma identidade europeia. A poli-identidade é um fenómeno cada vez mais normal: crianças de casais mistos têm um sentimento de dupla pertença, às vezes mais forte do que a da identidade autónoma. E depois há as identidades concêntricas: somos da mesma família, da mesma região, do mesmo país. Podemos ter a mesma religião, podemos ser europeus, mas podemos ser também mediterrânicos e cidadãos da terra”.

 

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EM BUSCA DE IDEIAS CONTEMPORÂNEAS

Folhetim de Verão - Capítulo 29
 

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  Jürgen Habermas

 
NÃO ESQUECER O ILUMINISMO…
 
A Editorial Trotta publicou Jürgen Habermas, Una Biografia, da autoria de Stefan Müller-Doohm, obra dada à estampa em Berlim em 2014, na qual encontramos o percurso intelectual e cívico de quem é indiscutivelmente uma das consciências morais da Europa contemporânea. E neste momento de tantas incertezas, em que os egoísmos e a cegueira do curto prazo tendem a prevalecer, é importante recordarmos alguém que representa a necessidade de reflexão e do espírito da Ilustração, não numa lógica fechada e positivista, mas numa perspetiva aberta à diversidade e capaz de ligar as ideias e os acontecimentos, a razão e os sentimentos.
 
O tema da democracia está na ordem do dia. Há nuvens negras no horizonte e temos de estar despertos para os perigos que espreitam. Nada há de mais sério. E se hoje há urgência na prevenção e na ação, para que a saúde pública não contrarie a democracia e possa estar associada à retoma na economia e na sociedade, é importante falar do “patriotismo constitucional” e da “democracia deliberativa”, de que trata Habermas, não apenas nas democracias nacionais, mas também na vida supranacional, em especial europeia. Num momento em que há sinais preocupantes, em que a dúvida se confunde com a descrença, e em que o desalento alimenta a desistência, importa não esquecer o que nos diz o filósofo: “A verdade não existe no singular”, pelo que a legitimidade democrática deve ligar-se à mediação das instituições e ao envolvimento dos cidadãos. No debate europeu, infelizmente, há sinais de recusa de uma elementar solidariedade que contrarie a fragmentação e a lógica do salve-se quem puder. E Habermas lembra as origens da União Europeia, como construção de paz e desenvolvimento, capaz de integrar as diferenças, sem esquecer a memória histórica, não numa perspetiva de culpa (se lembrarmos o Holocausto), mas sim de responsabilidade. E a tarefa do intelectual tem de ser a de melhorar o lamentável nível do discurso das confrontações, evitando a todo o custo o cinismo. Um filósofo intelectual é contemporâneo dos nossos contemporâneos – e daí a sua necessária inserção numa ética de responsabilidade. É esse o papel que Habermas assume, com todas as limitações e virtualidades – lembrando tantas vezes aos seus alunos: “Nunca te compares com um génio, mas trata sempre de criticar a obra de um génio”.
 
Nesta perspetiva, ainda jovem, o filósofo ousou afrontar Heidegger, em 1953, num texto publicado no “Frankfurter Allgemeine Zeitung” com o título significativo “Pensando com Heidegger contra Heidegger”, menos pelo desprezo que o velho pensador tinha pela igualdade democrática, e mais pela recusa da autocrítica e pelo facto desse silêncio contaminar irremediavelmente a atitude filosófica. Afinal, a principal tarefa dos que se dedicam ao ofício de pensar é a de fazer luz sobre os crimes que se cometeram no passado e manter desperta a consciência sobre eles? Lembrar para que não voltem a acontecer, mas evitando o ressentimento e a vingança. Heidegger evitaria a polémica e responderia que a sua preocupação tinha a ver com a relação entre o homem e a técnica. Mas Habermas contraporia que a sua crítica não tinha a ver com o envolvimento político com o nacional-socialismo em 1933, mas com a teimosa negativa em reconhecer o seu erro a partir de 1945. No fundo, “a discussão sobre o comportamento político de Martin Heidegger não poderia nem deveria servir propósitos de difamação e desprezo sumários. Como nascidos depois, não podemos saber como nos teríamos comportado nessa situação de ditadura”.
 
Pouco depois, Habermas chamaria a atenção de Theodor W. Adorno com um texto publicado na revista “Merkur”, “A dialética da racionalização”, no qual analisava a alienação gerada tanto pelo trabalho numa cadeia de montagem, como no consumo sem limites. E premonitoriamente avisava: «da produção ao transporte, passando pela comunicação ou pelo ócio, a “cultura das máquinas” terminará por dominar as nossas vidas. Cada dia, estaremos mais longe da natureza e do resto dos seres humanos». Apesar da resistência de M. Horkheimer, pelo pendor pacifista de Habermas na altura, este ingressou, em 1956, no célebre Instituto de Investigação Social, centro da chamada Escola de Frankfurt, o dito Café Marx, que Lukács designava depreciativamente como “Grande Hotel Abismo”… Adorno admirava o pensador, e para sua mulher Gretel ele fazia lembrar Walter Benjamin, o grande amigo, que se suicidara em Port Bou, em 1940, perseguido pela Gestapo…
 
