Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Venho a escrever-te cartas afinal respeitantes à nossa experiência de uma "aventureira" visita aos monumentos dos Templários em Tomar. Sai-me tudo de lembranças que tenho e guardo, mas vou sempre procurando encontrá-las também em escritos pertinentes a outras memórias, que sustenham e sustentem as minhas. Assim me funcionou, desde há muito, o espírito: não tem relação com a realidade, que não passe pela memória. Terei de me explicar melhor - se o conseguir - sobre o que aqui quis e acabo de dizer. E do meu receio tão íntimo: será que a nossa cultura hodierna - a do esquecimento por desenfreado apego à novidade - poderá acabar connosco? Isto é: estará cada um de nós condenado a desaparecer, ou seja, a olvidar-se, a já não saber situar-se, só por ignorar o passado e ser projetado no que acaba de se inventar na história e que nunca aconteceu, e apenas calha agora imaginarmos... Estaremos, dia a dia, a criar notícias que pareçam factos? A consciência do nosso passado - ou, simplesmente, da representação dele que nos foi transmitida - também nos constitui, na cultura onde nascemos. Dá-me, por vezes, amargo riso, Princesa, ver como tanto se desautorizam tradições antigas que, se bem lidas, podem ser documentos úteis ao nosso entendimento da vida e da cultura dos nossos tempos idos e do nosso atual, e em vez delas, sofregamente se devoram narrativas sem qualquer fundamento além da sua própria fantasia, nem outro objetivo além da sua pretensão, pseudocientífica, a baralhar, confundir e destruir memórias. Pode haver passado e passado, isto é, factos ocorridos e narrativas da sua tradição. Mas estas também são passado nosso, são a nossa cultura, aquilo que os nossos antepassados, em gerações sucessivas, nos foram transmitindo. São parte do ar que respiramos. Não te quero dizer com isto que abandonemos a investigação histórica e arqueológica, isto é, a busca do apuramento possível das realidades factuais que sustentaram aquelas narrativas. Antes pelo contrário, tal demanda ajudar-nos-á a entender melhor o significado, sentido e mensagem, das tradições acolhidas. E, quiçá, a separar, na nossa cultura, o trigo do joio, ou seja, a bondade do preconceito. Recebemos uma história, que também é uma certa visão do mundo. Podemos e devemos interrogá-la, procurar-lhe os fundamentos. Mas não podemos rescrevê-la ao sabor dos nossos desejos ou fantasias.
Não se inventa a história, o passado é incorrigível. Podemos, quando muito, procurar conhecê-lo e reconhecê-lo melhor, mas não temos o direito - penso eu, com o coração, Princesa -de pôr lá o que lá não esteve. Quem, através de exercícios pretensiosamente cabalísticos, sem qualquer análise nem fundamentação, pretende substituir trabalho sério por invenção leviana, antes pensasse em escrever só pura ficção, dessa que pode ser romanesca, policial, política ou "científica". Divertir e fantasiar não é crime nem maldade, muito pelo contrário. E até pode ser uma forma de nos interrogarmos sobre o sentido e saúde mental do que, por aí, com muita distração, se vai pensando acerca da vida e do mundo, de nacionalismo, democracia, economia e justiça, por exemplo. Aliás, curiosamente, essas novelas, escritas e filmadas, que se multiplicam na suposta "revelação" de segredos e escândalos, talvez não passem, também, de manifestações da corrente idolatria do dinheiro e da fama: vendem-se...
Mas enfim, Princesa, isto talvez seja rezinga de velho relho, está despachado o desabafo. Por feitio, ou por ter chegado a idade menos paciente para certos arroubos, borbulho com o frenesi dos que, com pouco trabalho e nenhum estudo, proclamam verdades secretas, sensacionais descobertas e novidades. Tal como - várias vezes te lo disse - embirro com os chamados (erradamente, penso) fundamentalismos, na medida em que se definem por uma obsessão com os limites de um campo de consciência. Porque, afinal, me faz pena que uma geração não saiba usufruir de uma imensa riqueza cultural, saborear as diversas versões de factos históricos, ideias concordantes e discordantes, debates e discussões, toda uma procissão de gentes como nós que se puseram em busca, e nos deixaram sinais na estrada...
O Convento de Cristo, implantado numa das colinas sobranceiras à cidade de Tomar é um conjunto monumental que corresponde a seis séculos de construção. Do conjunto fazem parte o Castelo, o Convento e a Mata dos Sete Montes. A sua edificação iniciou-se em 1160 com o Castelo de Tomar e com a construção da Charola, oratório templário.
A construção do Castelo de Tomar fazia parte de uma estratégia militar, da qual a Ordem do Templo se encarregava, que protegia os territórios que iam sendo conquistados aos muçulmanos. O Castelo de Tomar é um dos mais avançados castelos medievais do século XII na Ibéria. À época da sua construção o castelo era um dos maiores redutos defensivos jamais construídos em Portugal. É constituído pela alcáçova, de planta subtriangular, dominada pela torre de menagem. e pela almedina, que acolhe a povoação.
A rotunda templária (Charola) do Convento de Cristo, construída entre 1160 e 1250, é uma das obras mais notáveis do românico português. É de planta centrada e a sua configuração original não é perfeitamente conhecida. É de estrutura cilíndrica e a parede exterior apresenta dezasseis panos reforçados por contrafortes. No interior, descreve-se um tambor central que tem planta octogonal. Entre o tambor e a parede exterior, define-se um amplo deambulatório anelar coberto por uma abóbada de canhão suportada por arcos torais de volta perfeita.
