Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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LIV - NÃO AO COMPLEXO DE INFERIORIDADE LINGUÍSTICO (VII)
Que têm feito a CPLP, o Instituto Camões, autoridades governamentais, instituições, associações lusófonas e a sociedade civil, para atenuar ou evitar este complexo de inferioridade linguístico?
Uma conclusão é a de que, apesar de vivermos em plena época da globalização, a sua pretensa e alegada uniformização a todos os níveis, incluindo o linguístico, não é tão evidente como seria de esperar. Se tomarmos como termo de comparação o que sucedia há vinte ou trinta anos, concluímos que o número de línguas disponíveis em termos culturais, turísticos e políticos era menor, restringindo-se, à data, normalmente ao francês e ao inglês, fora dos respetivos países falantes, apesar de atualmente o inglês ser a língua global em termos comerciais, negociais e tecnológicos. Conclui-se, pois, que globalização não é, nem tem que ser, sinónimo de uniformização.
Pelo lugar que ocupa mundialmente e no mundo ocidental, será legítimo que o nosso idioma tenha outra projeção internacional.
Entretanto, muitas vezes os lusófonos, começando pelos portugueses, pouco ou nada fazem para que o idioma comum ocupe o lugar que lhe compete por direito próprio no mundo contemporâneo, quer numa perspetiva cultural, turística, tecnológica, política, de marketing, etc.
Como já referido, há que pôr de lado um certo culto de secundarização da língua portuguesa por parte dos lusófonos, como que derivado de um complexo de inferioridade sem sentido e associado a uma espécie de fatalidade ou de vergonha colada a uma pretensa falta de orgulho e de visibilidade dos respetivos países no jogo mundial.
Será necessário, para tanto, que a CPLP, o Instituto Camões e entes paralelos ultrapassem o campo das meras boas intenções em conjugação de esforços com as associações e sociedades civis lusófonas, as quais, por vezes, são potenciadoras de mais valias que superam a vontade política dos Estados membros.
É necessária uma estratégia que consagre a importância da língua comum como fator de projeção estratégica.
Nesta sequência, fazendo uso das palavras de Vítor Marques dos Santos, “Os povos dos países da CPLP, bem como as comunidades de lusofalantes espalhadas pelo mundo, formam um espaço de expressão cultural, (…) definindo-se em termos de fator de projeção estratégica potencial”. E conclui: “Neste contexto, a CPLP constitui o enquadramento institucional que reúne as condições necessárias à defesa da lusofonia e ao desenvolvimento da língua portuguesa como património cultural, e fator de projeção estratégica, cujodesenvolvimento importa tanto para Portugal, como aos outros países da CPLP” (em “Lusofonia e Projeção Estratégica. Portugal e a CPLP”, Revista “Nação e Defesa”, n.º 109, 2.ª série, Outono 2004, p. 123). coordenação de Óscar Soares Barata, ISCSP, p. 70).
Assim, se o Conceito Estratégico Nacional (Adriano Moreira), ou Conceito Estratégico de Segurança Nacional (Loureiro dos Santos), engloba os interesses irrenunciáveis e os objetivos primordiais relacionados com a identidade nacional de cada país e a função que pretende desempenhar, ou vai desempenhar, na comunidade internacional; é inegável, quanto a nós, que a língua portuguesa e a lusofonia são parte integrante e elemento constitutivo de tal noção, não só numa perspetiva nacional, mas também multilateral, lusófona e internacional, seja qual for a terminologia adotada, dado que tais realidades, porque comuns, são expressões fundamentais de identidade de todos os países da CPLP e comunidades lusófonas espalhadas pelo mundo, quer no plano interno ou externo.
Porém, enquanto a lusofonia é apenas um dos elementos que estão por detrás da CPLP, uma vez que os países membros também têm uma cultura própria não lusófona; já a língua portuguesa é o seu elemento fundamental.
