Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Tem-se um assunto comum, há muitos anos, querer que o português seja um idioma oficial da ONU, a par do inglês, francês, espanhol, chinês, russo e árabe.
São recorrentes as propostas, recomendações, declarações de intenção, entre outras manifestações de vontade, reiteradas por sucessivos agendamentos formais que, até hoje, não se concretizaram.
Recentemente, na última Cimeira da CPLP, em agosto deste ano, em São Tomé, o presidente brasileiro, Lula da Silva, recebendo forte ovação, afirmou: “Temos de aproveitar termos um secretário-geral das Nações Unidas que fala português e acho que deveríamos entrar com informações e um pedido nas Nações Unidas para que a língua portuguesa seja transformada em língua oficial da ONU”, o que foi recebido e apoiado por unanimidade pelos presentes, mas é omitido na decisão final desta XIV sessão de países lusófonos.
Não foi a primeira vez, dado que já em 2016, em Brasília, na XI Cimeira da CPLP, foi aprovada por aclamação uma proposta para que o português seja língua oficial da ONU, apresentada pelo então presidente brasileiro Michel Temer, da qual também é omissa a declaração final da reunião.
Por entre aplausos, aclamações, ovações, felicitações, saudações, registos sonoros de boas intenções, recomendações, reforços e resoluções, nada ficou, por escrito, quanto à mais que merecida proposta para que o nosso idioma seja aceite, por mérito e direito próprio, como idioma oficial da ONU.
Sendo uma das línguas mais faladas a nível global, pluricontinental, pluricêntrica, a mais falada do hemisfério sul, a terceira do ocidente, de África e do continente americano, internacional, global, de exportação e com futuro, impondo-se por si como fator demográfico e geopolítico, é incompreensível ser uma candidata permanentemente adiada ao fórum de uma organização internacional universal como a ONU.
Lemos, que este ano, o Tribunal Centro-Americano de Justiça propôs ao Conselho de Segurança da ONU incorporar o português como seu idioma oficial, baseando-se na resolução de 2017 da Assembleia-Geral sobre a cooperação da CPLP com as Nações Unidas e o ser língua oficial da Conferência Geral da UNESCO, o que servia de base legal para solicitar a integração da língua portuguesa como língua oficial daquela organização e, posteriormente, poder ser aprovada na AG.
A corroborá-lo houve declarações de uma anuência, entre os líderes da CPLP, de falarem em português na AGNU, na grande maioria das reuniões e, sobretudo, em debates gerais, acrescentando-se que “(…) para falar em português temos que ter tradutores próprios, porque o sistema das Nações Unidas não tem tradutores de português”, salientando-se o imenso financiamento exigido para tornar exequível o português como um dos idiomas oficiais da ONU.
Quem paga e em que proporção, por certo será um dos problemas pendentes a resolver, sendo de presumir que caberá a Portugal e ao Brasil, maioritariamente ou na totalidade, esses custos, porque mais desenvolvidos e tidos potencialmente como os principais interessados e beneficiários, sem esquecer que os demais países da CPLP, recentemente descolonizados, poderão alegar tal facto, além de um nível de vida inferior, sem se esquecerem de invocar as suas sequelas como ex-colónias, embora o Brasil, em tempos idos, também o fosse.
Melhor que nada, mas pouco, convenhamos, por entre declarações elogiosas e proclamatórias de boas intenções, até agora não concretizadas, indiciando-se que o português continuará a ser menorizado e secundarizado, desde logo pela exiguidade de meios do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, exemplificando-o a recente verba anual de 310 000 euros (! …) que lhe foi atribuída.
