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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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LONDON LETTERS

 

Blue beginnings, 2017

The Queen anunciará no próximo discurso oficial de abertura do estado que o United Kingdom reestitui a plena soberania sobre as suas terras e gentes, as suas leis e fronteiras. Tal qual como em 1533 é a Lex Terrae Victrix, a afirmação real da supremacia da ancestral Common Law, diretamente derivada da divina lei da natureza a que hoje chamamos razão.

Her Majesty  abraça a mudança e a visão de uma Global Britain, Greater still. Elizabeth II cortará os laços com a eurocracia de Brussels, não com Europe. Desde já o reino está on the move. — Chérie! Et au Printemps aller voter la plus eurosceptique nation du continent! A Prime Minister RH Theresa May MP calendariza a “Great Repeal Bill” para March 2017. — Well! Expeditions clearly agree with us. O Deustche Bank está em crise. Alem Atlantic Ocean, termina a visita dos Dukes of Cambridge ao Canada e America assiste a extraordinário debate presidencial. Mrs Hillary R Clinton vence o nativismo de Mr Donald J Trump. Às voltas com finuras fiscais, e outras, a candidatura republicana agenda revelações ligadas ao Wikileaks. O US President Barack Obama cessa os esforços de cooperação com Moscow para um cessar fogo humanitário na Syria. O país morre, transformado que está numa micro guerra mundial entre potências e jihadistas. Israel perde o founding father Mr Shimon Peres. A cápsula espacial Rosetta extingue-se como pó no asteróide 67P, após a well done star mission. A Tintin Magazine comemora 70 anos.

 

 

Sunny glorious blue sky at Central London. Mas é na Birmingham de RH Joseph Chamberlain, (1836-914), um dos liberal unionists cujo engenho patriótico ergue o império vitoriano em Africa, South Pacific e West Indies, que os Tories are making the weather. Reúne a primeira conferência dos Conservatives sob a liderança de Mrs Theresa May e é todo um mar de subtis diferenças face ao Cameroonism reinante há apenas 100 dias. Igual azul, sim, agora porém sob a mensagem triádica de “a country/economy/society that works for everyone” que posiciona o partido ao centro e atribui ao estado (ordeiramente gerido) um papel ativo na educação, habitação e industrialização. O conservadorismo britânico reinventa-se e amiúde cruza os evangelhos da Gladstone age com o visionarismo de Sir Winston Churchill e o talento de Lady Margaret Thatcher. Surgem novos protagonistas, ambiciosas políticas e arejadas prioridades, adaptados uns e outras à circunstância política criada pelo euroreferendo de 23rd June. Anda até por ali espírito de missão histórica, fundada na visão de uma nova era global para o free trade, ancorada na British Commonwealth e no entendimento que o British people deliberou por integrais political and economical freedoms. A abrir, sem mas ou ses, também sem opt-outs de nacionalismos indesejáveis, a Prime Minister certifica o rumo do voto popular: O UK está de saída da European Union e a rota é “to making Parliament sovereign once again“ Nota importantíssima: acaso as instituições continentais insistam no binarismo free movement & single market, London já escolheu ― o controlo das fronteiras e o primado da lei comum.

A literatura inglesa tem páginas notáveis sobre o nascimento das coisas. “A beginning is the time for taking the most delicate care that the balances are correct,” escreve Mr Frank Herbert em Dune. “To begin your study of the life of Muad'Dib, then take care that you first place him in his time: born in the 57th year of the Padishah Emperor, Shaddam IV. And take the most special care that you locate Muad'Dib in his place: the planet Arrakis. Do not be deceived...” E é o Manual of Muad'Dib que contém o fio da sabedoria transmitido na irmandade Bene Gesserit, pela voz da Princess Irulan: “Beginnings are such delicate times.” Nos Four Quartets explica Mr T. S. Eliot que “to make an end is to make a beginning. The end is where we start from.” Que nenhuma chancelaria duvide da real prerrogativa e dos meritocratas no poder nas Houses of Westminster, ambos os pólos do realm imbuídos do Churchillian way: “Achieving world security while yet preserving national rights, traditions and customs.” Não por acaso logo no ICC de Birmingham os Brexiters escoltam a firme intervenção da PM. Ao Foreign Secretary The Rt Hon Boris Johnson MP cabe justamente invocar Sir Winston: “The empires of the future are the empires of the mind.” E o Good Old WSC cedo sinaliza que “the price of greatness is responsibility.” Começa a Brexit rollercoaster.