Ao longo de 650 páginas, a biografia acompanha um percurso extraordinário, em que, além de Adorno e Gadamer, encontramos os grandes dilemas do pós-guerra, num contexto de complexidade, diversidade e incerteza. E fica claro que a reflexão filosófica e o compromisso social são faces de uma mesma moeda – a necessidade da Ilustração… E é esse sentido de responsabilidade crítica que marcará a decisiva importância do pensador na atualidade – designadamente no tocante à defesa de uma Europa como fator de paz, de desenvolvimento e de diversidade cultural. Daí a necessidade de domesticar o capitalismo com a democracia garantida por um Estado de direito com “rosto social”, com superação do “pessimismo antropológico” que caracterizou a primeira fase da Escola de Frankfurt. Os conceitos de conhecimento, liberdade e progresso constituem valores de uma razão ilustrada, no contexto de uma “modernidade”, como “projeto inacabado”, por contraponto à “condição pós-moderna” de Jean-François Lyotard… Lembrando a democracia, recordo um outro livro, acabado de sair na Europa, Penser la Justice, constituído por entrevistas a Michael Walzer por Astrid von Busekist, (Albin Michel, 2020). Para o filósofo norte-americano, democracia e justiça têm de estar ligadas. Aos grandes sistemas, Walzer prefere as “pequenas teorias”, acreditando num Estado social, no qual as nações e as fronteiras sejam garantes da liberdade das pessoas. E, em seu abono, lembra o Profeta Amos, para quem não bastava condenar a injustiça e a idolatria, sendo necessário construir em concreto a sociedade mais humana. Tanto Michael Walzer como Jürgen Habermas insistem numa consciência crítica capaz de entender a sociedade em mudança, em conflito e em diálogo, num contexto plural. E nessa perspetiva de diversidade e complexidade se explica a anedota que corre nos meios da reflexão política e filosófica: um professor norte-americano aterra na Alemanha, toma um táxi e diz: “Leve-me à Escola de Frankfurt!”. E o taxista surpreendido responde: “A qual delas?”…
 
 
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Folhetim de Verão - Capítulo 28

 

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  Sófocles

 

RESPONSABILIDADE E ESPÍRITO HUMANO

 

Os robôs são instrumentos, segundo Adela Cortina, que não tendo emoções, não servem como governantes e cidadãos de uma sociedade democrática, mas servem como ajuda na tomada de decisões. A vida política precisa de pessoas, feitas de razão, de sentimentos e emoção (como refere António Damásio) capazes de justiça e de compaixão. É necessário, pois, que os governantes assumam o seu papel modesto de facilitadores da via pública e que os partidos deixem de funcionar como agências de colocação e apresentem propostas diferenciadas do que em verdade querem e podem realizar, para servir a cidadania, não se limitando a caçar votos com palavras vazias. Se pedimos que a inteligência artificial (IA) seja um instrumento confiável, por maioria de razão temos de exigir à política das pessoas que respeitem a ética e a moral social. O compromisso político exige respeito mútuo.

Quando falamos do primado das pessoas, vamos buscar a etimologia às palavras grega “prosopon” e latina “personna” – que significavam as máscaras do teatro, que identificavam as personagens. Falamos, assim, do que é irrepetível, e humanamente intransmissível, definindo quem somos e a nossa relação com os outros. Quando Antígona (Sófocles) se revolta contra Creonte porque este não quer dar enterro digno a seu irmão Polinices, ela põe a justiça à frente da lei – chamando o fundamento, em nome da ética, que se sobrepõe à moral social e ao direito. A dignidade da pessoa humana é, assim, a marca universal da justiça e do que hoje designamos como direitos humanos.

Desde o século das Luzes (século XVIII) a Razão é valorizada como fator de organização e regulação da vida em sociedade. O “Cogito ergo sum” de Descarte e o “imperativo categórico de Immanuel Kant tornam-se referenciais. Perante o fenómeno religioso, há consideração da necessidade de completar a fé com a razão, o que ocorre com os dois autores referidos. Sem negar a dimensão do transcendente, há um otimismo crescente relativamente à razão e à racionalidade – que culminará no positivismo de Augusto Comte. Já o movimento da Reforma, com o primado da fé individual de Lutero e com a predestinação de Calvino, a razão ganha um lugar significativo.