CII - COMO VEÍCULO UNIFICADOR EM DIVERSIDADE CULTURAL E LINGUÍSTICA
A dimensão estratégica da língua portuguesa decorre de ter sido capaz de atravessar espaços geográficos deslocalizados territorialmente por quatro continentes, via descontinuidade linguística (língua transcontinental, transoceânica, transatlântica, transnacional), ser partilhada por várias culturas que a democratizaram, enriqueceram e moldaram, dando-lhe novas colorações e valor acrescentado, como língua absorvida, apropriada, enriquecida, miscigenada, incorporando vocábulos africanos, ameríndios, formando crioulos ou protocrioulos (língua transcultural, dinâmica, migratória, mestiça), permitindo-lhe ser permanentemente atuante e viva (língua flexível e dotada de plasticidade), transitando de uma língua de comunicação internacional (de falantes de português como língua materna ou oficial) para uma língua de comunicação global (como idioma de exportação que vai para além do espaço geolinguístico e lusófono da língua portuguesa).
Sendo uma língua global, um diassistema, une povos que a usam como um veículo unificador de um dizer, assumindo-se como um vetor estratégico para todos os que por ela comunicam, não só como fonte crucial de apreensão e interiorização de um modo de vida, de agir e pensar, mas também de afirmação cultural e identitária. Registe-se, no Brasil, ter levado à unificação de um país continental. Ter sido essencial na unificação e pacificação de Angola e na afirmação de soberania em Timor Leste.
Por sua vez, a existência de um idioma comum não equivale a uma inevitável nivelação das diversidades culturais e linguísticas próprias da cada um dos espaços que integram organizações como a CPLP, devendo promover-se e consolidar-se a unidade na diversidade, privilegiando o que é comum quando imprescindível, sem esquecer a heterogeneidade. Exemplos ilustrativos da não incompatibilidade do português como idioma oficial e comum a nível internacional, por confronto com falas locais, é a constatação, na primeira década deste século, do reconhecimento de quase duzentas línguas vivas no Brasil, quatro dezenas em Angola e Moçambique, 20 na Guiné-Bissau, 19 em Timor Leste, 4 em São Tomé e Príncipe e 2 em Cabo Verde (a que acresce o mirandês em Portugal).
XCIX - RESPONSABILIDADES E RECIPROCIDADES LINGUÍSTICAS E INSTITUCIONAIS
Nas inúmeras visitas oficiais de Estado, do anterior e atual presidente do Brasil, sobressai o uso regular, ao que me apercebi permanente, do uso da língua portuguesa como idioma de comunicação global e internacional, no mesmo plano de igualdade e de reciprocidade, com os seus homólogos de outros países. Sucedeu nos Estados Unidos, na China, Rússia, Alemanha, França, Espanha, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Hungria, Argentina, Uruguai, Chile, Japão, entre outros, incluindo colóquios, palestras e entrevistas para a imprensa.
Nem em inglês, francês, portunhol ou espanholês, apenas em português, em paralelo com o uso da língua materna dos seus interlocutores, com a respetiva tradução.
Também em recente visita do presidente gaulês a Angola, este expressou-se em francês, o seu equivalente angolano em português, usando este, de novo, o nosso idioma comum aquando da última viagem dos reis de Espanha, comunicando estes em castelhano. O mesmo em visitas congéneres com Moçambique.
Entre nós, é frequente os nossos políticos, ao mais alto nível, em circunstâncias similares, falarem em inglês, francês, português, alemão (se o souberem), chegando a exprimir-se só em portunhol, ou em português e portunhol, em cimeiras, reuniões ou encontros bilaterais ibéricos, sem que haja reciprocidades dos nossos vizinhos, nem sequer quando connosco o atual rei espanhol, não obstante ter vivido vários anos em Portugal.
Esta nossa não dignificação regular do nosso idioma, em termos bilaterais ou multilaterais, em conjugação com o contexto e a não obrigatoriedade do uso da língua global franca (hoje o inglês), não eleva a língua portuguesa num espaço de diversidade e igualdade recíproca, que merece por direito próprio, corroborado pela sua dimensão geolinguística, sendo uma das mais faladas pelo seu número global de falantes e dispersão intercontinental.
Indicia-se, de igual modo, que são os “descendentes” linguísticos de Portugal que mais contribuem para a promoção internacional do português, como idioma, em termos de responsabilidade e reciprocidade linguística num patamar institucional, apesar das responsabilidades históricas lusas neste domínio, o que é um contrassenso.
