Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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No livro The Fall of Public Man, de Richard Sennett, lê-se que uma comunidade, na cidade moderna, actuará sempre como se fosse o único conjunto de indivíduos capaz de ser verdadeiramente humano (à luz desta ideia todas as outras comunidades serão vistas como menos humanas). Numa sociedade cujos espaços se encontram fragmentados, as pessoas vivem sempre com medo de perder o contacto próximo social. Impulso e intenção são as únicas substâncias disponíveis para que as pessoas se possam relacionar na cultura moderna - todas as emoções experienciadas numa comunidade determinam que tipo de pessoas formam aquele grupo.
Para Sennett, a construção de uma comunidade local proposta por urbanistas pode ser extremamente perigosa para a vivência de uma cidade - muito mais importante será a tentativa de reativar o verdadeiro sentido do espaço público e da vida pública na cidade e no seu todo.
A solidariedade que existe dentro de uma comunidade tem uma função perversamente, estabilizadora em relação às mais alargadas estruturas da sociedade, porque segundo Sennett, quanto mais envolvidas estão as pessoas em problemas e desentendimentos de pequena escala, mais intocável permanece a atual ordem social. (Sennett 2017, 382)
“Most so-called progressive town planning has aimed at a very peculiar kind of decentralization. Local units, garden suburbs, town or neighborhood councils are formed; the aim is formal local powers of control, but there is no real power that these localities in fact have. In a highly interdependent economy, local economy, local decision about local matters is an illusion.” (Sennett 2017, 383)
Uma sociedade que receia impersonalidade encoraja fantasias relacionadas com a constituição de vida coletiva e comunitária de carácter íntimo, local, reduzido, segregado e fechado. A concretização de quem somos - a nossa identidade - é feita através de diversos atos seletivos da nossa imaginação: família, trabalho e vizinhos. Para Sennett, na sociedade moderna torna-se cada vez mais difícil o relacionamento e a identificação com aqueles que não conhecemos - pessoas que nos são estranhas mas que até poderiam partilhar interesses culturais, étnicos e religiosos comuns. Porém as ligações impessoais ainda que étnicas ou de classe não são fortes o suficiente e para criar vínculos duradouros entre pessoas que não se conhecem. Quanto maior a imaginação local maior se torna o número ilusório de interesses em comum - quanto mais reduzido é o sentido do eu, menos riscos pessoais serão tomados. A recusa em lidar, absorver e explorar realidades fora da escala íntima é aparentemente uma característica humana universal, porque está relacionada simplesmente com o intrínseco medo do desconhecido.
Para Sennett, qualquer comunidade está assim construída sobre uma fantasia, é produto de um engano e da projeção de um ideal: “What is distinctive about the modern gemeinschaftcommunity is that the fantasy people share is that they have the same impulse life, the same motivational structure.”
Comunidade é então, como já foi escrito no início, a união entre semelhantes impulsos e motivações, sentidos com grande intensidade local. Se dentro de uma comunidade novos impulsos emergem esses terão de ser imediatamente destruídos ou reprimidos - porque aquele alguém que muda ou substitui os seus motivos estará a trair a comunidade. Para Sennett, qualquer desvio individual ameaça a força do fragmento - por isso, todo o indivíduo que pertence a um grupo fechado será sempre posto em prova e estará sob constante vigilância. Suspeição e solidariedade formam então, a comunidade moderna.
Mesmo pertencendo a uma comunidade o ser humano experiencia sentimentos de afastamento, de desentendimento e de indiferença em relação ao mundo exterior. O mundo mais alargado em relação a uma comunidade moderna, é visto como algo menos autêntico e menos real - é um mundo que não tem espaço para emoções individuais. Ao não se deixar manipular ou influenciar por desejos emocionais, o mundo exterior não é um desafio, mas um vazio. O indivíduo moderno procura por contacto social íntimo, somente junto daqueles que o entendem e desliga-se do mundo mais alargado: “This is the peculiar sectarianism of a secular society. It is the result of converting the immediate experience of sharing with others into a social principle.”