LIII - NÃO AO COMPLEXO DE INFERIORIDADE LINGUÍSTICO (VI)
Nem é verdade que haja um número pouco representativo de turistas falantes de português (além dos emigrantes lusófonos), sendo significativo o número de portugueses e brasileiros com que me cruzo por lugares e países que conheço, omissão que não se justifica, por maioria de razão, em relação a outros idiomas, que apesar de menos falados e com menos turistas são, por comparação, mais divulgados e oficializados.
Esta indiferença de afirmação e de laxismo no reconhecimento da nossa identidade via língua inferioriza-nos, originando que nos associem como indígenas de uma língua menor ou de um dialeto castelhano, sendo nós tantas vezes os causadores dessa subsídio-dependência, por acrítica passividade, seguidismo acrítico, ao querermos demonstrar que somos fixes e hospitaleiramente poliglotas, absorvendo e aceitando tudo, tipo permissividade eufórica ou resignação apática.
Se é verdade que não é por esta ou aquela omissão que a língua de Camões não sobrevive, não é menos verdade que tais omissões contribuem para a sua menor visibilidade, de Portugal e demais povos lusófonos, não a dignificando como merece.
De que nos vale o conhecimento e reconhecimento do alheio, se o não houver de nós próprios? Porquê tanta resignação perante o mote de “o que é estrangeiro é que é bom” (embora, na realidade, só seja “bom”, se de um país com um nível de vida superior ao nosso)?
Em certas situações uma desproporcionada permissividade pode representar um perigo, não remediado pela simpatia ou por não querermos parecer patrioticamente vaidosos, negando valor ao que é nosso e por direito próprio se impõe.
Por maioria de razão quando regularmente e em igualdade de circunstâncias não funciona a reciprocidade, mesmo de idiomas menos falados que o nosso.
Conclui-se que muitas vezes inferiorizamos um dos elos e dos símbolos maiores da nossa identidade e dignidade, senão o maior, sendo sabido que um povo que não tem identidade não tem dignidade. Deixemo-nos de complexos de inferiorização e defendamos sempre o que temos de mais profícuo em termos de identidade, sem nacionalismos doentios e recordemos, sem propósitos chauvinistas, que não foi a nossa pequenez territorial que nos impediu de disseminar pelo mundo a língua que falamos, que não é apenas nossa, partilhando-a com outros, que a enriquecem.
Num mundo global as políticas nacionais centram-se, cada vez mais, na esfera cultural, incluindo a língua e o património em geral, sendo Portugal, em restritos termos económicos cada vez menos um país, à semelhança de outros, mas é-o cada vez mais como realidade cultural, a começar pela língua, sendo esta um dos vetores que nos diferencia, com grandes potencialidades lusófonas e lusófilas para, futuramente, nos diferenciar ainda mais.
Se a admiração bacoca, gratuita e papalva pelo que não é nosso, e o fazer-se gala de não se ter qualquer preferência nacional são manifestações provincianas, por primazia de razão no que toca a um complexo de inferioridade linguístico amputador duma alegria e mais-valia de que, num sentido saudável, nos devemos orgulhar. Ao vivermos tão obcecados com o que nos falta, somos incapazes de beneficiar do que temos de bom e de melhor.
Indicia-se sofrermos de um complexo de inferioridade em relação ao estrangeiro mais forte ou de um nível de vida superior, com algumas elites azedas e totalmente estrangeiradas que gostariam de ter nascido noutro país, inferiorizando o seu, sempre que podem, com reflexos no complexo de inferioridade linguístico, tendencialmente imitado pelo cidadão comum, dada a ausência duma liderança estratégica e responsável e duma não consciencialização dos direitos e deveres de cidadania.
O que é extensivo a muitos lusófonos cultores da secundarização duma língua comum, como que derivado de um complexo de inferioridade sem sentido e associado a uma espécie de fatalidade ou sonho sempre adiado, a uma vergonha envergonhada colada a uma pretensa falta de orgulho, de amor-próprio e de não visibilidade maior dos respetivos países no jogo de poder à escala mundial, havendo necessidade duma estratégia que a defenda e divulgue como língua de vanguarda e de exportação, ao invés do estatuto de língua dominada que vem tendo, crescentemente, na União Europeia.