Sobretudo depois da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) a liberdade religiosa ganha importância – tornando-se no século XX como liberdade de ter e não ter religião. Revela-se, no entanto, necessário que haja diálogo entre as religiões, o que pressupõe um conhecimento das mesmas. Daí a necessidade de não desvalorizar o fenómeno religioso, no contexto da liberdade e do pluralismo. Se analisarmos a Religião natural, encontramos uma interessante evolução que abarca: (a) as religiões primitivas, que se confundem com os mitos, que tentam explicar os grandes fenómenos da natureza; (b) o animismo, no qual temos uma simbiose entre humanidade e natureza e os antepassados, ligando naturalmente as gerações; (c) os sincretismos religiosos, como o hinduísmo, correspondem a uma fantástica capacidade de absorção de influências diferentes; (d) o politeísmo greco-latino; (e) ou as três religiões do Livro: judaísmo (do Antigo Testamento); o cristianismo (com diversos ramos com expressão global: romano, ortodoxo, protestante) e o islamismo (também com ramos diversos: como o sunismo e xiismo)…

Quando falamos da liberdade religiosa e da laicidade, salientámos que o pluralismo tem uma natural consequência na separação entre Igreja e Estado, na liberdade de ter ou não ter religião e no direito a não se perseguido por ter determinada crença religiosa. Laicidade corresponde ao pluralismo e ao respeito mútuo, e laicismo a uma ideia negativa em relação à religião. A Laicidade corresponde à lógica democrática. Esta laicidade exige e pressupõe um conhecimento mútuo dos fenómenos religiosos, para que não haja um diálogo de surdos – a que tantas vezes assistimos. Os fenómenos religiosos são sempre complexos – e pretendem compreender os limites e as incertezas e equacionar as grandes dúvidas sobre a vida e a existência. Vejam-se vários exemplos: nas religiões primitivas, encontramos as narrativas que tentam explicar os grandes mistérios da natureza (criação, bem, mal, vida, morte…). No animismo, a simbiose entre a humanidade e a natureza e o culto dos antepassados ligam naturalmente as gerações. Lembremo-nos da Floresta Sagrada do Benim, onde se crê estarem as almas dos antepassados, e onde os Orixás protegem as pessoas dos fenómenos da natureza. O Candomblé de Salvador da Bahia corresponde a um sincretismo religioso, que une as influências do animismo e do cristianismo – o orixá Oxalá figura Jesus Cristo, o Senhor do Bonfim, Iemanjá é a Virgem Maria, e Iansã Santa Bárbara (ver filme “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte, 1962). O hinduísmo tem uma grande capacidade de incorporar diversas influências: crê na reencarnação e tem castas, que correspondem a uma caminhada no sentido da perfeição nas diversas vidas. Encontramos o politeísmo greco-latino nas obras clássicas, ou em “Os Lusíadas” de Camões, unindo os maravilhosos pagão e cristão. Já nas três religiões do Livro: Judaísmo, Cristianismo e Islão temos uma Teologia bastante estruturada, na qual enquanto Jesus Cristo é Filho de Deus para os cristãos, é, como Maomé, um profeta para os muçulmanos. Os reptos da Razão Ilustrada correspondem à necessidade de reflexão racional e sentido crítico. Enquanto a modernidade procura um sentido necessário de progresso, a pós-modernidade faz convergir fatores diversos e complexos, que não se baseiam nas grandes narrativas.

Para além do primado da lei e da salvaguarda da justiça, importa que haja um processo aceite de legitimação, de modo que haja uma mediação legítima e justa por parte das instituições. As pessoas e os cidadãos devem, assim, ser participantes ativos na sociedade e ter representação, para que a comunidade funcione com uma partilha de responsabilidades. O conceito de pessoa torna-se a pedra-angular da Ética. A máscara identifica a personagem e na Ética a pessoa é o sujeito por excelência dos direitos e deveres, da liberdade e da responsabilidade. Daí a importância de um contrato social baseado na singularidade e na dignidade da pessoa humana.

 

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Folhetim de Verão - Capítulo 27

 

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MORAL DIALÓGICA DE ADELA CORTINA

 

A moral dialógica de Adela Cortina corresponde a uma consequência natural do pluralismo axiológico. A incomensurabilidade dos valores, a salvaguarda da liberdade individual, o respeito mútuo, a compreensão do lugar do outro – tudo nos obriga a considerar a Ética Mínima como um constante diálogo entre princípios, normas e factos. Afinal, o “acontecimento torna-se o nosso mestre interior” (segundo Emmanuel Mounier). Através dele nós entendemos a importância do outro como a outra metade de nós mesmos. Paul Claudel dizia que connaître era con-naître (conhecer com). De facto, não conhecemos sós, aperfeiçoamo-nos pela experiência e pela aprendizagem com os outros. Daí a ligação natural entre conhecer e compreender.