Num contexto mais alargado, as únicas ações que uma comunidade pode tomar estão relacionadas com a coordenação e controlo de emoções e a constante distinção entre aqueles que lhe pertencem ou não: “The community cannot take in, absorb, and enlarge itself from the outside because then it will become impure.Thus a collective personality comes to be set against the very essence of sociability - exchange - and a psychological community becomes at war with societal complexity.”(Sennett 2017, 385)
Sennett escreve ainda que foram os urbanistas mais conservadores que fizeram acreditar que uma pessoa só é sociável se se sentir segura, protegida e num ambiente estreito e controlado. Segundo os mais conservadores, o ser humano é destrutivo, violento e perigoso por natureza se não tiver barreiras, fronteiras e distâncias mínimas. Este pensamento urbanista conservador, para Sennett, é um erro mas o autor admite ser o resultado de uma cultura gerada pelo capitalismo e pelo secularismo moderno que transforma o conflito entre irmãos lógico sempre que se usam as relações íntimas como base para as relações sociais. (Sennett 2017, 385)
Sennett pensa que os seres humanos têm uma verdadeira capacidade para a vida em grupo em condições de superlotação (de seres e de coisas) - a arte de criar praças numa cidade tem sido praticada com grande sucesso desde há séculos e geralmente sem arquitetos formalmente treinados. Sempre que o urbanista procura melhorar a qualidade de vida comunitária tornando-a mais íntima está a contribuir para uma irreversível esterilidade e por conseguinte a contribuir ativamente para a morte da vida e do espaço público na sociedade moderna. Sendo assim, se tomarmos tudo isto em conta, a ideia de uma comunidade local forçada pode ser em casos extremos perversamente utilizada como um meio eficaz de controlo e pode por isso opor-se a qualquer ideal democrático.
“Historically, the dead public life and perverted community life which afflicts Western bourgeois society is something of an anomaly.” (Sennett 2017, 385)
O que não é natural é artificial, é produzido por mão humana e não pela natureza.
Coisas naturais são as que não foram feitas por seres humanos, antes pela natureza, estando aptas para crescer por elas próprias e em si mesmas, sem artifícios.
Do mesmo modo podemos distinguir entre comunidades naturais e comunidades convencionais ou artificiais, entre uma verdadeira comunidade de países ou povos ou uma comunidade baseada num mero arranjo político, estas últimas usualmente tidas como mais fracas, ao invés das primeiras, por natureza mais fortes e aptas a um futuro mais longo.
No sentido mais antigo e clássico da distinção até agora feita, parece-nos que a CPLP é uma comunidade natural, uma vez baseada em objetivos comuns, como os afetos, a amizade recíproca e uma língua comum, que não são coisas feitas por convenção ou artificialmente, nem impostas por tratados internacionais.
Numa aceção mais moderna, ser-se natural tem vários significados, consoante se aplique ao mundo físico ou à vida humana, nesta se incluindo as comunidades humanas.
No que toca à existência humana, natural significa, para os modernos, tudo o que permite uma vida racional de indivíduos iguais e livres, potenciando as possibilidades de uma existência humana autodeterminada, igual, livre, racional. Nesta perspetiva, uma comunidade natural será um lugar comum para indivíduos iguais e livres de forma a aí poderem viver uns com os outros alguma espécie de vida partilhada.
Consultando o tratado assinado pelos sete Estados fundadores da CPLP, em Lisboa, em 17.07.96, constatamos que o artigo 1.º dos Estatutos estabelece: “A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, doravante designada por CPLP, é o foro multilateral privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua, da concertação político-diplomática e da cooperação entre os seus membros”. O art.º 3.º dos Estatutos, referente aos objetivos da Comunidade, enumera-os: a concertação polítco-diplomática; a cooperação em todos os domínios, desde a saúde, à educação, justiça, cultura, desporto, ciência e tecnologia, defesa, economia, comunicações, segurança pública e comunicação social; promoção e difusão da língua portuguesa.
