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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

ANTOLOGIA

  

ATORES, ENCENADORES (II)
O ESPETÁCULO NO PRÓPRIO TEXTO – CAMÕES, CHIADO, JORGE FERREIRA DE VASCONCELOS
por Duarte Ivo Cruz


Nesta série de artigos, evocamos sobretudo os que fazem o espetáculo, a partir de textos expressos ou mesmo improvisados, mas suscetíveis de fixação e de expressão teatral. A referência específica a atores profissionais inicia-se e desenvolve-se, como veremos em próximos artigos, ao longo do século XIX mas com grande relevância no século XX e até aos nossos dias: mas a partir dos séculos XVI/XVII, os textos já muitas vezes definem, expressamente e diretamente, a sua dimensão de espetáculo.


Vejamos dois exemplos breves mas relevantes, quanto mais não seja pela qualidade e projeção dos autores respetivos.


E desde logo Camões. Tenho escrito que o teatro de Camões, independentemente de atingir o nível e o significado incomparável de Os Lusíadas ou mesmo da Lírica, além de breve - três peças – assume larga projeção no contexto do teatro renascentista, pela sua óbvia qualidade ou não fosse uma criação camoniana - e pelo próprio sentido “de espetáculo”, o que normalmente não é tanto sublinhado. Aliás é caso para dizer que “sentido de espetáculo”, no mais nobre e qualificado alcance do termo, encontramos também na restante obra de Camões.


Só como mero exemplo, e são tantos ao longo dos 10 Cantos de Os Lusíadas, veja-se a estrutura cénico -  dramática do episódio de Fernão Veloso inclusive no contraste entre o trágico e o irónico (Canto V- Estrofe 35):


«Disse então a Veloso um companheiro/ (Começando-se todos a sorrir): / “Olá Veloso amigo, aquele outeiro/ É melhor de descer do que de subir”/ Sim, é respondeu o ousado aventureiro; /Mas quando eu para cá vi tantos vir/ Daqueles Cães, depressa um pouco vim/ Por me lembrar que estáveis cá sem mim”.


Este episódio, repita-se, apresenta um conteúdo em si mesmo teatral, no sentido cénico e de espetáculo. Contem o diálogo, as indicações cénicas (“começando-se todos a sorrir”) e a própria direção/ caracterização do personagem (“o ousado companheiro”) – e ainda, a ironia e graça do texto, que contrasta com a situação em que se enquadra e até – mas não é caso único – com o incomparável sopro épico de Os Lusíadas.


Mas vejamos agora o Auto de El-Rei Seleuco, representado entre 1543 e 1549. Para alem da genialidade do texto, ou não fosse de quem é, traz-nos a curiosidade de dramatizar uma representação do próprio Auto em casa de Estácio da Fonseca, Cavaleiro Fidalgo de D. João III, almoxarife e recebedor das aposentadorias da Corte. Um alto funcionário, diríamos hoje.


E o auto inicia-se com  o diálogo irónico do próprio Estácio com o seu moço-criado, acerca dos atores que iriam representar a  peça:


«Estácio – São já chegadas as figuras? / Moço – Chegadas são elas quase ao fim de sua vida./  Estácio_ Como assim? / Moço - Porque foi a gente tanta, que não ficou capa com frisa nem talão de sapato que saísse fora do couce. Ora viram aí uns embuçadetes e quiseram entrar por força: ei-lo arrancamento na mão: deram uma pedrada na cabeça do Anjo e rasgaram uma meia calça ao Ermitão; e agora diz o Anjo que não há de entrar até lhe não derem uma cabeça nova, nem o Ermitão até lhe não porem uma estopada na calça. Este pantufo se perdeu ali: mande-o Vossa Mercê domingo apregoar nos púlpitos, que não quero nada do alheio/ Estácio– se ela fora outra peça de mais valia tu botares a consciência pela porta fora para a meteres em tua casa»…


Assim seria o chamado meio teatral no século XVI…


Ora, pela mesma época, entre 1545 e 1557, escrevia António Ribeiro Chiado o seu Auto da Natural Invenção. E também aqui se recorre a uma cena de presentação na Corte ou na alta classe mercantil. Temos aqui também o dialogo entre o dono da casa e o seu criado:


“Dono – Almeida!/ Almeida – senhor?/ Dono – Vem cá, vem cá!/ sabes se há –de tomar o porto/ hoje este auto, ou se é morto./ Almeida – E o autor onde está?/ Dono – Em casa de teu avô torto/ ou marmelo pela perna!/ Quem por rapazes governa/ sua casa é mais rapaz/ e  rapaz que tratos traz, / com quem a malícia inverna./ Que te mandei todo hoje?/ Almeida – Que mandou vossa mercê?/  Dono – Já nada, pois que assim é, /Não mande Deus que te noja»…


Já havia pois, nesta época, comediantes profissionais e companhias. Aliás Camões, no Rei Seleuco cita o Chiado, quando o Escudeiro Ambrósio diz que “o Moço Lançarote (…)   uma trova, fá-la tão bem como vós ou como eu, ou como Chiado”.


E pela mesma época, Jorge Ferreira de Vasconcelos, na comédia Aulegrafia também cita Chiado e põe na boca do personagem D. Ricardo este elogio ambíguo: “Em algumas cousas teve veia esse escudeiro”!


Termino com três citações.


Hernâni Cidade encontra nos Anfitriões de Camões uma “ternura que Plauto desconhece” (in Obras Completas de Camões vol.III); Clarice Berrardbnelli e Ronaldo Menegaz comparam a peça do Chiado com a de Camões, na convergência “de uma auto (B), dentro de um outro(A), mas enquanto Camões nos dá uma trama unida (…) o Chiado vai ao sabor da sua natural invenção traçando os fios e deixando as pontas soltas” (in Autos de António Ribeiro Chiado, ed. Rio de janeiro 1968); e Maria Odete Dias Alves assinala que Jorge Ferreira de Vasconcelos “povoa o palco de figuras portuguesas da sua época: é o ambiente de Quinhentos que vive nas suas paginas” (in A Linguagem dos Personagens de Jorge Ferreira de Vasconcelos  - U Coimbra 1972).  


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 17.12.14 neste blogue.

GUALDINO GOMES E O CHIADO…

 

O Chiado está cheio de histórias. José-Augusto França diz que a capital de Portugal é Lisboa e a capital de Lisboa é o Chiado, e tem razão! Hoje recordamos alguns episódios passados com Gualdino Gomes. Começamos pelo relato por Luís de Oliveira Guimarães… «Uma tarde Gualdino Gomes (1857-1948) entrou na Brasileira e pediu ao criado – o venerável João – chá e bolos. João não tardou com o lanche. – Os bolos estão frescos? – quis saber Gualdino. – Se são frescos! Vieram agora mesmo da pastelaria… Gualdino, encaixando o monóculo: - Isso não prova nada. Também eu vim agora mesmo de casa – e já tenho 78 anos…». Gualdino era um conhecido jornalista, crítico de teatro, a quem Fialho de Almeida, de «Os Gatos», acusava de não ter obra… O certo, porém, é que Gualdino foi durante muitos anos testemunha da boémia e da atividade teatral lisboeta e sobretudo elo entre a gloriosa geração de 1870 e os começos do século XX… Gostava de dizer: «Sou um leitor, não sou um escritor». Fizera a banca de jornalista no «Repórter» ao lado de Oliveira Martins, D. João da Câmara e Teixeira-Gomes… Sobre «A Brasileira», dizia Raul Brandão: «A um canto, de gabinardo e barba branca, Gualdino prepara a última piada»…

 

Noutra ocasião, numa sessão de estreia de peça bastante publicitada, que tinha lugar no Teatro Ginásio, Gualdino Gomes estava pronto para comentar o espetáculo em cujo elenco havia figuras de proa do meio artístico... Tudo começou e desenvolveu-se, a preceito como mandam as regras – no entanto depressa se percebeu que aquele não era dia de sucesso. A peça era vulgar, os atores não estavam em forma, o ensaio deixava muito a desejar, as fragilidades eram tais que a voz do ponto era demasiado audível e as deixas estavam mal combinadas. Um desastre. Gualdino preparou um estratagema para se libertar daquele suplício – e, meu dito meu feito, a certa altura, havia uma tempestade em cena, que amainava para alegria do crítico... E então o escriba, levantou-se de modo ostensivo e disse, alto e bom som: - «Vou-me andando, deixa-me aproveitar esta abertinha...»