Algumas palavras ainda sobre o que se passa no Labour Party após RH Jeremy Bernard Corbyn hastear a bandeira de designado “21st-century socialism” no fecho da conferência em Liverpool. A proposta recupera as 70s politics, com despesa pública a jorros entre os impulsos sindicais, condimentada com um ventilado desarmamento unilateral. No mais do new flower power, e face ao Brexiting - Act 1, Comrade Jez continua a negociar com os MPs rebeldes para formar coerente Shadow Cabinet. A luta continua, pois, entre fações. Haverá alguns progressos, legíveis nas sucessivas manchetes de The Socialist. A palavra de ordem “kick out the Blairites” está substituída no Corbynist movement por… “kick out the Tories and the Blairites,” E há desventurados episódios. A atestar que a hard left faz do ido radical RH Michael Foot um suave social democrata, de novo os membros para o HM Privy Council violam os protocolos seculares. O inefável Shadow Chancellor RH John McDonnell informa que “will not kneel for the Queen.” A consciência de classe impede-o. Ora se o patriotismo do 1st Earl Attlee que está na fundação da NATO dificilmente teria hoje lugar no Lab, temo concluir que mesmo o rosto do desastre vermelho na 1983 general election encontraria resistências. É que, segundo o próprio, republicano e anti estalinista, fiel ao ideário de RH Aneurin Bevan (o autor do NHS Act), o senhor era leal ao Parliament como instituição e algures ousa confessar a sua “affection for the Queen.”
 

Em vésperas da publicação das memórias de RH Ken Clarke (o ex ministro Tory que classifica a PM como “a bloody difficult woman”) e do teledebate entre os candidatos a Vice President na White House Race (sabeis quem são?), para os pares fãs de Dame Agatha Christie fica a nota final. A 20th Century Fox prepara uma novel versão de Murder on the Orient Express, se bem que na velha modalidade de all-star cast. Da pré produção saem indicações da centralidade no mistério de Mr Kenneth Branagh em companhia onde pontuam Dame Judi Dench, Mrs Michelle Pfeiffer, Daisy Ridley e Lucy Boynton a par de Mr Tom Bateman, Michael Pena e Johnny Depp. O livro de 1934 é um dos clássicos com Monsieur Hercule Poirot, na boa tradição de Mr Sherlock Homes e do whodunit, sendo classificado como “a perfect crime.” — Well! Play with Master Will and the ghosts bordering the state of Denmark in The Tragedy of Hamlet: — There are more things in heaven and earth, Horatio, / Than are dreamt of in your philosophy.

 

 

St James, 3rd October 2016

Very sincerely yours,

V.

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

   

   

 

   Minha Princesa de mim:

 

   A inesperada carreira da equipa de futebol do País de Gales no campeonato europeu, em tempos de surto de "Brexit", trouxe-me à lembrança um livro notável, publicado em 1998 pela Sutton, intitulado The English Nation - the great myth. É seu autor um galês católico, o doutor Edwin Jones, dedicado à investigação historiográfica, e que trabalhou na Universidade de Cambridge. Lá o fui tirar do sono da minha biblioteca, e vou-me deliciando. Sem cerimónia, logo no prefácio que ele mesmo escreveu para a primeira edição desta obra, chama a nossa atenção para o facto de todos sermos grandemente afetados pela nossa história, que pode ser vista como a única memória de um indivíduo ou como a coletiva memória de uma nação. Eis o que nos dá um sentido de identidade em relação a uma comunidade. E aponta então para a fabricação quinhentista (Thomas Cromwell e Henrique VIII) de uma falsa visão do passado inglês como raiz da singularidade com que o povo inglês se irá identificar. Só muito recentemente nos mostraram em pormenor como uma nova teologia política e nacional, com a obediência ao rei - representando a "palavra de Deus" - no seu centro, foi utilizada com propósitos políticos e, depois, por Thomas Cromwell, para propaganda governamental. De modo semelhante, uma nova visão de todo o passado inglês, baseada nessa mesma teologia política, foi criada como propaganda pelo governo henriquino, a fim de justificar a revolução a que chamamos Reforma.

E é por causa desta deliberada incompreensão da sua história que os ingleses se iriam esquecer de que são europeus [e cita V. Bogdanor em Remembering and Forgeting: "England once lay in the mainstream of European development and after the sixteenth century it became an eccentric tributary"...]. Iriam tornar-se crescentemente nacionalistas e insulares na apresentação, com o peso da aquisição de um grande império ultramarino. Desenvolveram outras qualidades inspiradas pela sua própria visão do passado, incluindo um sentido de "especifidade", auto suficiência, superioridade e separação de todos os outros povos do mundo. Esta falsa memória influenciou a sua psicologia e o seu olhar para o mundo. Isto a longo prazo explica as particulares dificuldades que encontraram, quando a Inglaterra finalmente perdeu o seu império e teve de lutar para encontrar um novo papel no mundo, e quando as forças da mudança política e económica lhe impuseram ser outra vez parte da Europa. Em meados do século XX, poucas vozes apoiaram tal perspetiva, e ainda há muita gente, no fim deste século, que muito dificilmente a aceita.