São objetivos vagos, não contendo em si metas precisas, eventualmente porque os membros da CPLP têm interesses geoestratégicos diferentes em função da localização geográfica descontínua em que se inserem, o que dificulta terem um único interesse geoestratégico.
O que de primordial têm em comum são os afetos e a amizade mútua, a língua comum e a concomitante herança de um passado recíproco metas que, como já frisámos, são coisas que os tratados internacionais não podem fazer, sendo-lhes anteriores e pré-determinando-os, num certo sentido, razão pela qual uma comunidade baseada em tais princípios não pode prosseguir qualquer função convencional.
Mesmo para quem entenda que na atualidade faz cada vez menos sentido a oposição entre comunidade e sociedade, opinamos que na CPLP perduram características da comunidade inspirada em Tonnies, designadamente na sua carga e natureza afetiva, como também o pensam José Filipe Pinto e André Corsino Tolentino. Este último, exemplifica-o bem ao falar nesse “algo comum, que é uma espécie de capital social, que paira no ar e que agente sente quando circula em qualquer dos nossos países ou em qualquer ambiente ondese fala a língua portuguesa, onde se veja um quadro de um dos nossos pintores ou se assista a um espetáculo em língua portuguesa ou em línguas parentes, esta reação instintiva que temos perante algo que nos pertence e ao qual pertencemos, isto é que é a alma da CPLP. Às vezes, é apenas emocional mas, na minha opinião, sintetiza e representa um capital precioso que foi passando através de gerações e que nos pertence a todos e ao futuro” (entrevista a Filipe Pinto, in “Do Império Colonial à Comunidadedos Países de Língua Portuguesa: Continuidades e Descontinuidades”, Coleção Biblioteca Diplomática, pp. 496, 497).
A questão que agora se coloca é saber se a CPLP existe realmente como uma comunidade natural na aceção moderna de tal termo.
Ainda existe um longo caminho a percorrer para se atingir tal objetivo, embora a lei, em geral, possa ajudar à consolidação de tais objetivos, particularmente, e desde logo, a lei constitucional, em especial a nível dos direitos de participação política dos indivíduos que pertencem a esta Comunidade, para o que será necessária uma harmonização das Constituições dos vários Estados, tarefa facilitada pela existência de uma linguagem jurídica comum a todos eles, o chamado jus commune no domínio do direito constitucional.
Apesar da CPLP ser uma comunidade recente, ela terá de crescer como todas as coisas que são naturais, e que não são convencionadas ou feitas estritamente pelo homem num sentido acabado, sendo uma realidade ainda incompleta, em maturação.
Como consegui-lo em concreto, para além das declarações de princípios, sejam de natureza geral comum ou constitucional?
Um exemplo foi dado pela Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP, o órgão máximo desta organização, realizada em 1998, na Cidade da Praia, em Cabo Verde, onde os Sete Estados Membros Fundadores declararam que iriam estudar a possibilidade de estabelecer um Estatuto da Cidadania Lusófona, o qual poderia incluir direitos de igual participação política de todos os cidadãos dos Estados membros dentro da comunidade e medidas tendentes a facilitar a circulação de pessoas.
Poderia, à data, a ideia parecer um sonho impossível, mas foi assim que o sonho começou a ser uma pequena parte da realidade, o qual já se concretizou, até agora, na aprovação unilateral pela Assembleia Nacional da República de Cabo Verde do Estatuto do Cidadão Lusófono, tido, por muitos, como o ponto de referência futura para os demais países lusófonos, com as adaptações decorrentes das suas especificidades e compromissos internacionais, sem que isso, per si, impeça a aprovação de uma Convenção sobre o Estatuto do Cidadania Lusófona entre todos os membros da CPLP.