 

Mais uma. O Fialho de Almeida tinha uma espécie de amor-ódio por ele e estava sempre a meter-se com ele, por não ter obra e por desperdiçar o seu talento em linguados de jornal… - Oh! Gualdino estou a ver os nossos netos a lerem as tuas obras completas… O Gualdino, calado, ouvia, ouvia, e ia enchendo o saco. A certa altura, não se continha e rebentava. E lembrava-se de que o Fialho casara tarde e rico no Alentejo e gozava as delícias da fortuna da mulher. – Oh Fialho, diz-me aí as horas no relógio de ouro do teu sogro…

 

Outra vez, foi na estreia do «Tamar» de Alfredo Cortez, no Teatro Nacional, que se passava numa praia, com o cenário do mar ao fundo. Iam chegando os pescadores, com a mão na testa, em forma de pala, e passavam da direita para a esquerda no palco, olhando o horizonte, numa estranha marcação. Passou o primeiro, passou o segundo e, quando passou o terceiro, o Gualdino levanta-se e diz: - Ele há qualquer coisa e é ali para o Intendente… Vou lá ver…

 

Agostinho de Morais

ESPAMPANANTE…

 

DIÁRIO DE AGOSTO (VIII) - 8 de agosto de 2017

 

Um pinga-amor muito conhecido na noite lisboeta mudava amiúde de namoradas, que ia ostentando com garbo no Chiado lisboeta para espanto de muitos. Acontece que nem sempre a cultura e a erudição acompanhavam a espetacularidade das senhoras…
Um dia, descendo a rua da Misericórdia, o sujeito, que conhecia meio mundo e que gozava de simpatia mesmo daqueles que lhe davam o desconto pelo excesso da sua instabilidade afetiva, coincidente com a sua inclinação para a multiplicação de belas companhias, encontrou um velho conhecido… E demorou-se algum tempo na conversa, para desespero da jovem companhia, que se aguentava mal nuns sapatos espampanantes de saltos altíssimos.
Terminado o colóquio, despediram-se os dois amigos e ela perguntou: - Quem era? – Era o Marquês de Pombal!... Incrédula e julgando tratar-se de brincadeira, respondeu: - Também se não queres dizer, não digas…

 

 

DIÁRIO DE AGOSTO

por Guilherme d'Oliveira Martins

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DIÁLOGO NA "BRASILEIRA"…

 

DIÁRIO DE AGOSTO (II) - 2 de agosto de 2017

 

O Chiado está cheio de histórias. José-Augusto França diz que a capital de Portugal é Lisboa e a capital de Lisboa é o Chiado, e tem razão!

Hoje recordamos um episódio invocado por Luís de Oliveira Guimarães… «Uma tarde Gualdino Gomes (1857-1948) entrou na Brasileira e pediu ao criado – o venerável João – chá e bolos. João não tardou com o lanche. – Os bolos estão frescos? – quis saber Gualdino. – Se são frescos! Vieram agora mesmo da pastelaria… Gualdino, encaixando o monóculo: - Isso não prova nada. Também eu vim agora mesmo de casa – e já tenho 78 anos…».
Gualdino era um conhecido jornalista, crítico de teatro, a quem Fialho de Almeida, de «Os Gatos», acusava de não ter obra…
O certo, porém, é que foi durante muitos anos testemunha da boémia e da atividade teatral lisboeta e sobretudo elo entre a gloriosa geração de 1870 e os começos do século XX… Gostava de dizer: «Sou um leitor, não sou um escritor». Fizera a banca de jornalista no «Repórter» ao lado de Oliveira Martins, D. João da Câmara e Teixeira-Gomes…
Sobre «A Brasileira», dizia Raul Brandão: «A um canto, de gabinardo e barba branca, Gualdino prepara a última piada»… Lisboa de outro tempo…

 

 

DIÁRIO DE AGOSTO
por Guilherme d'Oliveira Martins