Não sendo adepto de qualquer forma de nacionalismo ou patriotismo exacerbado ou não saudável, lamento esta indiferente desistência, algo comum a muitos de nós, com consequências de inferiorização a nível linguístico, embora esperançado numa estratégia não apenas nossa, mas também nossa.
LII - NÃO AO COMPLEXO DE INFERIORIDADE LINGUÍSTICO (V)
Exemplos mais recentes podem exemplificar esta indiferença ou omissão linguística que tantas vezes implementamos.
Em agosto de 2013, na National Gallery de Dublin, Irlanda, tentaram disponibilizar-me um áudio-expositivo, em castelhano, dada a minha nacionalidade e a ausência em português, com a observação: “Sir, please, but we have spanish!”[1]. Optei pelo inglês, lamentei a omissão, expus as minhas razões, reclamei por escrito, com a anuência e colaboração duma interlocutora irlandesa.
No dia anterior, no início da visita à “Guiness Storehouse”, foi o “espanhol”, uma vez mais, o idioma aconselhado, num opcional roteiro em grupo, por falta de guias em português, o que educadamente (eu e família) recusámos, não deixando de argumentar que a omissão da nossa língua não é suprida pela sugerida, nem dela dependente ou seu dialeto, por muito respeito que nos mereça. Fizemos a visita com a vantagem de nos ter sido dado na bilheteira um mapa informativo do percurso em português. Versões em português existiam ainda na Catedral da Igreja de Cristo (Christ Church Cathedral) e de São Patrício (St Patrick`s Cathedral).
Todavia, em Abril de 2014, em Copenhaga, Dinamarca, nos passeios turísticos de autocarro e barco, as informações eram em dinamarquês, inglês, alemão, castelhano, italiano, polaco, sueco, russo, japonês e chinês. Nunca em português.
Observam-se progressos, como na gala da Fifa, em Zurique, Suiça, em Janeiro de 2014, onde Cristiano Ronaldo falou e agradeceu em português, ao ser tido como o melhor futebolista do mundo de 2013 recebendo, pela segunda vez, a Bola de Ouro (Pelé, ao receber a Bola de Ouro de Honra, pela sua carreira, falou inglês), ao invés de 2008, em Paris, onde se expressou em inglês, ao receber, pela primeira vez, o mesmo troféu. Acrescente-se a abertura em português de um sítio na net pela Fifa e o acesso à biblioteca digital mundial, em sete línguas (árabe, chinês, inglês, francês, castelhano, russo e português), usando o critério do número global de falantes à escala planetária. Para quando esclarecimentos e legendas em português em CD e DVD de música clássica e ópera?
Merece referência o testemunho de Carlos do Carmo quando recebeu um Grammy Latino de Carreira, em 19.11.2014, em Las Vegas, onde decidiu falar em português, após observar algo que era embaraçoso para ele: todos falavam em espanhol. E acrescenta: “Fiquei até dececionado com um artista que admiro muito, o Ney Matogrosso, que de repente pega num papel, começa a ler e… fala em espanhol. Porquê, se ele vem de um país onde 200 milhões de pessoas falam português? O português é uma das quatro ou cinco línguas mais faladas no mundo, porque é que vou estar aqui encolhido a falar uma língua que não é minha, mesmo que a consiga dominar?”.
Progressos pontuais que não justificam o conformismo e indiferença de muitos portugueses e outros lusófonos, sejam emigrantes ou turistas, menos ainda quando no nosso próprio país.
LI - NÃO AO COMPLEXO DE INFERIORIDADE LINGUÍSTICO (IV)
Além da desautorização a que é votado o português em várias organizações, congressos, fóruns, encontros, eventos artísticos e desportivos internacionais começando, muitas vezes, pela omissão dos próprios lusófonos nos seus países, citaremos mais exemplos da inferiorização, tendo como referência o nosso país e algumas viagens ao estrangeiro.