A compreensão leva-nos a integrar em nós a realidade que nos cerca e as pessoas que estão connosco, ou que precisam de nós. O pluralismo axiológico supera relativismo e absolutismo. Daí a importância de conceitos como: Atenção – estarmos de olhos abertos para o que nos rodeia; Cuidado – estarmos disponíveis para ajudar e responder; Exemplo – sermos coerentes entre o que dizemos e o que fazemos; Experiência – fazermos da experiência a melhor aprendizagem; Inclusão – passar da cidadania exclusiva à participação inclusiva; Diversidade – garantir igual consideração por todos. Se o cuidado se revela uma responsabilidade fundamental, também o mesmo se passa com o amor na expressão diversa – como Phília (amizade); Eros (amor carnal) e Agapé (amor espiritual). Veja-se como na palavra ágape (refeição, banquete) nós chegamos ao verbo comer, que significa alimentarmo-nos com. No célebre poema de T. S. Eliot: “Where is the wisdom we have lost in knowledge? / Where is the knowledge we have lost in information?”. Esta é uma das chaves do momento presente e dos desafios perante os quais nos encontramos. Quando Eliot faz as duas perguntas, afirma-nos que precisamos de transformar a informação em conhecimento e o conhecimento em sabedoria. Vivemos cheios de informação. Isso é positivo, desde que tal excesso não nos afogue. Precisamos de escolher. E precisamos de entender que se as novas tecnologias de informação nos permitem estar em linha (on line), a verdade é que corremos o risco da manipulação. Precisamos de tempo e reflexão para conhecer e compreender, para não nos deixarmos influenciar pelas aparências, pelas ilusões e pela mentira (fake news). Só o tempo e o pensamento nos permitirão conhecer e compreender. Importa distinguir para perceber.

Se falamos do Leviatã (Hobbes), do bom selvagem (Rousseau), do imperativo categórico (Kant), do utilitarismo (de Bentham e Stuart Mill) e da necessidade de um contrato social, no qual a sociedade possa salvaguardar a defesa do bem comum no interesse de todos, importa ainda referir o que nos ensinou G. W. Leibniz (1646-1716) sobre a “razão suficiente”. Nenhum facto pode existir ou ser verdadeiro sem um motivo bastante ou suficiente. O filósofo alemão dá o exemplo da mula de Buridan – caso seja colocada diante de dois montes de feno iguais em tudo, ela poderia morrer de fome se não encontrasse nenhuma razão para escolher. Perante situações dilemáticas temos de escolher um dos caminhos, nem que seja a sorte. Nesse caso, a razão suficiente estaria no golpe de sorte, na moeda ao ar ou na decisão arbitrária. Tudo tem de ter uma explicação suficiente. Na Ética a razão suficiente deve ser animada por motivos ligados ao respeito mútuo e ao bem comum.

A relação entre a Ética e a política reporta-se à cidadania. Na antiguidade clássica, a cidadania era exclusiva, apenas se referia a alguns membros da cidade – as mulheres, as crianças, os vencidos, os escravos não tinham direto de cidadania. Nesse sentido excluía um número significativo de pessoas. Hoje a cidadania tende a ser inclusiva, designadamente nos direitos de participação – abrangendo todos. Só no século XX, por exemplo, as mulheres obtiveram direitos de cidadania. Ao considerar o fenómeno político, falamos de “polis”, cidade na língua grega, “civitas” na expressão latina. A sociedade democrática pressupõe a liberdade e a igualdade, a igualdade e a diferença. Daí a importância do entendimento da cidadania como tendencialmente inclusiva. Por que razão dizemos tendencialmente? Porque há ainda entraves e bloqueamentos, ditados pela imperfeição na concretização dos direitos fundamentais. Para garantir o respeito de todos e a concretização da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), de modo que todos os seres humanos nasçam e vivam livres e iguais em dignidade e direitos, é necessário que a Ética anime uma Moral civil aberta e plural, assente na dignidade de todos.

Na expressão da Professora Adela Cortina: como primeira providencia para manter os pilares básicos da democracia, deve garantir-se o império da lei, a separação de poderes e as eleições regulares, como marco do Estado Constitucional de Direito. Mas devem ainda fortalecer-se os pilares do Estado social de Direito, enquanto Estado de justiça que protege os direitos civis e políticos, mas também económicos, sociais e culturais. A democracia é uma forma de regime político, e não uma doutrina de salvação que pretenda absorver a vida toda, mas está obrigada, como sistema de valores, a assentar em bases de justiça.

 

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Folhetim de Verão - Capítulo 26
 

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INCOMENSURABILIDADE DE VALORES
 
 
Existe a tentação de ceder ao absolutismo ou ao relativismo ético. No absolutismo ético pretende-se impor unilateralmente uma determinada visão e hierarquia de valores. No relativismo ético prevalece a indiferença em relação a uma hierarquia de valores – tudo poderia valer… Ao invés importa assumir uma perspetiva de Ética dialógica assente da noção de pluralismo, que não se confunde com o relativismo ou a indiferença. Não somos neutros relativamente aos valores éticos, nem estamos sujeitos a uma mesma medida comparativa, importando que o respeito mútuo se baseie na salvaguarda das diferenças – daí a liberdade de pensamento, a liberdade religiosa e a liberdade de crença e convicção. “Não sabemos o suficiente para ser intolerantes” (como afirma Karl Popper).
 