O sociólogo alemão Toennies, no século XIX, definiu comunidade como uma agregação espontânea, a expressão de uma vontade natural, orgânica, em que os elementos do grupo nela se integram por força dos laços emotivos que partilham. Na comunidade, com a sua carga afetiva e carácter natural, as normas e o controlo processam-se através da união, da tradição, do costume, em oposição à sociedade, consequência da modernidade e urbanidade, em que as normas são impostas pela lei e pela opinião pública, aí imperando a abstração e a ausência de calor humano.
Para Durkheim, a comunidade reporta-se mais a relações de “vizinhança” nascidas e moldadas por afetos, afinidades, amizades, emoções e cumplicidades, uma sociedade reporta-se essencialmente às relações de Estados na sua vertente racionalmente deliberada para atingir determinados fins.
Max Weber, defende que a noção de comunidade é uma relação social determinada essencialmente pela vontade subjetiva (afetiva ou tradicional) dos seus elementos constituírem um todo. A sociedade é uma relação social em que a “a atitude na ação social se inspira numa compensação de interesses por motivos nacionais (de fins ou de valores) ou também numa união de interesses com igual motivação”.
Posteriormente a Tonnies tais conceitos não são exclusivistas, dado que as relações sociais tanto têm caraterísticas de comunidade como de sociedade.
Todavia, sobressai primordialmente uma vontade natural e carga afetiva dos participantes na comunidade, por confronto com uma vontade preferencialmente mais artificial e norteada pela prossecução racional de certos interesses ou fins na sociedade.
Menciono, a propósito, as teses culturalistas que, no essencial, partem da distinção entre sociedade e comunidade, vendo no Estado uma sociedade e considerando a nação uma comunidade.
Para aqueles que veem a nação como mais importante que o Estado, sendo este um mero instrumento da nação, dado ser tida como algo que existe antes daquele e que vive de modo espontâneo ou natural, tanto fazem depender uma nação da língua, da geografia ou da raça (objetivistas), como da prévia existência de uma cultura nacional (culturalistas). Entre os elementos determinantes da nação pode estar a unidade linguística, o “juslinguae” (teses linguísticas) e uma cultura prévia baseada numa comunidade de significações partilhadas (teses culturalistas).
Das teses objetivistas sobressaem as teorias culturalistas da nação, face às quais há uma cultura portuguesa, “um modo português de estar no mundo”. A lembrar Johann Herder, para quem a nação procura raízes no “conceito de Volk, como um povo orgânico, marcado por uma unidade de língua ou de cultura e consciente de constituir uma unidade”, aquele ente “a que se atribui uma alma coletiva, o Volksgeit, que faz dela uma entidade englobante, mas a que se dá uma raiz naturalista”.
Fazendo sobressair a nação, surge também o romantismo, o modelo romântico e vitalista do Estado Nacional, implicando, em termos jurídicos e políticos, uma reação contra o individualismo e o racionalismo contrapondo, ao primeiro, um sentido comunitário com a realização mais profunda na Idade Média, e ao segundo, o sentido dos fatores emocionais na vida social, como o amor à terra e a língua. A nação vai-se forjando com o decurso dos séculos e do tempo, só se admitindo reformas de acordo com a tradição do país, não havendo direitos naturais abstratos, mas direitos históricos concretos.
Este respeito pela História, cujo saber é superior ao dos Homens, vem a ser determinante na Escola Histórica do Direito, ramo possante do romantismo e também influenciada pelo idealismo alemão, tendo como maiores representantes Gustavo Hugo, Friedrich Puchta e, essencialmente, Savigny, em que a manifestação genuína do Direito é o costume, estando acima da lei e podendo derrogá-la se a ela se opuser. O costume é a expressão imediata da “consciênciajurídica do povo”, ou do “espírito do povo” ou “espírito nacional”, à semelhança da língua, da arte, da moral.