 

   Escritas em 1998, estas palavras de Edwin Jones ganham hoje mais força e repercussão. A Reforma que origina a Igreja Anglicana não é fundamentalmente religiosa, ainda hoje a doutrina e o culto anglicanos - tal como acontece nas suas descendentes episcopalianas - se aproximam muito dos da Igreja Católica Romana, sobretudo se os compararmos com os de outras Igrejas Reformadas, como a Luterana ou a Calvinista. A Reforma Anglicana tem uma motivação política que foi em busca de uma raiz teológica, para justificar a obediência nacionalista ao rei - logo tornado chefe da Igreja de Inglaterra - acima de qualquer outra.

 

   Outros reinos europeus, continentais, também adotariam, com os seus respetivos soberanos, a Reforma de Lutero ou Calvino, como a Dinamarca, a Suécia, a Holanda, mas manter-se-iam no concerto europeu, no qual, aliás, também ficaram, protestantes ou católicos - de acordo com o princípio ejus regio cujus religio - os vários estados germânicos. Os italianos, o Império Austríaco, como o dos Habsburgos de Espanha, e os reinos de Portugal e de França permaneceram católicos. E foi esta Europa católica que, na tradição da Cristandade de antanho, se opôs à progressão do Império Otomano, finalmente derrotado na batalha de Lepanto. Terá sido o canto do cisne da Europa como Cristandade. Porque mesmo as nações católicas iriam enveredar por uma crescente independência do papado e afirmação do poder régio como diretamente proveniente de Deus. O nacionalismo triunfa.

  

   A insularidade como natureza ou o isolacionismo inglês e, por extensão, britânico afirma-se, pois, apenas no século XVI, pela emancipação henriquina da tutela papal, símbolo da sua secessão da Europa católica. Antes disso - e ainda no século XV - a Inglaterra, não só comungava na cultura europeia e latina, como participava intensamente e intervinha nos movimentos, afrontamentos e conflitos continentais. Aliás, o próprio casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão ("a woman of most gentleness, of most humility, and buxomness" [amabilidade], dizia dela o rei seu marido) é sinal dessa atualidade. Mas dali em diante, ainda que desenvolvendo relações comerciais com o continente, a Inglaterra concentra-se no seu império ultramarino, e os próprios conflitos com outras nações europeias acontecem além-mar. Só já no século XIX, com as guerras napoleónicas e o bloqueio continental, o Reino Unido voltará a entrar na Europa e no jogo político europeu.

 

   Na segunda metade desse século, desenha-se outro mosaico de nações e potências europeias, quer em função da unificação da Alemanha e do Risorgimento italiano, como em virtude da ocupação das terras africanas - que irá ditar os acordos e tratados da Conferência de Berlim - e do enfraquecimento e desmembramento do Império Otomano, que colocará o norte de África e o Médio Oriente sob tutela, sobretudo, da França e do Reino Unido, tal como permitirá a independência da Grécia.

 

   A época vitoriana (a rainha Vitória era de sangue alemão), não só coincidirá com a colocação de príncipes da família Saxe-Coburgo em tronos europeus (Grécia, Bélgica, Bulgária e, por via do casamento de Fernando, primo de Alberto, consorte de Vitória, com a rainha Maria da Glória, em Portugal), como reforçará a ingerência dos britânicos na política europeia, iniciada pelas guerras napoleónicas, ainda que pragmaticamente definindo os seus limites: estar com a Europa, sem ser europeu. É interessante observarmos, Princesa, como se repetiram as origens alemãs da realeza britânica: depois dos Hanover, os Saxe-Coburgo: o serem protestantes ajudava, o serem alemães era um aviso à tentação expansionista da França. Mas a 1ª Grande Guerra levaria os Coburgo de Inglaterra a anglicizarem o nome para Windsor, traduzindo igualmente, à letra, o dos seus próximos Battenberg para Mountbatten.