E os exemplos duma permissividade subserviente das elites tem reflexos na população em geral dos seus países, nomeadamente quando negativos e os seus esforços não têm correspondência recíproca e são inversamente proporcionais aos dos seus parceiros e destinatários, bilaterais ou outros. Mesmo políticos que falam fluentemente inglês, como o presidente francês e o chanceler alemão, são useiros e vezeiros na sua língua materna e oficial, que é menos falada que a nossa, para não referir o uso exclusivo do mandarim e russo pelos seus líderes, mesmo que não sejam fluentes noutra língua, o que não os embaraça, pois impulsionam os seus idiomas, o mesmo devendo ser feito para estimular e dar visibilidade condigna ao português, fale-se ou não outras línguas.
Ou será que parte significativa das nossas elites caminha para o reforço de uma vocação essencialmente europeísta, abdicando aparentemente de uma promoção mais adequada do nosso idioma, mesmo que o proclamem internacionalmente como uma prioridade estratégica reforçada via CPLP?
A criação da CPLP fez surgir expetativas nos países que a integram, causando um entusiasmo inicial, que ficou aquém do desejável, mesmo que se defenda que poderia e deveria dar um contributo valioso para o ensino, divulgação e valorização da língua portuguesa no espaço lusófono e no mundo, dado que que a língua e os laços históricos comuns, um mesmo sentimento de pertença e de afetos, geraram uma solidariedade que deveria ser difundida e partilhada.
Apesar de ser uma organização proclamatória de objetivos e princípios algo abstratos, vagos e indefinidos, numa linguagem típica de documentos e declarações em tom oficioso tantas vezes, até agora, não concretizados nem regulamentados na prática, também é verdade que apesar da insatisfação gerada, é uma ideia ambiciosa, para concretizar.
No plano multilateral, é de todo o interesse poder ser um instrumento diplomático, credível e operacional para os países que a compõem. Nada impede que não possa alargar as suas áreas de intervenção para além da língua e cultura em geral, caso da área económica. Não é esta, para já, a sua vocação prioritária. A descontinuidade geográfica, a dispersão dos seus membros por vários continentes, onde integrados em organizações regionais, a isso a condicionam, sendo a CPLP uma mais valia para que os Estados membros que a integram possam ganhar um poder acrescido e margem de manobra nas áreas regionais de que são parte.
Quanto ao bloco lusófono e à CPLP serão, como amiúde já referimos, aquilo que no essencial quiser e vier a ser o Brasil, dos povos lusófonos atuais o portador preferencial de todas as caraterísticas de uma potência emergente a nível mundial, que se converterá num novo centro, após ter sido a sede da transferência do centro imperial de Lisboa para o Rio de Janeiro com a corte de D. João VI, alimentando de novo o sonho e a realidade, para alguns, de que aí se situa o futuro de Portugal, uma vez que este aí se projetou, ampliou, transformou e tem a sua condição e conclusão natural por excelência.
Portugal, por seu lado, tem responsabilidades históricas para com os outros povos que falam a mesma língua, porque criou uma família, não lhe sendo legítimo abandonar ou inferiorizar algo que lhes é comum.
Dessa língua, apesar de portuguesa, não são os portugueses os seus senhores e donos, antes ela senhora e dona de quem a fala.
Compreensível que toda a comunidade lusófona, nomeadamente via CPLP, coopere e participe a nível multilateral na sua preservação, promoção e internacionalização, inclusive na afetação e gestão de recursos.
Também as comunidades lusófonas no estrangeiro, ou culturalmente descendentes de lusófonos, ou filiadas culturalmente na lusofonia, são um capital cuja defesa e uso não podem ser deixados ao sabor de uma natural espontaneidade, baseada tão só em afetos e sentimentos, mesmo que valiosos. É necessário crer na convicção, poder e relevância social dos lusófonos, seus descendentes ou culturalmente filiados na lusofonia (mesmo que lusófilos), mobilizando-os na defesa de causas da língua portuguesa e da lusofonia, como ideia estratégica, para o exercício da cidadania plena e intervenção num mundo globalizado. O que poderia ser feito com o apoio de uma organização institucionalizada, do tipo CPLP, pese embora a sua natureza interestadual e intergovernamental.
