Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Se tomarmos como referência um modelo antropológico, a cultura não é um bem de primeira necessidade, por confronto com o ar que respiramos, a água, a alimentação, o vestuário, a saúde, tidos como bens primários e de sobrevivência, pelo que, nesta perspetiva, podemos viver sem ópera, cinema, teatro, bailado, literatura, as letras e as artes em geral, embora haja a tradição de ser-se tanto mais civilizado quanto mais culto, de que não há civilização sem cultura, sob pena de vivermos em barbárie.
Se se aceita, em termos antropológicos puros, que se pode sobreviver sem a cultura erudita, também podemos permanecer vivos, pelo mesmo critério, sem escrita e a palavra falada, sem educação, sem medicina, sem justiça, por exemplo, embora não possamos ter educação e saúde sem o saber associado ao culto do estudo, da investigação, da criatividade, da invenção, o que implica não excluir a escrita, a fala, a linguagem especializada, a ciência e a técnica, incluindo as humanidades e as artes.
É inexequível positivar a realidade que apelidamos de cultura, dada a sua adaptabilidade, flexibilidade e elasticidade, sendo um universo escrutinado e questionado em permanência, englobando tudo o que a natureza não produz e lhe é adicionado pela criação e espírito humano, desde uma definição mínima e seu sentido restrito, a um significado intermédio e uma interpretação mais ampla, numa desconstrução e refazer permanente, negando determinismos e purismos.
Nesta sequência, é redutor não ter a cultura como um bem de primeira necessidade, por maioria de razão se pensarmos que tudo é passageiro e só fica a escrita, o património histórico, a fotografia, o audiovisual, a digitalização, sem os quais não há “eternidade”, mesmo que os seus autores, em vida, não tenham tido o poder de mandar, mas sim o de imortalizar do esquecimento histórias e biografias de poderosos que não sobreviveram à lei da morte, definindo a Cultura a História e a memória coletiva duma civilização post mortem e dos que nela foram seus intervenientes.
Não há acordo quanto ao sentido a atribuir à palavra civilização.
São sinónimos de civilização o desenvolvimento, o progresso, o florescimento, o adiantamento, a cultura, por oposição ao atraso, à barbárie, ao retrocesso, podendo expressar boas maneiras, boa educação, superioridade cultural e intelectual, evolução científica e tecnológica, avanço político, social e cultural, ser singular ou plural, querer dizer Ocidente ou a Humanidade.
Começa por significar um elevado nível de desenvolvimento espiritual e social surgindo, pela primeira vez, em França, no século XVIII, segundo Braudel, em Gramática das Civilizações, tendo o eurocentrismo como o centro e farol do mundo, representado pelas conquistas científicas, tecnológicas, intelectuais e culturais da Europa Iluminista, onde a Razão iluminada é tida como a principal causa de progresso da humanidade.
Porém, o termo civilização ganhou uma forma plural, deixando de resumir-se ao ideário eurocêntrico e realidades europeias emergentes do eurocentrismo, reconhecendo a existência de outras civilizações também suas contemporâneas, uma vez os seres humanos não prescindirem daquilo que lhes é específico, dado acreditarem que reside aí o sustento da sua dignidade e integridade perante os outros.
Pode, por exemplo, falar-se em civilização ocidental, islâmica, hindu, chinesa e africana.
Se o termo plural civilizações traduz o abandono de uma determinada superioridade civilizacional, a verdade é que civilização continua a ter em si mesma um juízo de valor que a faz coincidir com uma realidade humana privilegiada, mais evoluída, por confronto com as demais, mesmo tendo como assente que a barbárie pode ser um programa inscrito no seu próprio programa.
No seu ímpeto progressista e dominante, a civilização ocidental tomou os direitos humanos como uma verdade necessária e universal, na sequência do segundo conflito mundial, pelo que atualmente civilização integra também a paz, humanismo e ausência de crimes bélicos, contra a humanidade e de genocídio em tempo de guerra, mesmo que lícita, a par de uma difícil e paulatina aceitação de uma justiça penal internacional.
E se bem que os direitos humanos não possam ser ignorados, por serem parte essencial do diálogo inter-civilizacional, resta saber até que ponto a sua origem ocidental inviabiliza a sua universalização e a noção de civilização que defende.
Há quem fale no choque de civilizações, em que sobressai a tese de Samuel Huntington.
Vivemos há muito numa consentida pandemia entre egoísmo e desigualdades sociais.
O projeto de vida de cada um, que não englobou a capacidade de incluir o outro como nosso semelhante, fortaleceu sim, um projeto patológico, que amadureceu ao ponto das suas raízes medrarem no podre, criando mesmo resistências a uma mudança.
Tudo se foi fortalecendo nos caminhos dos carreiristas, dos astuciosos, dos que conhecem os avessos o suficiente, para estarem sempre no lugar certo à hora certa, e surgirem como os obviamente aptos para os cargos.
Deixar que o silêncio abafe as dificuldades alheias de quem enfim, vive ainda do crédito que deposita em quem é afinal o devedor, faz parte da engrenagem que confunde por obra e graça.
Dar uma sensação de confiança que não existe, é, igualmente tratar todos por um qualquer número de cama de enfermaria parda, distante q.b. de um quarto particular que não conhece o diálogo da carência.
O diagnóstico foi sempre o mesmo: falhou a solidariedade na luta contra as desigualdades, e falhou o orgulho por se conviver numa vida digna, tendo em conta as capacidades de cada qual.
Afinal, continua a ter êxito a competição que descartou o local asténico onde nenhum coração pode bater esperançoso, antes, o enorme umbigo confere ritmo às relações humanas, qual cruz sorteada a cada, depois de um canto de sereias determinar o a quem.
No entretanto, muito se presencia uma vida de coma assistido.
Continuamos juntos, sem um progresso em direção ao respeito pelo indivíduo. As fortes disparidades proliferam e multiplicam-se no egoísmo e suas consequências, a fim de que uns, se possam sentir por natureza, mais do que outros, por virulento, desprovido, bolorento e delinquente que seja esse mais.
De registar que a falta de investimento na cultura e na educação serão sempre pródigas no manter do statu quo.
Pergunta-se: como pode uma sociedade prosperar de forma equitativa se o plano do poder ignora o contrato social?
Creia-se que o continuar do cada um por si, é o definitivo naufrágio.
Já é um parágrafo na história da civilização.
Será pois a impossibilidade definitiva de um feliz deus tirar fotografias atras de fotografias.