  

   Tal "naturalização" de nomes e famílias significa também o fim de uma afinidade anglo-alemã, e o princípio de nova aproximação à França, apesar de diferendos e rivalidades, quiçá mais fora do que dentro da Europa. Os impérios germânicos (alemão e austríaco) saem derrotados da guerra, tal como o otomano, que Mustafá Kemal (Ataturk) transformará numa república laica. A Áustria fica diminuta, sem peso estratégico. Só a Alemanha, na sua inteireza, e com o seu ressentimento, se virá a afirmar como ameaça, sobretudo a partir do advento do nacional-socialismo. Contra ela, na Europa e não só, o Reino Unido só pode contar com um aliado natural, porque na linha da frente: a França. Na verdade, os EUA reiteram a sua opção isolacionista. Ou então, se isso for ainda possível, poderá apostar na aproximação pacífica da Alemanha e da França. Será essa a "doutrina" de Churchill, logo em 1930, num conhecido artigo publicado no Saturday Evening Post, a 15 de Fevereiro, em que defende a ideia de uns Estados Unidos da Europa, mas com os ingleses de fora: É uma ideia justa. Todas as iniciativas nesse sentido são boas, podem acalmar ódios do passado e recordações de tiranias. Fomentam trocas de bens e serviços, levam os povos a desistirem de se armarem, o que será bom para eles e para todos... [fica aqui bem clara a preocupação de Churchill: nada tinha a opor, antes pelo contrário, à prosperidade económica da Alemanha, só não a queria armada]... Nós estamos com a Europa, mas não fazemos parte dela. Embora tendo interesses em comum, não queremos ser integrados.

Já no pós 2ª Guerra, entregar-se-á à sua cruzada europeia - assim lhe chama François Bédarida no seu Churchill (Paris, Fayard, 1999) – em que se destacam uma conferência na Universidade de Zurique, a 19 de Setembro de 1946 e, sobretudo, o discurso de 7 de Maio de 1948 no Congresso Europeu da Haia.

 

   Descobri, entre as fotografias muitas que ilustram o Churchill - a Life de Martin Gilbert (na edição de Londres, Random House, 2000), uma comovente: com 73 anos, sentado à tribuna donde falou para a oito centenas de participantes, Winston Churchill enxuga as lágrimas abundantes que lhe provocou o aplauso unânime e caloroso ao seu discurso. Rodeiam-no, batendo palmas, o Dr. Kerstens (Holanda), Paul Ramadier (França), o Dr. Retinger (Secretário Geral do Congresso), e Denis de Rougemont (um dos fundadores do Movimento Europeu).

 

   Já em Zurique Churchill havia proposto uns Estados Unidos da Europa, que, por espantoso que fosse, deveriam começar assim: The first step in the re-creation of the European family must be a partnership between France and Germany, não sendo qualquer renascença europeia possível without a spiritually great France and a spiritually great Germany. Na Haia, reitera o apelo à unidade, mesmo que tal implique renúncias a atributos de soberania nacional e, pensando certamente na potência soviética, também promove a NATO e a OCDE. A referência a essas duas organizações não é despicienda: na verdade, ambas pressupõem parceria com os EUA, quer para a defesa comum (o facto de os americanos possuírem bomba atómica é importante), quer para a recuperação económica da Europa (pensa no plano Marshall). Mas significa algo mais: na altura, senhor ainda de um império ultramarino (que, aliás, Churchill zelosamente amava), o Reino Unido fazia deste a sua prioridade; depois, vinha os EUA, esteio importante do mundo anglófono e da cultura anglo-saxónica; só em terceiro lugar surgia a Europa, parceiro comercial que se poderia formar e se desejava próspero, aliado que se queria forte, pois geograficamente encostado ao bloco do Pacto de Varsóvia.

 

   Tal doutrina será exposta ao Congresso do Partido Conservador, ainda em 1948, por um Churchill que, apesar de tudo, era, ao tempo, além de ferrenho defensor do British Empire (e, consequentemente, seria do Commonwealth), se tornara já também oponente do bloco soviético, fervente pró americano (filho de americana, seria também feito primeiro cidadão honorário dos EUA), e defensor da "sua" união europeia. Esta última opção, todavia, não era popular nos círculos políticos britânicos. Por isso, aliás, se constituiria a EFTA, em Maio de 1960, o grupo ou associação dos outer seven (Áustria, Dinamarca, Noruega, Portugal, Reino Unido, Suécia e Suíça) contraposto à CEE dos inner six (Alemanha Federal, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos). Esta era já uma união aduaneira, enquanto a EFTA era apenas uma zona de livre-câmbio, agremiação mais pragmática e menos vinculativa. Quando, finalmente, e apesar da oposição de De Gaulle, virá a integrar, em 1973, a CEE, fá-lo também por razões pragmáticas: sentia os prejuízos advenientes da perda do império, não podia ficar de fora de um novo bloco económico e financeiro em construção.