Baseando-se a CPLP em laços de amizade histórica, num passado e língua comum, sendo esta a razão aglutinadora e imediata da sua criação, consoante princípios constantes da sua Declaração Constitutiva e Estatutos, trata-se, quanto a nós, de uma comunidade, uma comunidade internacional.
E embora, em rigor, possa haver quem defenda que é mais correto falar-se de sociedade, dado contemplar relações entre Estados, sendo estes os seus membros, entendemos que ela surgiu porque existia uma realidade pré-estadual, pré-jurídica e pré-política que se lhe antepunha e antepõe, nomeadamente um elemento do conceito de povo, a língua, expressão imediata de uma espécie de cidadania natural, que convida à união (e não à força), com base na qual a CPLP foi gerada. Mesmo para os que entendem que é mais sociedade do que comunidade, há nela a superioridade do que surgiu espontaneamente por obra do tempo.
Com a descolonização e após o 25 de Abril de1974, Portugal reencontra-se com a sua identidade europeia original, sem excluir a sua identidade atlântica. Mas há um reforço da vertente europeia na sua política externa, tendo como um dos seus objetivos prioritários a integração no Mercado Comum.
Tendo terminado o Império Colonial, os novos países africanos, apesar de todas as vicissitudes por que passaram, foram mantendo a língua, os laços e os afetos que os ligavam a Portugal, por opção própria, passando a desenvolver-se as relações com eles através da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento.
Nesta fase, o projeto da Comunidade Luso-Brasileira foi caindo no esquecimento. A Comunidade Luso-Brasileira não fazia sentido sem os novos Estados Africanos. Surge a necessidade de criação de uma Comunidade Luso-Afro-Brasileira.
O seu grande impulsionador foi José Aparecido de Oliveira, nomeado Ministro da Cultura do Brasil, em 1985, pelo Presidente José Sarney, o qual promove diversos encontros entre intelectuais africanos, brasileiros e portugueses.
Em novembro de 1989, por iniciativa do Presidente do Brasil José Sarney, influenciado por Aparecido de Oliveira realizou-se, em São Luís do Maranhão, uma cimeira dos Chefes de Estado dos sete países de língua portuguesa (exceção para Angola, que se fez representar), onde foi decidida a criação do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, sediado na Cidade da Praia, em Cabo Verde, originando um projeto de criação de uma comunidade de países lusófonos, dando-se o primeiro passo para o aparecimento da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
O arranque da CPLP ficou também a dever-se essencialmente à dedicação e entusiasmo de José Aparecido de Oliveira, então nomeado Embaixador do Brasil em Lisboa, em janeiro de 1993.
Aquando da morte de Agostinho da Silva, em 1994, escreveu José Aparecido de Oliveira: “O primeiro projeto que Portugal teve foi o que incumbe a todos nós: o de ser”. A frase, em sua aparente singeleza, é a mais profunda de todas quantas têm amparado a minha luta pela criação de uma Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Pronunciou-a, com a sua poderosa carga de sabedoria, o Professor Agostinho da Silva, que morreu domingo, em Lisboa”.
Em abril de 1996, foi convocada uma reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos sete países lusófonos em Maputo, para preparar os textos da Declaração Constitutiva da CPLP e seus Estatutos, que seriam apresentados em julho desse ano, na futura reunião cimeira ou de cúpula.
A CPLP, tida como a institucionalização da Lusofonia, foi formalmente criada em 17 de julho de 1996, em Lisboa, onde tem sede, através da assinatura da Declaração Constitutiva por parte dos representantes de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Faltava Timor-Leste, que ficaria com o estatuto de observador até ser independente, com promessas da CPLP tudo fazer para que findasse a ocupação da Indonésia.
Segundo os seus Estatutos, a CPLP tem como objetivos: a) a concertação político-diplomática entre os seus membros em matéria de relações internacionais; b) a cooperação nos domínios económico, cultural, jurídico, social e técnico-científico; c) a concretização de projetos de promoção e difusão da língua portuguesa.