Mas a intolerância pode destruir a tolerância. Há esse risco, por isso temos de ser muito claros: a liberdade de pensamento e a ética dialógica exigem que sejamos tolerantes em relação às pessoas, mas não podemos ser passivos em relação às ideias intolerantes ou ao risco da destruição da liberdade. A defesa do pluralismo e da diversidade impõe a prevenção relativamente às ideias intolerantes. Isaiah Berlin (1909-1997) baseia o seu pensamento no pluralismo ético ou axiológico. Assim, “os valores produzidos pelos homens não são conciliáveis numa única hierarquia”. O pensador desenvolve, por isso, a ideia de “incomensurabilidade de valores” – já que a razão não pode definir uma ordem única de valores éticos nem medir os valores de modo universal, por isso o pluralismo é uma necessidade.
 
O princípio da democracia, enquanto sistema baseado na incomensurabilidade dos valores, permite a coexistência pacífica de distintos valores e interesses que constituem a expressão filosófica de uma sociedade livre e aberta. Impõe-se, assim, salvaguardar a liberdade negativa, como ausência de impedimentos à ação e à autonomia de cada um. Isaiah Berlin distingue, por isso, como se sabe, esta liberdade negativa, da liberdade positiva, que exigiria ação, o que determina uma valoração especial relativamente aos entraves que possam estabelecer-se relativamente à liberdade individual.
 
No triângulo Valor ético, Norma e Facto, de que fala Miguel Reale, encontramos uma relação complexa que nos obriga à procura de fundamentação. O vai-e-vem já referido também se aplica às relações facto / valor e facto / normas. O carácter indiretamente normativo da Ética leva-nos à pergunta: porquê um dever moral? Antes do mais, o respeito mútuo não pode ser abstrato. Tem de dar lugar a uma responsabilidade. Daí a legitimidade do exercício (além da legitimidade da origem) obrigar a realizar na prática o bem comum. Temos de ter resposta, perante quem está connosco ou precisa de nós. Se há uma incomensurabilidade dos valores, há também uma exigência de respeitar as diferentes esferas da liberdade de todos.
 
Isaiah Berlin fala-nos da coexistência na sociedade de uma dualidade entre raposas e ouriços. Para a raposa, a curiosidade infinita da razão e a sua permanente busca apontam para a prevalência da diversidade e do pluralismo. Ao invés, o ouriço estaria à espera e não se movia – numa atitude passiva de expectativa. Este último veria o mundo através da lente de uma única ideia definidora (como Platão, Dante ou Hegel). Já o exemplo da raposa corresponderia a Erasmo, Shakespeare, Montaigne ou Goethe. E se Dostoievski poderia ser qualificado como ouriço, Tolstoi não escaparia ao dualismo – com talentos de raposa e de ouriço. Vivemos num mundo plural de raposas e ouriços… A diversidade moral, o pluralismo axiológico são marcas da imperfeição humana – já que apenas somos perfectíveis.
 
Quando lemos a Declaração Universal dos Direitos Humanos (“todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”) compreendemos que estamos perante: a expressão concreta dos valores éticos; a sua aplicação numa sociedade aberta; a exigência de liberdade de expressão e de ideias; o respeito mútuo, como valor de valores; a universalidade da dignidade humana. Considerando Valores, Normas e Factos, esse vai-e-vem constante da norma para o valor, do facto para o valor, do valor para a norma e da norma para o facto dá-nos a expressão da relação incindível entre ética, moral e direito.… No fundo a interpretação normativa obriga a um relacionamento complexo na compreensão do mundo. Não estamos sós. Se a pessoa humana é irrepetível e única, se todos somos diferentes, a relação com os outros de respeito mútuo é uma exigência insubstituível.
 
 
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Folhetim de Verão - Capítulo 25

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  Ronald Dworkin

 

IGUAL CONSIDERAÇÃO E RESPEITO

 

É normal invocar-se uma contradição insanável entre liberdade e igualdade, como se ambas não admitissem conciliação. Já vimos que entre igualdade e diferença não há incompatibilidade, pois são faces da mesma moeda. Todos somos, de facto, iguais e diferentes – cada um de nós tem identidade própria, não somos confundíveis com números, são irrepetíveis e diferentes, mas devem ser tratados igualmente, sem discriminação. Quando lemos uma distopia, como “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” de George Orwell (1903-1950), vemos que aí igualdade é igualitarismo e que a diferença é esquecida… Ora, relativamente à liberdade e à igualdade questão semelhante se coloca. Lembremos a etimologia mais antiga de “libertas”, tem a ver com libra, que significa balança. Liberdade tem a ver com a balança livre e equilibrada. Num prato estou eu no outro está o outro. Não há liberdade sem equilíbrio entre eu e o outro. Se o romantismo valorizou a liberdade individual e se o coletivismo deu ênfase ao igualitarismo, tantas vezes meramente formal, a verdade é que, como afirmou Norberto Bobbio (1909-2004), importa preservar a liberdade igual e a igualdade livre. Também aqui estamos diante de faces de uma mesma moeda. O século XX, e os sistemas económicos mistos valorizam a complementaridade entre liberdade e igualdade. A liberdade individual e o livre arbítrio asseguram a autonomia pessoal, a igualdade perante a lei, a justiça distributiva e a não discriminação exigem a igualdade, não confundível como homogeneização.
 