Com alguma frequência nos deparamos com situações em que produtos importados, comercializados e distribuídos em Portugal são omissos quanto a instruções escritas em português, o que nunca deveria suceder, apesar do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 238/86, de 19/08, reconhecer “(…)que o crescente alargamento do mercado nacional a produtos ou serviços de origem estrangeira, quando não acompanhado pelo uso da língua portuguesa, inviabiliza na prática o exercício do direito à informação”, o que não impede que as omissões continuem, incluindo novas tecnologias de ponta, sem que nada aconteça, que se saiba, dada a sua repetibilidade, embora puníveis por coima.
Não obstante a indiferença do cidadão comum, no geral, não denunciando nem reclamando, por maioria de razão se censura a omissão dos entes fiscalizadores, já que deveria ser um dado adquirido que, sendo nós portugueses e residindo em Portugal, o direito à informação no nosso idioma é um direito fundamental. Direito (à informação) que também não funciona quando, por tudo e por nada, se usam expressões ou termos anglófilos, por vezes em exclusivo, eventualmente tidos como mais abrangentes e civilizados, apesar do provincianismo.
Se antigamente a regra era ter como melhor língua a do vendedor, por uma questão de prestígio, penso que atualmente não chega, pois apesar de dar prestígio, não dá negócio, havendo que inverter o padrão e defender que a melhor língua é a do comprador.
É incompreensível, por outro lado, que pelo menos até 2006, o nosso idioma estivesse ausente no Estado do Vaticano (desconheço se ainda em 2019), o que testemunhei em visita familiar, em julho/agosto, apesar de mais falado que o francês e alemão (aí presentes, a par do inglês e castelhano), tanto mais surpreendente quando o Brasil é o maior e mais populoso país católico. Em 3 de Agosto, em visita à igreja de Santa Maria Maggiore, em Roma, havia confessionários em italiano, espanhol, francês, inglês, alemão, polaco, checo, holandês, húngaro, latim, svensk (presumo que sueco), norsk (presumo que norueguês), slovensky (esloveno), ttiêng viêt (?), ttio (?)… Procurei o português e notei a ausência, confirmada por uma segunda procura. Sem duvidar que, por princípio, todas as línguas têm a mesma dignidade, porquê tal omissão, sendo os lusófonos em maior número e maioritariamente católicos, por confronto com os falantes da maioria das línguas aí representadas? Qual a influência e o protagonismo das instituições católicas, entes diplomáticos, governamentais, outras entidades e associações lusófonas, inclusive via CPLP, para alterar tais incongruências!?
Dia 31 de Julho de 2006. Visita não programada a Nápoles e Pompeia. A guia, italiana, falava inglês, francês, castelhano, holandês e, ao que suponho, japonês, mas não português. Manifestei o meu desagrado. Já o tinha feito quando interpelado a ter de escolher entre o inglês e preferencialmente o “espanhol”, dada a parecença deste com o português, atento o argumento usado. Optei pelo inglês, sugerindo-se a mais-valia em falar português, mais falado que o francês, italiano e alemão, para além do holandês e japonês, enumerando-lhe os países falantes, o que disse saber, acabando, no final, por pronunciar bom dia e obrigado. Sugeriu-se, por escrito, para a necessidade crescente dos guias falarem o nosso idioma, o que foi subscrito por quatro portugueses.
Em 21 de Agosto de 2006, numa breve estadia em Maiorca (Baleares), deixei uma reclamação/sugestão escrita no hotel, com o seguinte teor (em português): “Este hotel tem muitos portugueses. Mas esquece Portugal e a língua portuguesa. Fala-se italiano, francês, alemão, inglês, há livros em holandês, informações em polaco… Em português, há um canal de televisão. É pouco para um país vizinho de Espanha, a quem dá muitos turistas. Portugal não tem direito a uma bandeira na entrada do vosso hotel!... Incompreensível. Além disso, o português é mais falado que o francês, alemão, italiano, holandês e polaco. Espanha é mais bem tratada em Portugal. Pelo que vejo merece tratamento diferente. Não admira que muitas pessoas digam (e pensem) que Espanha tem uma mentalidade imperial e arrogante. Obrigado”.