Aparecido de Oliveira correu todos os países que são parte integrante desta organização, para convencer as respetivas autoridades e intelectuais da importância da criação de um bloco assente na Língua Portuguesa. As ideias, mesmo quando suas, também tinham inspiração em outros mentores e sonhadores da Lusofonia. Entre eles, Sílvio Elia, Gilberto Freyre, Agostinho da Silva, Adriano Moreira, Darcy Ribeiro e Joaquim Barradas de Carvalho.
O prémio José Aparecido de Oliveira, atribuído pela primeira vez em 2012, foi criado, no seio da CPLP, para memorizar o empenho do homenageado que marcou “de forma indelével,o surgimento da CPLP, convertendo em realidade um sonho acalentado pelos Povos dos Países de Língua Portuguesa, espalhados por quatro continentes, e fazendo do seu autor um arauto do futuro”.
Em 2002, após a independência, Timor-Leste tornou-se o oitavo país membro, por direito próprio e sem reservas. O mesmo não sucedeu com a Guiné Equatorial, em 2014, seu nono membro, cujas dúvidas permanecem.
Com a fixação da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, esta cidade converteu-se em capital do Império e foi a sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, pelo que todas as decisões relevantes do Reino provinham de terras brasileiras, de onde passou a ser governado todo o mundo lusíada.
Com a independência do Brasil, em 1822, consagrou-se a separação, embora o Tratado de Paz e Aliança de 1825, disponha, no seu preâmbulo “os mais vivos desejos de restabelecer a Paz, Amizade, e boa harmonia entre Povos Irmãos, que os vínculos mais sagrados devem conciliar, e unir em perpétua aliança”.
A procura desse fator comum de união permaneceu presente até aos dias de hoje, traduzindo-se num conjunto de planos para unir os dois países, assim surgindo o interesse para a criação de uma Comunidade Luso-Brasileira.
A recuperação da relação privilegiada entre Portugal e o Brasil ocorreu em 1922. Os acontecimentos mais marcantes foram a travessia aérea do Atlântico Sul pelos portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral e, nesse mesmo ano, a visita ao Brasil do Presidente da República Portuguesa, António José de Almeida, coincidindo com o 1.º centenário da sua independência.
A ideia de uma Comunidade Luso-Brasileira recebeu um forte ímpeto de Gilberto Freyre, com destaque para as suas obras “CasaGrande & Sanzala” (1933) e “O Mundo que o Português Criou” (1940). Destacando e enaltecendo a ação dos portugueses nos trópicos e na formação do povo brasileiro, contribuiu decisivamente para uma reviravolta, pela positiva, da autoestima dos brasileiros e da sua visão da atividade portuguesa no Brasil. Depois de Freyre, o estudo da colonização portuguesa no Brasil passou a ser vista com maior interesse, o mesmo acontecendo em relação à génese e emergência do povo brasileiro, libertando a opinião pública brasileira de pessimismos e complexos de inferioridade, com os respetivos reflexos em Portugal.
Surge, neste contexto, um dos maiores entusiastas da aproximação entre os dois países, o embaixador do Brasil em Portugal, José Neves Fontoura, principal mentor do Tratado que foi a concretização inicial da Comunidade Luso-Brasileira.
Em 16 de novembro de 1953, no Rio de Janeiro, é assinado o Tratado de Amizade e Consulta, entre Portugal e o Brasil, em cuja introdução consta basear-se no mútuo reconhecimento “das afinidades espirituais, morais, étnicas e linguísticas que, após mais de três séculos de história comum, continuam a ligar a Nação Brasileira à Nação Portuguesa, do que resulta uma situação especialíssima para os interesses recíprocos dos dois povos”.
Aspetos fundamentais dele resultante são o reconhecimento jurídico da Comunidade Luso-Brasileira, consulta recíproca relativa a problemas comuns da Comunidade, mesmo de âmbito internacional, e a criação de um estatuto especial para os cidadãos de ambos os países.
