Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Recentemente chega-nos um estudo de Antero Palma-Carlos, intitulado “Os Médicos, a Ópera e a História” que precisamente evoca e descreve o relacionamento temático, literário e musical da ciência e da atividade médica e clínica com a criação e o espetáculo de ópera: livro e tema de facto abrangente e em tantos aspetos original, num meio de certo modo restrito como é o meio operístico, em Portugal.
E no entanto, desde logo se refira a formação e atividade médica do autor, mas também do prefaciador Álvaro Malta, ele também médico e com uma notável carreira nacional e internacional de cantor, sobretudo mas não só de ópera, como ao longo de anos tivemos ocasião de acompanhar.
Mas o autor e o prefaciador não são os únicos profissionais ou estudantes de medicina ligados à ópera e ao canto clássico/operístico em Portugal. Entre outros, o livro cita Mário Moreau, historiador e diretor do Teatro de São Carlos, Machado Macedo, Presidente da Fundação São Carlos, Maurício Bensaúde, Tomás Alcaide, Kátia Guerreiro e ainda Matos Ferreira, Aires Gonçalves, Silva Santos e ainda outros mais.
Recordo em particular e a título pessoal Tomaz Alcaide, pois durante anos tive ocasião de assistir, no Teatro da Trindade, aos ensaios e espetáculos da Companhia Portuguesa de Ópera, onde Alcaide desempenhou, com qualidade e brilho inesquecíveis, funções de diretor e encenador. Os ensaios eram efetivamente verdadeiras lições de arte musical e cénica, num testemunho vivo, direto e pedagógico da carreira ímpar de Tomaz Alcaide como cantor, durante décadas em toda a Europa.
Na perspetiva de análise histórica, o livro de Antero Palma-Carlos contém referências desenvolvidas e evocações selecionadas de óperas, portuguesas ou não, relacionadas com temários, situações e personagens ligados à história de Portugal ou à sociedade portuguesa: “D. Branca” de Alfredo Keil, “Vasco da Gama - L Africaine” de Meyerber, “Jessonda” de Spohr, “Il Guarany” de António Carlos Gomes, “D. Sebastien Roi du Portugal” de Donizetti, “LHotellerie Portugaise” de Cherubini, “Blimunda” de Corghi, “Les Diamands de la Courone” de Auber.
Mas acrescenta mais uma larga dezena de títulos de obras de compositores portugueses e estrangeiros também apresentadas no Teatro de São Carlos e no Coliseu dos Recreios, de temário português, independentemente da nacionalidade do compositor. E essas, curiosamente, tanto englobam óperas como cantatas e composições diversas de música e cena, cobrindo os séculos de História e a variedade imensa de compositores e escritores, desde os citados mas também por exemplo escritores e compositores como Rui Coelho, Azio Corghi e José Saramago, Alfredo Keil, Marcos Portugal, Afonso Lopes Vieira, João Arroio, Auber, Barahona Fragoso e tantos mais!...
Antero Palma-Carlos remete para uma bibliografia abrangente, com destaque, no que se refere ao Teatro de São Carlos e ao Coliseu, para pesquisas de Mário Moreau. Faremos pois, em crónicas futuras, referência a estudos de Moreau e de outros autores que deste assunto se ocuparam.
Já nos ocupámos aqui do estudo de Henry Lionnet sobre os teatros portugueses, escrito, recordo, em francês e publicado, em Paris no ano de 1898: “Le Théâtre au Portugal”, (2ª edição, Paul Ollendorf ed. 28 bis Rue de Richelieu). Recordo ainda que as cerca de 300 páginas do volume, adquirido num alfarrabista, contêm 45 imagens e fotografias de teatros, autores e atores. Como então escrevemos, trata-se efetivamente de uma raridade, quanto mais não seja pela importância que é aqui atribuída ao teatro escrito e representado sobretudo em Lisboa e no Porto, com referências por vezes detalhadas e devidamente ilustradas aos teatros portugueses mais relevantes na época.