E apesar dessas comunidades não deverem ser esquecidas a nível da língua e da cultura, não pode ser sobretudo a partir delas que se deve promover a nossa língua no exterior, dado que sendo uma língua de futuro, de vanguarda e estratégica tem, por inerência, passaporte para todos os continentes.
A par do idioma comum, a lusofonia pode e deve ser também uma das ideias e aposta estratégica de Portugal, demais países da CPLP e restante mundo lusófono.
O que propicia a venda de toda a espécie de bens culturais lusófonos e provenientes dos média. Que possibilita empregar excedentes de mão-de-obra causados pelo sistema de ensino, deslocalizando-os para onde necessários ao ensino da nossa língua, investigações, culturas afins, etc..
Sem esquecer que há comunidades lusófonas e lusófilas espalhadas pelo mundo (incluindo as portuguesas) letradas, de elevado nível de vida e poder de decisão, que têm laços afetivos, mantêm visitas regulares, têm apetência por bens lusófonos, a começar pelos dos respetivos países, sejam alimentares, culturais, desportivos ou outros, corroborado pelo poder dos lobbies e oportunidades como a da atual presidência portuguesa da União Europeia, em plena pandemia, podendo incentivar ajudas (por que não, por exemplo, delineando estratégias europeias de auxílio no continente africano a nível da COVID 19?).
«A Língua Portuguesa como Ativo Global» (Imprensa Nacional, 2020, com o apoio de Camões – Instituto da Cooperação e da Língua), da autoria de Luís Reto (coordenação), Nuno Crespo, Rita Espanha, José Esperança e Fábio Valentim é uma obra da maior utilidade para a compreensão da importância atual da língua portuguesa no mundo.
LÍNGUA COMO VALOR GLOBAL
“A importância estratégica da língua portuguesa para Portugal e para os restantes países da CPLP está longe de ser plenamente assumida nas políticas públicas do nosso país e também dos restantes Estados que integram a nossa comunidade linguística. Das cerca de 7000 línguas faladas no nosso planeta raras são aquelas que integram o grupo de línguas que podemos considerar globais, como é o caso do português”. O tema é de uma significativa relevância nos dias que correm e a publicação na coleção “Essencial” da Imprensa Nacional de A Língua Portuguesa como Ativo Global (2020, com o apoio de Camões – Instituto da Cooperação e da Língua), da autoria de Luís Reto (coordenação), Nuno Crespo, Rita Espanha, José Esperança e Fábio Valentim constitui uma oportunidade para que o cidadão comum se possa aperceber das implicações de um tema com uma projeção presente e futura iniludível. Por um lado, a obra procede a uma análise geral das questões históricas, estratégicas e económicas da língua e, por outro, apresenta os resultados de um estudo comparado de 110 línguas, com atenção à língua portuguesa, na comparação relativa a critérios de número de falantes, impacto global e potencial. Trata-se de um trabalho em progresso, da maior relevância, que continuará a ser aprofundado, quer pela recolha de mais indicadores, que pela análise mais detalhada dos dados recolhidos. Finalmente, trata da presença da língua portuguesa no mundo, com dados atualizados da rede instituições do Camões, da rede Brasil Cultural e do IILP – Instituto Internacional de Língua Portuguesa, contendo dados qualitativos sobre perceções dos estudantes de português do Camões, recolhidos ao longo dos últimos anos. Não podemos entender o capital humano, enquanto fator de coesão, de identidade, de equidade e de eficiência sem falarmos das competências linguísticas, que correspondem a três requisitos fundamentais: a incorporação na pessoa, a partir da integração familiar e comunitária; a produtividade no mercado de trabalho e o consumo; e o investimento em tempo e dinheiro para quem precisa de adquirir conhecimento que não possui para a sua atividade, em especial para os imigrantes. O tema da mobilidade está na ordem do dia nas sociedades modernas, obrigando para os trabalhos qualificados um domínio correto da língua de trabalho, indispensável para que haja comunicabilidade, eficácia, qualidade e, em última análise, boa avaliação e reconhecimento. A globalização reforçou o papel das línguas de comunicação internacional e facilitou a sua expansão e aprendizagem. E no domínio da língua a qualidade é transversal, abrangendo, no multilinguismo, o bom domínio da língua materna e a capacidade de aprender mais do que uma língua estrangeira, para uma melhor compreensão da realidade e da vida. Mas há ainda o grande problema das barreiras linguísticas na ciência, para o qual não há soluções. Se os falantes do inglês pensam que toda a informação importante está disponível em inglês, a verdade é que assim não é – o que exige para o progresso do saber a capacidade de comunicar com experiências e tradições diferentes.