Segundo Isaiah Berlin: liberdade igual é liberdade e não igualitarismo limitador da singularidade. E se falamos de capital social, falamos de coesão social, de mediação pelas instituições e de equilíbrio entre autonomia e solidariedade. Ronald Dworkin (1931-2013) afirma, assim, que a conciliação necessária entre liberdade e igualdade exige que entendamos as relações humanas a partir do que designa como “igual consideração e respeito”. Que significa “igual consideração e respeito”? Seguindo o raciocínio de Dworkin a liberdade individual, para ser plenamente respeitada, pressupõe igualdade perante a lei, mas mais do que isso: um fundamento ético assente no princípio do respeito por todos e na consideração da importância fundamental do outro, bem como na igual consideração como elemento central da filosofia moral. E na conciliação entre liberdade e igualdade encontramos a Ética como indiretamente normativa, a Moral como diretamente normativa, mas não coerciva e o Direito, como diretamente normativo e coercivo. A igual consideração e respeito permite considerar a liberdade e a igualdade como irmãos gémeos. A democracia moderna assenta nessa complementaridade, obrigando à coesão social, à mediação institucional, à participação de todos e à dignidade da pessoa humana.
 
Relembremos Edgar Morin (1921) que considera numa cultura de autonomia e responsabilidade a necessidade de: prevenção do conhecimento contra o erro e a ilusão; de métodos que permitam ver o contexto e o conjunto, em lugar do conhecimento fragmentado; o reconhecimento do elo indissolúvel entre unidade e diversidade da condição humana; aprendizagem duma identidade planetária considerando a humanidade como comunidade de destino; exigência de apontar o inesperado e o incerto como marcas do nosso tempo; educação para a compreensão mútua entre as pessoas, de pertenças e culturas diferentes; e desenvolvimento de uma ética do género humano, de acordo com uma cidadania inclusiva. A autonomia e a solidariedade associam-se naturalmente. A liberdade e a igualdade, a igualdade e a diferença completam-se.

 

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Folhetim de Verão - Capítulo 24

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UM PROCESSO DE VAI-E-VEM…

 

Michael Walzer tem uma atitude inconformista e insiste na afirmação da necessidade de ligar o valor da singularidade e da autonomia individual com a ideia de solidariedade voluntária. Neste sentido, escreveu: “o conflito agudo que existe hoje na vida dos Estados Unidos tem a ver com o multiculturalismo contra a hegemonia da singularidade, do mesmo modo que poderia ser do pluralismo contra unidade ou de muitos contra um, e ainda do conjunto dos grupos contra o conjunto dos indivíduos, das comunidades contra o público privado. Neste conflito não podemos tomar partido por qualquer outro lado que não seja o de afirmar a legitimidade dos dois antagonismos. Estes dois pluralismos levam os Estados Unidos tal como são (ou pelo menos como hoje são) a dar o exemplo como deveriam ser. No conjunto, mas apenas no conjunto, são perfeitamente compatíveis com a cidadania comum democrática” (Dissent, Spring 1994).

Eis o ponto forte do pensador: a concretização do pluralismo e a salvaguarda da diversidade. Com efeito, as sociedades contemporâneas necessitam de singularidade e interdependência, até para garantia da coesão. Assim, Walzer reclama a renovação da vida associativa como pedra de toque da cidadania, numa sociedade em mudança. Nestes exatos termos, exprime um misto de crítica e de simpatia relativamente às atitudes comunitárias e liberais. Mas a necessidade de uma catalogação torna-se vã quando o que está em causa é a compreensão da diversidade e da complexidade. Um equilíbrio deve ser estabelecido entre instituições políticas, nas quais a separação de poderes seja respeitada e o sistema de freios e contrapesos da democracia siga o pensamento de Montesquieu.

Cada cidadão está colocado em diversas esferas de pertença, o que tem repercussões nas relações interculturais e na distribuição de bens aptos a satisfazer necessidades. Estamos, assim, perante questões diversas como as relativas à descentralização e ao associativismo (ou a subsidiariedade) que conduzem a uma dupla aceitação do pluralismo, no que respeita aos elos de pertença dos indivíduos e dos grupos. Nesta perspetiva, a noção de solidariedade (na lógica sequência da liberdade, da autonomia individual e da responsabilidade) ganha um novo sentido orientado pela “justiça complexa” enriquecida pelo pluralismo. No momento em que a exclusão toma um lugar perturbador na representatividade dos movimentos sociais ativos, torna-se fácil a compreensão da importância deste tema. O pensador contesta, porém, que cada um possa ter uma conceção incontestável de universalismo, propondo a descrição de experiências concretas de compreensão dos valores universais em diversas culturas.