Como vimos no artigo anterior sobre o tema, trata-se de um levantamento analítico do teatro e dos teatros, dos dramaturgos e dos artistas que na época atuavam sobretudo em Lisboa e no Porto, com gravuras de edifícios, salas, cartazes, programas e atores e atrizes, e com destaque, no que se refere às gravuras de edifícios, plantas de interior, cartazes e programas, para o D. Maria II, Ginásio, Trindade e Coliseu dos Recreios em Lisboa e para o D. Afonso e Príncipe Real, no Porto.
Isto, no que se refere, como como foi dito, aos teatros propriamente ditos. Porque as restantes gravuras são como vimos de atrizes e atores em cena, num variedade de peças devidamente identificadas e muitas vezes analisadas ao longo do texto. Os atores e atrizes evocados são da ordem das centenas. E farei aqui um destaque, pois se trata de uma então muito jovem atriz que, dezenas de anos depois, ainda vi tantas vezes representar como decana do Teatro Nacional - Palmira Bastos, já qualificada no livro de Henry Lyonnet como “primeira atriz do Teatro da Trindade” e isto, insista-se, em 1898!
E recordo designadamente o último grande sucesso de Palmira, “As Árvores Morrem de Pé”, de Alexandre Casona, no D. Maria II, mais de 60 anos decorridos!
Mas voltando aos teatros, o livro refere designadamente os seguintes, com os comentários e apreciações aqui transcritas no artigo anterior:
«O Teatro D. Maria II para a alta comédia e o drama. O Teatro do Ginásio para a comédia e o vaudeville. O Teatro da Trindade para a opereta, e momentaneamente para a comédia e o drama. O Teatro da Rua dos Condes para a opereta e a revista. O Teatro do Príncipe Real para o drama e a revista popular.
O Teatro da Avenida para a opereta popular e a revista. O Teatro São Carlos (Ópera) não está aberto senão algumas semanas no inverno, para uma companhia de ópera italiana e o Teatro Dona Amélia para as companhias de passagem, ópera italiana e zarzuela espanhola.
No Porto:
O Teatro do Príncipe Real, reservado à comédia, ao drama, à opereta. O Teatro D. Afonso à opereta e à revista. O novo Teatro Carlos Alberto estreia-se com uma opereta. O Teatro da Trindade – quando está aberto – apresenta peças populares. O Teatro S. João alberga a ópera italiana». (fim de citação)
Estas apreciações são desenvolvidas ao longo do livro. Mas, tal como escrevi no artigo anterior, justifica-se ainda uma referência ao livro de Henry Lyonnet, designadamente no que respeita ao Coliseu dos Recreios, que lhe merece aliás um capitulo autónomo. E ao contrário das restantes, a referência ao Coliseu, em si mesma interessante, surge “prejudicada” pela confusão do espetáculo em si, mas sobretudo pelas dificuldades em confirmar o acesso à sala, numa récita de apoio a viúvas e órfãos organizada pela então relevante Associação de Imprensa.
A organização terá sido caótica. E a descrição da sala que aqui resumimos, é no mínimo ambígua:
«A sala, muito vasta, construída sobretudo tendo em vista o circo, surge-nos simultaneamente enorme e elegante. Cobre-a uma cúpula metálica. Quando à cena, mal se distingue, impercetível, num canto, fazendo face à tribuna real, imensa, desproporcionada, enquanto 102 camarotes distribuídos em duas filas, espalham-se em redor. Por cima destes camarotes, um vasto “promenoir” onde a multidão se acumula, de pé. Por baixo (...), um imenso anfiteatro onde se acumulam três mil espetadores. Estas últimos lugares chama-se a geral. E tudo isto, eta noite, está cheio a transbordar. A geral, em particular oferece uma imagem extraordinária; os espetadores, apertados, comprimidos uns sobre os outros, não podem mesmo sentar-se e mantêm-se de pé. Deste ajuntamento inaudito, ouvem-se cada momento gritos, imprecações, palavras ordinárias - sempre as mesmas - insistindo até à obsessão. Tudo isto a dois passos de senhores de fato escuro e damas de elegantes toiletes de noite!»