A ORDENAÇÃO DAS LÍNGUAS GLOBAIS
Quando se trata de procurar uma ordenação das línguas globais não estamos perante uma tarefa fácil pela variedade de critérios e dimensões a considerar e por falta de bases de dados com informação comparável para 100 línguas. Todavia, há algumas conclusões que podem ser referidas. Considerando a ordenação por falantes e por impacto global, encontramos um primeiro grupo de línguas fortes no número de falantes, na economia e na influência global – o mandarim, o inglês, o espanhol e o árabe – a que podemos acrescentar ainda o francês, apesar do reduzido número de falantes de primeira língua. Há ainda um segundo grupo de línguas de natureza mais local, mas com um número grande de falantes: o hindi, o punjabi e o bengalês. Noutros casos, a importância económica sobreleva o número de falantes – como o russo, o japonês e o alemão. A situação da língua portuguesa corresponde a uma posição atípica: está presente em todas as ordenações, em 6º ou 7º lugar, com debilidades na economia e nos falantes e com pontos fortes nos falantes maternos, nos recursos naturais e na presença global.
A DIVERSIDADE DA LÍNGUA PORTUGUESA
Do que se trata neste pequeno livro, claro e acessível, com diversas pistas para aprofundar uma questão crucial para as culturas da língua portuguesa, é de compreender como evoluímos na formação, apogeu, declínio e renascimento da língua portuguesa. De facto, estamos perante um caso pouco comum – de uma língua nascida fora do território de Portugal, sujeita a muitas vicissitudes e contrariedades, mas que se pôde impor entre as dez línguas mundiais mais importantes, qualquer que seja o critério que usemos na seriação dos idiomas globais. Se pensarmos na evolução da vizinha Espanha, com uma população quase sete vezes a portuguesa no século XVI, ninguém poderia prever os números a que chegaram os falantes da nossa língua no mundo. Mas há fragilidades a apontar: como o reduzido peso económico de uma parte importante dos membros da CPLP, com Angola e Moçambique abaixo do seu potencial; um certo marcar passo no desenvolvimento do Brasil; e os efeitos das últimas crises na economia portuguesa. Assim o “valor de mercado” da língua tem sofrido uma certa estagnação, com consequência na atratividade no comércio internacional e na falta de investimento de larga escala, quer interna quer externamente, no tocante à formação, aos materiais didáticos e aos vocabulários técnicos, além das necessidades na produção e divulgação de conhecimento científico, bem como das exigências no domínio das indústrias culturais criativas. Importa, por isso, compreender a importância do alargamento do número falantes de português como segunda língua e a necessidade de recursos a investir na qualidade da comunicação nas diferentes culturas da língua portuguesa. Contudo, as forças podem superar as fraquezas, desde que haja cooperação reforçada de qualidade. O conjunto dos países da CPLP detém um potencial significativo de recursos naturais face às populações – considerando plataformas marítimas, riqueza agrícola, reservas de água doce e recursos energéticos, capazes de preencher os requisitos de um Novo Contrato Ecológico. A articulação entre o Brasil e Portugal, nem sempre fácil, revela-se indispensável em benefício de todos e sem tentações hegemónicas ou de prevalência. Uma língua que detém a 6ª ou a 7ª posição mundial em falantes maternos e que duplicará o número atual até ao fim do século tem de investir com ambição, não cuidando apenas da língua como referência das diásporas, língua de herança ou de cultura. Torna-se necessária uma efetiva articulação estratégica no conjunto da CPLP, cooperação internacional realista e sem complexos e uma melhor compreensão das vantagens competitivas da comunicabilidade, no contexto do multilinguismo – eis o que tem de ser considerado num mundo que precisa cada vez mais de ligar as especificidades e as complementaridades, com entendimento da diversidade e da complexidade.