Um valor ou um princípio deveria ser pensado por cada cultura para ter consistência segundo a experiência própria, para responder ao dilema entre o único e o uniforme, e o relativismo, em coerência com a cidadania comum e a diversidade cultural. Isto leva-nos ao coração das relações entre ética e política. O pluralismo exige a investigação dos valores comuns e dos interesses, e isso torna tudo mais importante, uma vez que a solidariedade requer a vontade comum dos cidadãos livres e iguais, partilhando responsabilidades civis. Isto é o que Walzer designa como “Social-democracia”, que é a regulação pública dos interesses conflituais dos indivíduos e dos grupos. Quem se esquecer dos dois lados cai numa cegueira ignorante e inútil.

O pensamento que Walzer defende está ligado à preservação do particular, com respeito do lugar, da vizinhança e do pluralismo. Deste modo, o liberalismo que M. Walzer defende associa formalmente as virtudes da separação e da partilha. A diferença reside na autonomia de diversas esferas de ação assente na ideia de respeito por todos e por cada um. Assim, chegamos ao pluralismo pela empatia e pela identificação. O universalismo dos valores éticos deve corresponder a um movimento incessante de vai-e-vem entre os grandes princípios e a sua diversidade.

 

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Folhetim de Verão - Capítulo 21

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  John Rawls

 

A JUSTIÇA COMO EQUIDADE…

«Há uma coisa que não consegui dizer ou, em todo o caso, que não coloquei com suficiente evidência em Uma Teoria da Justiça (1971) - que a teoria da justiça como equidade (justice as fairness) foi criada como conceção política da justiça» - costumava afirmar John Rawls, perante os críticos que confundiam a sua teoria com uma conceção metafísica da justiça. Do que Rawls se ocupou foi em apresentar uma estrutura de base para uma democracia constitucional moderna. Preocupou-se, assim, com o modo de atuação das instituições económicas, sociais e políticas de forma a terem um único sistema coerente de cooperação social. Por isso, esclareceu, em especial ao longo dos últimos anos, que a sua teoria era diferente das doutrinas morais tradicionais, como a utilitarista, não procurando ser mais do que uma conceção política da justiça, válida para a democracia e baseada em ideias intuitivas que estão no cerne das instituições políticas nos regimes constitucionais que conhecemos. Nesse ponto, este discípulo de Kant sempre insistiu no facto de a sua teoria possuir um enfoque diverso relativamente ao pensamento do filósofo de Königsberg, apesar de seguir as pisadas deste. Rawls fundamentou-se, assim, numa tradição política, de que somos herdeiros e que corresponde a um consenso de sobreposição (overlapping consensus), que abrange as diferentes doutrinas filosóficas e religiosas, opostas e complementares, designadamente de Hobbes a Rosseau, passando naturalmente por Kant, aceites numa sociedade democrática, mais ou menos justa.

John Rawls (1921-2002) foi um homem justo e exigente. Mesmo os seus críticos, mostraram como a sua serenidade foi um exemplo até para os seus antagonistas. A morte trágica de dois irmãos mais novos, em virtude do contágio de uma grave doença que ele próprio contraíra, marcou profundamente a sua reflexão sobre os mais fracos e desprotegidos. A lotaria genética e outras contingências não deveriam, afinal, interferir na igualdade dos seres humanos. Sendo originário de uma família culta e privilegiada de Baltimore, o jovem John cedo se viu confrontado com a força cega da adversidade. Desde cedo, na sua reflexão, percebeu que o contrato social estaria obscurecido por um "véu de ignorância" a propósito do lugar de cada um na sociedade, que conviria desvendar. E uma das tarefas da filosofia política numa democracia seria exatamente interessar-se pela descoberta do meio, aceite pelo senso comum para resolver os problemas postos pelas disparidades e pelas injustiças. E, havendo uma plataforma justa de decisão, poderíamos reduzir de forma suficiente as divergências de opinião e de convicção, para que houvesse uma cooperação política fecunda assente no respeito mútuo entre todas as pessoas. No entanto, há um profundo desacordo sobre a maneira de realizar o melhor possível os valores da liberdade e da igualdade na estrutura de base da sociedade. De um lado, temos a tradição de Locke, que dá mais importância ao que Benjamin Constant designou como "liberdade dos modernos", a liberdade de pensamento e de consciência bem como certos direitos subjetivos ou direitos ligados à propriedade, enquanto Rousseau põe a tónica na "liberdade dos antigos", isto é, a igualdade das liberdades políticas e dos valores da vida pública. E a conceção da "justiça como equidade" pretendeu superar esse dilema, propondo dois princípios para servirem de guias para a realização pelas instituições dos valores da liberdade e da igualdade - não entendidos como antagónicos, mas como complementares. "Cada pessoa deve ter um igual direito á mais extensa liberdade compatível com uma idêntica liberdade para os outros" - afirma o primeiro princípio rawlsiano. Por outro lado, "as desigualdades sociais e económicas devem preencher duas condições: estar ligadas a funções e a posições abertas a todos, em condições de igualdade de oportunidades ; e, em segundo lugar, devem ter a maior vantagem possível para os membros mais desfavorecidos da sociedade". Com base neste entendimento, devemos partir da ideia de que "uma conceção política não tem necessidade de ser uma criação original, pode combinar ideias e princípios intuitivos". Esta intuição fundamental respeita ao facto de a sociedade ser um sistema de cooperação social equitativo, composto por pessoas livres e iguais. E é nesse sistema concreto que a teoria da justiça como equidade surge como um sistema prático - com o objetivo de se obter um acordo livre entre os cidadãos e uma reconciliação graças à razão pública. Assim se reduzem os conflitos e criam-se condições para a sua regulação pacífica e aberta - preservando a cooperação social baseada no respeito mútuo.