No século XVI, D. Manuel I, beneficiando das riquezas que os Descobrimentos proporcionaram e, assumindo o governo da Ordem de Cristo, transforma e amplia o Convento com novas construções. Deste modo, em 1510, encomenda a Diogo de Arruda (?-1531) a construção de uma igreja, coro e sacristia a poente da charola. A fisionomia da charola foi, então nesta altura, alterada – dois dos dezasseis panos exteriores foram eliminados e substituídos por um grande arco triunfal. Ao volume inicial foi acrescentado uma nave rectangular alta, alinhada a poente, para servir de coro, sacristia e tribuna. A charola passou assim, a funcionar como capela-mor e a antiga entrada, virada a nascente foi fechada. Por esta altura, o programa iconográfico da charola foi enriquecido com escultura, pintura sobre madeira e sobre couro, pintura mural e estuques. O novo volume da igreja em planta segue a proporção do Templo de Salomão, de dois para um, e apresenta uma carga decorativa dotada de um acentuado simbolismo mitográfico, com destaque para a fachada ocidental. Numa solução inédita, debaixo do pavimento do coro, situa-se a sacristia, hoje Sala do Capítulo. É nesta sala que se encontra a janela que é símbolo importante da arte deste período, que se abre na fachada ocidental e que ocupa uma posição cimeira sobre o Claustro de Santa Bárbara. A janela manuelina foi executada por Diogo de Arruda (1510-13), segundo um programa iconológico definido pelo próprio rei D. Manuel I, que se refere às experiências vividas pelos portugueses nas suas viagens ultramarinas. A janela descreve-se entre cordas, nós, cabos, corais, motivos da flora e da fauna exótica, esferas armilares e a cruz de Cristo. É encimada por um óculo ou rosácea côncava. E ao centro, em baixo encontra-se um homem de chapéu de abas e longa barba que sustenta aos ombros um tronco de carvalho, a Árvore da Vida.
A construção do Convento de Cristo é igualmente notável pela arquitectura do Renascimento que inclui. O conjunto renascentista de Tomar constituiu um importante estaleiro de formação de grande impacto futuro. O Convento foi ampliado por D. João III, a partir de 1531, após a reforma da Ordem de Cristo. João de Castilho foi o responsável pela construção deste novo programa para o convento e pela introdução de uma nova linguagem arquitectónica que conjugava a tradição tardo-gótica ‘plateresca’ e o gosto decorativo ‘ao romano’. Por encomenda régia o convento foi assim ampliado e às construções medievais e manuelinas foi acrescentada uma grande estrutura que obedecia a um conceito extremamente racional. Um grande quadrilátero organiza-se em torno de um corredor em cruz. De cada lado do corredor inscrevem-se quatro claustros: o Claustro Principal; o Claustro da Hospedaria; o Claustro dos Corvos; e o Claustro da Micha, a que se acrescentou o Claustro da Necessária. Um ainda quinto claustro preenche o espaço que restava entre o coro manuelino e a nova construção. Trata-se do Claustro de Santa Bárbara (como passou a ser designado desde finais do séc. XVIII). Toda esta nova estrutura foi organizada em andares de forma a aproveitar a diferença de cotas entre os edifícios existentes – a igreja e o coro – e os espaços livres a poente. Toda a heráldica manuelina foi escondida com o intuito de introduzir uma nova linguagem mais funcional, harmónica e racional. As superfícies são agora planas e recortadas com grande clareza volumétrica e os sistemas colunários e os capitéis são de inspiração clássica. Castilho adquire esta mestria linguística autodidacticamente através da leitura do livro de Vitrúvio e no ‘De Architectura’ de Leon Battista Alberti.
O Claustro Principal (1533-1545), iniciado por João de Castilho, foi durante a campanha de D. João III parcialmente demolido e substituído pelo actual, da autoria de Diogo de Torralva. A construção de Torralva (1555-1581) inspira-se em motivos do Livro de Serlio e corresponde ao segundo período do Renascimento italiano (o ‘cinquecento’). Torralva substituiu a ossatura exterior do claustro precedente e revela o domínio absoluto da linguagem clássica. Todas as entradas encontram-se decoradas com ornamentos tipicamente renascentistas (arcadas redondas, entablamentos rectos, colunas toscanas, simetria e matemática na organização do espaço). Duas ordens clássicas são adoptadas, segundo a disposição vitruviana: a dórica no piso térreo e a jónica no piso superior. O resultado é um corpo de galerias onde os valores de luz e sombra são acentuados, sobretudo através das escadas de acesso ao terraço, inscritas nos cantos cortados do claustro, dentro de cilindros. Os corrimãos espiralados desvendam-se entre as janelas que iluminam as escadas conferindo uma profundidade espacial a uma estrutura aparentemente funcional.
Também a Ermida da Nossa Senhora da Conceição (1551-1570) está situada no planalto ocupado pela cerca do Convento de Cristo e é avistada de vários pontos da cidade. Representa uma das jóias do Renascimento europeu, com uma linguagem madura de carácter internacional inspirando-se em modelos da tratadística italiana. A autoria está atribuída a João de Castilho, mas os acabamentos foram executados por Diogo de Torralva e Filipe Terzi concluiu o edifício no coroamento. A ermida é de planta rectangular e apresenta três naves e um transepto ligeiramente saliente. No exterior, a fachada principal tem um frontão triangular. A porta central é rectangular e encimada por uma pequena arquitrave e é ladeada por duas janelas rectangulares com capialço.
Sendo assim, ao longo dos vários períodos de construção o conjunto monumental do Convento de Cristo – castelo, charola, igreja, claustros do convento e ermida – correspondeu sempre a uma arquitectura de referência, símbolo do poder régio e religioso. O reconhecimento pela UNESCO, em 1983, do valor excepcional de todo o conjunto motivou a sua classificação como Património da Humanidade reforçando, a vocação universal deste lugar de excepção.