O que não é natural é artificial, é produzido por mão humana e não pela natureza.
Coisas naturais são as que não foram feitas por seres humanos, antes pela natureza, estando aptas para crescer por elas próprias e em si mesmas, sem artifícios.
Do mesmo modo podemos distinguir entre comunidades naturais e comunidades convencionais ou artificiais, entre uma verdadeira comunidade de países ou povos ou uma comunidade baseada num mero arranjo político, estas últimas usualmente tidas como mais fracas, ao invés das primeiras, por natureza mais fortes e aptas a um futuro mais longo.
No sentido mais antigo e clássico da distinção até agora feita, parece-nos que a CPLP é uma comunidade natural, uma vez baseada em objetivos comuns, como os afetos, a amizade recíproca e uma língua comum, que não são coisas feitas por convenção ou artificialmente, nem impostas por tratados internacionais.
Numa aceção mais moderna, ser-se natural tem vários significados, consoante se aplique ao mundo físico ou à vida humana, nesta se incluindo as comunidades humanas.
No que toca à existência humana, natural significa, para os modernos, tudo o que permite uma vida racional de indivíduos iguais e livres, potenciando as possibilidades de uma existência humana autodeterminada, igual, livre, racional. Nesta perspetiva, uma comunidade natural será um lugar comum para indivíduos iguais e livres de forma a aí poderem viver uns com os outros alguma espécie de vida partilhada.
Consultando o tratado assinado pelos sete Estados fundadores da CPLP, em Lisboa, em 17.07.96, constatamos que o artigo 1.º dos Estatutos estabelece: “A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, doravante designada por CPLP, é o foro multilateral privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua, da concertação político-diplomática e da cooperação entre os seus membros”. O art.º 3.º dos Estatutos, referente aos objetivos da Comunidade, enumera-os: a concertação polítco-diplomática; a cooperação em todos os domínios, desde a saúde, à educação, justiça, cultura, desporto, ciência e tecnologia, defesa, economia, comunicações, segurança pública e comunicação social; promoção e difusão da língua portuguesa.
São objetivos vagos, não contendo em si metas precisas, eventualmente porque os membros da CPLP têm interesses geoestratégicos diferentes em função da localização geográfica descontínua em que se inserem, o que dificulta terem um único interesse geoestratégico.
O que de primordial têm em comum são os afetos e a amizade mútua, a língua comum e a concomitante herança de um passado recíproco metas que, como já frisámos, são coisas que os tratados internacionais não podem fazer, sendo-lhes anteriores e pré-determinando-os, num certo sentido, razão pela qual uma comunidade baseada em tais princípios não pode prosseguir qualquer função convencional.
Mesmo para quem entenda que na atualidade faz cada vez menos sentido a oposição entre comunidade e sociedade, opinamos que na CPLP perduram características da comunidade inspirada em Tonnies, designadamente na sua carga e natureza afetiva, como também o pensam José Filipe Pinto e André Corsino Tolentino. Este último, exemplifica-o bem ao falar nesse “algo comum, que é uma espécie de capital social, que paira no ar e que agente sente quando circula em qualquer dos nossos países ou em qualquer ambiente ondese fala a língua portuguesa, onde se veja um quadro de um dos nossos pintores ou se assista a um espetáculo em língua portuguesa ou em línguas parentes, esta reação instintiva que temos perante algo que nos pertence e ao qual pertencemos, isto é que é a alma da CPLP. Às vezes, é apenas emocional mas, na minha opinião, sintetiza e representa um capital precioso que foi passando através de gerações e que nos pertence a todos e ao futuro” (entrevista a Filipe Pinto, in “Do Império Colonial à Comunidadedos Países de Língua Portuguesa: Continuidades e Descontinuidades”, Coleção Biblioteca Diplomática, pp. 496, 497).