Entreguei-a ao diretor, a quem observei ser gratificante para nós, portugueses, ouvir pronunciar um mero bom dia, boas férias, obrigado, muito obrigado, ou expressões equivalentes, em espetáculos ou eventos sociais, à semelhança de agradecimentos e cumprimentos noutras línguas, mas em que está ausente o português, quando era significativa a presença de turistas lusos.
Sensibilizei-o não fazer sentido tudo isto e a ausência da bandeira portuguesa, não só pela clientela lusa, mas também por sermos um país vizinho, sendo suficiente este último argumento por uma questão de boa vizinhança e proximidade. Ser uma mais-valia apostar no português, um idioma com futuro, havendo também que pensar no Brasil e demais países lusófonos.
Deu-me razão, que ia colocar a questão superiormente, ficando a promessa que a nossa bandeira iria ter presença num dos mastros do hotel, que iriam ser impressos livros com informação em português, além de entender os qualificativos da mentalidade espanhola (castelhana), por ser catalão, pedindo-me desculpa. No Natal desse ano, recebi em Portugal um postal de boas festas, onde me era comunicado, após reincidentes desculpas, que a nossa bandeira flutuava à entrada do hotel, havendo folhetos e livros informativos em português na receção e áreas comuns do interior.
Em julho de 2005, de visita à Catedral de São Paulo, em Londres, reclamei oralmente para a omissão de prospetos gratuitos e informativos para os visitantes em português, não o tendo feito por escrito, dada a ausência de recetor, segundo informação obtida.
Em agosto de 2010, na Turquia, num resort muito frequentado por portugueses, sugeri dever haver um canal de tv na nossa língua, algumas palavras em português em locais públicos de passagem comum e objetos de mesa, em paralelo com as de outros idiomas, o que ficou de ser estudado, dada a crescente procura de turistas nacionais.
L - NÃO AO COMPLEXO DE INFERIORIDADE LINGUÍSTICO (III)
Há outros exemplos, por confronto com outros idiomas.
Em dezembro de 2003 realizou-se na Tunísia a primeira cimeira dos chefes de Estado e de Governo do Mediterrâneo Ocidental (Diálogo 5 + 5), integrando cinco países do sul da Europa, entre estes Portugal e cinco Estados do Norte de África. No início dos trabalhos Chirac falou em francês, Aznar em castelhano, Berlusconi em italiano, os governantes árabes em árabe e o primeiro-ministro português em …francês! Ao que consta, a audiência, maioritariamente francófona, aplaudiu emocionada. Sensivelmente, pela mesma data, também o nosso Presidente da República se expressou, em Madrid, num castelhano tipo “portunhol”, num fórum promovido pelo jornal “ABC”, o mesmo tendo feito, ao que lemos, na XIII cimeira Ibero-Americana, na Bolívia.
David Borges dá sugestivos exemplos, em texto publicado no livro A Língua Portuguesa: presente e futuro”[1] onde, em dado passo, refere a estupefação do escritor angolano Agualusa quando se apercebeu que num encontro em França, para divulgação da literatura e música dos países de língua portuguesa, em que estavam presentes cinco escritores portugueses, cinco africanos e um brasileiro, “(…) os portugueses falaram todos em francês, sempre em francês, num francês esplêndido, expurgado do mais remoto rumor do idioma pátrio. Os africanos falaram em português, e o brasileiro hesitou, entre uma língua e outra”. Tendo feito uma alusão crítica ao discurso francófono dos portugueses, obteve como resposta, de um deles “(…) que os escritores portugueses falam sempre em francês, porque sabem falar francês”, ao que Agualusa se calou mas, como diria, sem conseguir imaginar “(…) um congresso sobre literatura francófona, em Lisboa, durante o qual toda a gente fale português”.
Indigna-se também, e a propósito, por um número significativo de dirigentes portugueses dispensarem “(…) o nosso obscuro idioma em reuniões internacionais. Os portugueses choram de orgulho, muitíssimo deslumbrados. Lusófonos, sim, lusófonos sempre. De preferência em francês, que é uma língua mais civilizada, mas lusófonos”.