O Tratado de Amizade e Consulta traduziu-se no primeiro projeto de uma comunidade de povos de língua portuguesa.
É imperioso referir que entre os eventos que podem ser vistos como antecedentes da CPLP, estão dois Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa, feitos em Lisboa, em 1964, e na Ilha de Moçambique, em 1967, realizados sob a responsabilidade da Sociedade de Geografia de Lisboa, que tiveram como maior dinamizador Adriano Moreira, na sua qualidade de Presidente da União das Comunidades de Cultura Portuguesa.
Esta União tinha por fim “promover e assegurar as relações e a cooperação das associações, grupos e indivíduos que estejam ligados ou se interessem pela conservaçãoe propagação da cultura portuguesa” (art.º 1.º). Para cumprir os seus objetivos, a União deveria servir “a cooperação entre os portugueses, descendentes de portugueses e pessoas filiadas na cultura portuguesa, tendo especialmente em vista osque residem habitualmente fora do território português” (art.º 2.º).
No relatório geral do I Congresso das Comunidades Portuguesas, salienta-se a necessidade de um movimento destinado à salvaguarda da herança cultural portuguesa no mundo. Referem-se, enumerando-os, três grupos de fenómenos que os portugueses difundiram mundialmente: o achamento do mundo não europeu, a europeização dos trópicos e a formação do mestiço. Como seu resultado defende-se que os portugueses descobrem a unidade da espécie humana, aproximam da Europa novas civilizações e criam a antropologia cultural e física dos trópicos, exportando para os continentes mais distantes “os genes e os patterns culturais euro-mediterrânicos”.
Para além de notórias as influências de Freyre e do luso-tropicalismo, constata-se que tais realizações são também precursoras do atual conceito de Lusofonia. Antecipam-se mais à atual noção de Lusofonia que à da CPLP, pois agarram mais de perto aquela e são mais abrangentes no seu conteúdo, à semelhança da Lusofonia. É assim, desde logo, porque a CPLP é uma organização de vocação restrita quanto aos seus membros, de natureza interestadual e intergovernamental.
Outro avanço de grande importância, no âmbito da Comunidade Luso-Brasileira, foi a Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros, assinada em 07.09.1971, em Brasília.
Desde o Tratado de Paz e Aliança de 1825 e o de Amizade e Consulta de 1953, existia uma ideia de tratamento especial concedido, em reciprocidade, aos cidadãos de Portugal e Brasil.
Com a Convenção de Brasília, à ideia de tratamento especial veio juntar-se a de igualdade de tratamento, estabelecendo aquela, no seu art.º 1.º: “Os portugueses no Brasil e os brasileiros em Portugal gozarão de igualdade de direitos e deveres com os respetivos nacionais”.
Tal Convenção baseava-se em princípios constitucionais de igualdade das Constituições do Brasil e de Portugal, em obediência ao princípio da reciprocidade. Não era de aplicação automática, mas tão só após requerimento da parte interessada a quem de direito.
Para a aquisição da igualdade de direitos civis exigiam-se como pré-requisitos a residência permanente e a capacidade civil em conformidade com as leis do país (art.º 5.º). Para os direitos políticos, a residência durante cinco anos no país e saber ler e escrever português (art.º 7.º da Convenção e art.º 5.º, n.º 3, Decreto-Lei n.º 126/72, de 22/04).
Não se estabelecia uma dupla cidadania ou uma cidadania comum luso-brasileira. Observa Jorge Miranda: “Os portugueses no Brasil continuam portugueses e os brasileiros em Portugal brasileiros. Simplesmente, uns e outros recebem, à margem ou para além da condição comum de estrangeiros, direitos que a priori poderiam apenas ser conferidos a cidadãos do país” (Manual de Direito Constitucional. Estrutura Constitucional do Estado, Tomo III, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1988, p. 145).
Com o 25 de abril de 1974, novos horizontes e estratégias surgiriam.