 

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Folhetim de Verão - Capítulo 20

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A CIÊNCIA E A «BOA NOVA»…

 

Como descobrir “as coisas escondidas desde a fundação do mundo”? Um dia em diálogo com Claude Levi-Strauss, na revista “Esprit”, Paul Ricoeur perguntou-lhe por que razão o antropólogo não se interrogava sobre as raízes explicativas da nossa própria sociedade, mas sim de outras sociedades. Para preencher esse vazio, René Girard procurou responder a esse enigma, através de uma investigação que temos acompanhado nos últimos capítulos do folhetim. O tema da violência e do conflito está sempre presente quando nos debruçamos sobre a génese do contrato social. Afinal, para descobrir as razões profundas de uma cultura é necessário interrogarmo-nos sobre as raízes do poder e sobre a administração da violência. Hoje o tema regressa à ordem do dia, uma vez que importa encontrar mecanismos de regulação que permitam aos cidadãos ser autónomos e soberanos nas suas atitudes. O regresso da sede de conquista e de um clima de guerra, leva-nos a essas interrogações fundamentais. Já vimos com Claude Lefort, Ivan Illich, Cornelius Castoriadis e Hannah Arendt procedimentos  que permitem contrariar uma lógica redutora de indiferença e de subordinação. Com a queda do muro de Berlim houve a ilusão do fim da história e da superação dos velhos conflitos da guerra fria. A humilhação e o ressentimento levam-nos ao regresso de conflitos já não ideológicos, mas ligados à ambição e ao desejo. A violência deve ser, porém, limitada, através da consideração de uma fronteira que se reporta ao respeito da dignidade humana. Daí a importância da auto-organização das instituições e da necessidade de haver mecanismos de mediação capazes de garantir a participação e a representação da sociedade e dos cidadãos sem a tentação do providencialismo e da criação da sociedade perfeita. O tema da sociedade perfeita regressa à luz do dia.

Voltando aos temas que vimos tratando, para Jean-Marie Domenach há em René Girard um excesso de cientismo, por isso considera-o como o Hegel do cristianismo. Fala, assim, de uma alegre e terrível interpretação, ou seja, um sistema ao serviço da necessidade de uma História de que se conhece a origem e o seu termo. Há uma descrição baseada na contradição entre o positivo e o negativo, entre o bem e o mal. Para Girard, em virtude da noção de bode expiatório, é possível encontrar uma saída. Entre o Apocalipse e o Amor poderemos fazer uma boa escolha. É indispensável, porém, fazer confiança no real. Ao contrário do que afirmou Holderlin nem sempre onde está o perigo está a salvação. Há perdas sem remédio e destinos que é preciso recusar. “Não creio que a ‘metafísica da diferença’ seja sempre uma metafísica do ressentimento. Não creio que a dessacralização seja o caminho que leva ao Evangelho. Pelo contrário, não será urgente parar com a profanação e reconstituir um novo sagrado: o da lei e dos direitos humanos?” – eis de onde parte o pensador. Girard afirma que a sua tese “funciona de um modo rigoroso, que pode vir a ser matematizável um dia”. Esse caminho leva, no entanto, a um cientismo que Girard em teoria denuncia. E importa lembrar o matemático René Thom: “Tudo o que é rigoroso é insignificante, ao menos nas ciências humanas”. Já no tocante às instituições, tema crucial para o filósofo, importa lembrar. “Não se pensa senão as instituições mortas”. É verdade. Mas isto também quer dizer que há realidades vivas que não são pensadas. O cero é que podemos pensar e criar nesta penumbra entre passado e futuro. Girard refuta, no entanto, Levi-Strauss. Trata-se de duas antropologias colossais que obrigam o saber e a ambição contemporâneos a parar o balanço do saber. Ao invés do nihilismo sublime definido pelo estruturalismo, Girard dá enfase à narrativa cristã. Essa a sua originalidade. De facto, como homem de fé, Girard foi capaz de opor à ferocidade ilimitada do mundo moderno e à aceleração irracional da perversidade a virtude tranquila de quem nunca deixou de ler e servir as Escrituras o exemplo de Cristo.

 

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