Recentemente, em Dezembro de 2011, aquando da cerimónia oficial, em Lisboa, para formalização do acordo para a compra da EDP, o português e presidente desta empresa portuguesa, bem como o português e ministro das finanças, falaram num inglês fluente, com o seu quê de chique, chiquíssimo e chiquérrimo, de elites vendedoras para elites compradoras, e não no idioma do país de origem, onde decorria a sessão, tendo como público destinatário os portugueses, o que seria impensável em eventos paralelos ou similares de países que não esquecem a sua língua (mesmo se menos universalizada que a nossa), como França, Alemanha, Itália, Rússia, Japão, Espanha e Reino Unido.
Usualíssimo que em eventos internacionais organizados e realizados entre nós, todos ou quase todos os participantes portugueses falem em inglês, sem qualquer preocupação de tradução para a língua pátria, mesmo havendo intérpretes disponíveis, o que por certo reduzirá custos e tornará o país mais competitivo, segundo eles, quando se reconhece que o poder linguístico e cultural comporta um poder económico forte e essencial nas relações entre os vários países.
Infelizmente, esta inferiorização de que grande parte das nossas elites faz culto, tem tendência a ser seguida pelo cidadão comum, atentos alguns exemplos já referidos, a que acresce a negligência na feitura de viagens ao aceitar guias ou intérpretes em línguas estrangeiras, quando há alternativas no uso da nossa, não dando azo a que se valorize e projete mais pelo mundo, inclusive dando emprego a intérpretes não maternos que a têm como língua de exportação.
02.07.2016 Joaquim Miguel de Morgado Patrício
[1] Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2005, pp. 167/68.
XLIX - NÃO AO COMPLEXO DE INFERIORIDADE LINGUÍSTICO (II)
Há que impedir que um dos idiomas em maior expansão mundial seja menorizado ou secundarizado.
Há exemplos, sendo fácil enumerá-los, tanto ao nível político, das elites, figuras públicas ou do cidadão comum em geral.
Abundam situações caricatas e grosseiras, como a de um treinador espanhol (Camacho), de um conhecido clube português (Benfica), useiro e vezeiro no uso do castelhano no nosso país, apesar de residente em Portugal por razões profissionais, nunca se lhe tendo ouvido, via comunicação social, um bom dia, boa tarde, boa noite ou obrigado. O que era extensivo ao espanhol Quique Flores. A que se pode juntar um treinador holandês de um clube de futebol luso que se expressava em castelhano e omitia qualquer palavra em português. Sempre sem protesto, sem a mais pequena e visível reação, ou escândalo, pela nossa parte, por certo porque eles e nós achamos normal, o que não sucederia se algum de nós residisse e trabalhasse em Espanha, falando em português e ignorando o castelhano.
O que é confirmado por confronto com um treinador português quando trabalhava e residia profissionalmente em Madrid, ao serviço do Real (Carlos Queirós), onde desde o primeiro dia se tentou exprimir em castelhano, sem se ter expressado, que saibamos, em português. O mesmo se diga de José Mourinho, de Cristiano Ronaldo, entre outros, falando publicamente, desde o início, o idioma do país vizinho, mesmo que pontualmente mais portunhol.
A velocíssima rapidez com que jogadores e técnicos portugueses se adaptam ou tentam adaptar a um bom uso da língua oficial de Espanha quando aí trabalham ou residem, é inversamente proporcional aos esforços que desportistas e técnicos espanhóis fazem para se adaptar a um bom domínio do português em terras lusas.
E que dizer de alguns profissionais da rádio e tv, que entrevistam alegremente em castelhano cidadãos desse idioma no nosso país, sem qualquer preocupação de tradução, o que é tido como normal, por certo, compreensível para os portugueses, apesar dos entrevistados serem hóspedes em nossa casa, uma vez que não compreendem, nem assim se esforçam por compreender, é claro, a nossa língua!?..