 

   Por tudo isso, Princesa de mim, já escrevi que o BREXIT não me surpreende, nem me apavora. Nem estranho o "apoio" que lhe deu Donald Trump. Vejo sobretudo o regresso a uma situação conhecida, sem grandes sustos nem novidades. Mais preocupante, para mim, é verificar o progresso de alguma cegueira para o mundo novo que se desenha, bem como o egoísmo reacionário motivador de várias outras insistências em "exits" que por aí vão surgindo: o receio xenófobo da necessária convivência num mundo em que tudo e todos somos, seremos, cada vez mais ubíquos. Sobre isso, Princesa, temos o dever moral de nos interrogarmos. Tal como, por outro lado, perguntar como reorganizar, democrática e eticamente, uma unidade europeia de nações e regiões, de culturas e povos... Temos de reaprender a olhar para nós e para o mundo, tentar perceber o muito que ideias feitas nos esconde. Quando acima te falo do Henrique VIII ou do Churchill, não procuro identificar causalidades, apenas aponto circunstâncias e exemplos.

 

   Ainda esta manhã me lembrava da nomenclatura das civilizações do Huntington - de que discordo, como já te disse - de como ele separa a cultura ibero-américa da civilização ocidental, esta abrangendo apenas a Europa Ocidental, a América anglófona e a anglófona Oceânia. Isto é: para Samuel Huntington e muitos outros, o mundo anglo-saxónico é outro universo (será quiçá, a "Europa" seu vassalo?). Assim como ao jeito daquela brincadeira entre o Michael Bloomberg e o Boris Johnson a falarem de trocarem entre ambos New York e London... O Michel Rocard, francês e huguenote, lá sabia porque é que apontava brexit aos britânicos: só porque estes vivem noutro mundo, não se acomodam com europas... E tal não é ficção, apenas realidade, sem que mal algum venha por isso ao mundo.

 

   Aliás, todo esse alarido em redor do BREXIT mais parece conversa de comentadores de futebol do que análise serena de uma situação que, afinal, não é muito diferente do que já sabíamos e, até à data, incomodou sobretudo aqueles especuladores financeiros, a quem, erradamente, por aí se chama "investidores"... Há pouco, dei comigo a perguntar se o Tony Blair - que tão obedientemente seguiu George W. Bush no disparate dramático da guerra do Iraque, cujas consequências continuamos a sofrer - terá sentido muito o BREXIT, ou simplesmente achado nova oportunidade de "brilhar", como o Durão Barroso, vazio e vaidoso, a aconselhar outro qualquer Goldman Sachs... Não terei esquecido tão cedo aquelas imagens dos Açores, com os chefes dos governos ibéricos a juntarem-se aos anglo-americanos da guerra no Iraque. Ainda ontem, as associei, instintivamente às imagens chocantes do atentado em Nice.

 

   Afinal, bem vistas as coisas, a Europa sofre mais pelos "políticos" que tem, e por oportunismos, demagogias, ganâncias e preconceitos, do que pela riqueza que possui na diversidade das suas identidades culturais... O projeto europeu foi, e terá de ser, um pacto de convivência na paz, na abertura aos outros. Sejamos pragmáticos e fraternos, deixemo-nos de voluntarismos constitucionalistas "à la Delors" ou rigorismos financeiros "à la Schäuble". Vale bem mais a pena sabermos viver uns com os outros, para o bem maior de todos, do que estafarmo-nos em intermináveis reuniões com o propósito de definir e impor regras que, mais do que governar-nos, nos incomodam, quando também não injustiçam muita gente. Não nos faltam leis nem regulamentos, falta-nos essa ética elementar que se chama amor do próximo. Quiçá seja mais acertado dizer-te o tanto quanto sinto a falta de um espaço espiritual de liberdade, nesta Europa circunscrita por receitas económicas e financeiras, minada por vaidades consumistas e apetites de dinheiro, deformada por desequilíbrios, desigualdades, esquecimentos.

 

   Devo estar a envelhecer. Definitivamente. Mas mentiria se escondesse que acho loucura esse estafado "sonho europeu" (?) de construção de uma nova grande potência. Posso estar gagá, mas não sou, nem quero ser, russo "à la Poutine" ou chinês com pretensões hegemónicas. Quero estar onde se abram portas e janelas de convivência e criatividade.

 

      Camilo Maria

Camilo Martins de Oliveira