É usual ver falantes de castelhano residentes entre nós falando-o e escrevendo-o com naturalidade, com pouca ou nenhuma concessão a expressões portuguesas, sendo mais fácil ver portugueses a falar ou simular falar castelhano em Portugal, inclusive quando abordados por turistas espanhóis, com a agravante de que ao querermos facilitar, agravamos um complexo de inferioridade que não beneficia de reciprocidade, chegando a ser ridículo dificultar ou impedir que espanhóis que queiram valorizar o nosso idioma, fiquem frustrados ao não conseguirem aprendê-lo ou consolidá-lo, atento o seu desincentivo, quando entre nós.
Também é muito mais comum as nossas elites, políticas ou outras, falarem ou tentarem falar em castelhano (portunhol), em países de língua castelhana (quando não mesmo em Portugal), não sendo o inverso recíproco.
Dão-se muitas justificações, desde a nossa maior adaptabilidade, o ser mais penoso para um espanhol entender ou falar português, serem maus em línguas, até à ausência de qualquer esforço nesse sentido, porque meramente presumem que não vale a pena, não só pela compreensão recíproca de ambos os idiomas, mas também por terem o português como uma língua menor, serem em maior número ou tentarem ser entendidos pelos portugueses, mesmo quando de passagem ou de visita por Portugal. Direi, por experiência pessoal, que tanto em Portugal como em Espanha, sempre usei e me fiz entender no meu idioma, sem pressas e pausadamente, repetindo as palavras, se necessário. Recorrendo ao inglês, em caso de conflito.
Não faz sentido que sendo dois idiomas distintos e de compreensão mútua, essa desproporcionalidade só funcione, normalmente, para um dos lados (muito por responsabilidade nossa), nem me parece ser essa a melhor maneira de divulgar e preservar a nossa língua.
Refira-se que a ser verdade de que quem fala português tem mais facilidade de falar (e compreender) castelhano, seria de prever, por tal vantagem, que houvesse proporcionalmente mais espanhóis a interessar-se pelo nosso idioma.
O que manifestamente não sucede, ao que também não será alheia a tradicional mentalidade imperial castelhana e a sua força centrípeta, corroborada por uma certa altivez ou orgulho ostensivo, mesmo havendo mais falantes de castelhano que de português.
XLVIII - NÃO AO COMPLEXO DE INFERIORIDADE LINGUÍSTICO (I)
A língua portuguesa surge como um fator de coesão e identidade.
Como elemento constitutivo e parte integrante de nós.
Esta factualidade comunga de uma caraterística de permanência inerente aos povos e países que a têm como idioma comum.
Daqui decorre uma estratégia possível começando, em primeiro lugar e por maioria de razão, nos seus falantes nativos.
O que implica, desde logo, dizer não à glossofobia, endo-glossofobia e ao complexo de inferioridade linguístico.
Se o princípio da igualdade das línguas impulsiona, por um lado, um sentido crescente de respeito pela diversidade cultural e linguística, em contrapartida o desenvolvimento e a globalização resultante desse intercâmbio estimula o glosso-centralismo e uma uniformização cultural e linguística.
Se essa predisposição (ou paixão) desmedida para centralizar (ou uniformizar) deixa que a nossa língua seja preterida por uma estrangeira em termos de estatuto, praxe ou por inércia, é dizer sim à glossofobia.
E é dizer sim à endo-glossofobia quando os falantes da língua contribuem, de modo acrítico e gratuito, para a sua discriminação pela negativa.
O que propicia um complexo de inferioridade linguístico.
O que sucede com uma percentagem significativa de portugueses que, consciente ou inconscientemente, têm um complexo de inferioridade quanto à defesa e salvaguarda da língua portuguesa.
Língua transnacional, transcontinental, transoceânica, de comunicação global, em crescimento e de vanguarda, terceira de génese europeia universalmente mais falada, quinta ou sexta à escala mundial, a mais falada no hemisfério sul, não faz sentido que, no presente ou a prazo, de forma expressa ou tácita, por consentimento, decisão ou por omissão, pactue com a glossofobia ou logofobia implícita.
O que é mais grave quando os próprios falantes revelam pelo seu idioma baixa consideração, poluindo a própria água que bebem.