A questão que agora se coloca é saber se a CPLP existe realmente como uma comunidade natural na aceção moderna de tal termo.
Ainda existe um longo caminho a percorrer para se atingir tal objetivo, embora a lei, em geral, possa ajudar à consolidação de tais objetivos, particularmente, e desde logo, a lei constitucional, em especial a nível dos direitos de participação política dos indivíduos que pertencem a esta Comunidade, para o que será necessária uma harmonização das Constituições dos vários Estados, tarefa facilitada pela existência de uma linguagem jurídica comum a todos eles, o chamado jus commune no domínio do direito constitucional.
Apesar da CPLP ser uma comunidade recente, ela terá de crescer como todas as coisas que são naturais, e que não são convencionadas ou feitas estritamente pelo homem num sentido acabado, sendo uma realidade ainda incompleta, em maturação.
Como consegui-lo em concreto, para além das declarações de princípios, sejam de natureza geral comum ou constitucional?
Um exemplo foi dado pela Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP, o órgão máximo desta organização, realizada em 1998, na Cidade da Praia, em Cabo Verde, onde os Sete Estados Membros Fundadores declararam que iriam estudar a possibilidade de estabelecer um Estatuto da Cidadania Lusófona, o qual poderia incluir direitos de igual participação política de todos os cidadãos dos Estados membros dentro da comunidade e medidas tendentes a facilitar a circulação de pessoas.
Poderia, à data, a ideia parecer um sonho impossível, mas foi assim que o sonho começou a ser uma pequena parte da realidade, o qual já se concretizou, até agora, na aprovação unilateral pela Assembleia Nacional da República de Cabo Verde do Estatuto do Cidadão Lusófono, tido, por muitos, como o ponto de referência futura para os demais países lusófonos, com as adaptações decorrentes das suas especificidades e compromissos internacionais, sem que isso, per si, impeça a aprovação de uma Convenção sobre o Estatuto do Cidadania Lusófona entre todos os membros da CPLP.
6. PORTUGAL, LUSOFONIA E CPLP NO PENSAMENTO DE EDUARDO LOURENÇO - III
Para Eduardo Lourenço a lusofonia é um mito cultural português recente que tenta persistentemente desconstruir, expurgando-o de teorias emotivas, míticas ou messiânicas. O imaginário lusófono tornou-se, definitivamente, o da pluralidade e da diferença, pelo que, se queremos dar algum sentido à galáxia lusitana, temos de vivê-la, na medida do possível, como indestrinçávelmente portuguesa, brasileira, angolana, moçambicana, guineense, são-tomense, cabo-verdiana ou timorense.
A celebrada alma portuguesa pelo mundo repartida, evocada por Camões, foi, sobretudo, língua deixada pelo mundo, que não é propriedade nem objeto de ninguém, nem mesmo dos portugueses, atuantes primeiros na ordem cronológica e genética, não usufruindo, por isso, quaisquer mordomias de “senhores da língua”, que é sempre dona de quem a fala.
Os únicos sujeitos da língua portuguesa, são as gentes que a falaram, falam e falarão no futuro, razão pela qual não admitindo o espaço lusófono a unicidade de uma só cultura, tem de ser apenas o espaço da língua portuguesa: “Dos Portugueses, como de Francisco I de Pavia, pode dizer-se que perderam tudo (perdendo-se no tudo em que se encontraram) menos a língua. (…) E é o sonhar como unido o espaço dessa língua ou a ideia de o reforçar para resistir melhor à pressão de outros espaços linguísticos - não como um império, hoje impensável,à Albuquerque, ounem sonhável à maneira de Vieira, como o deCristo senhor do mundo - que os Portugueses (sem o quererem dizer em voz alta) projetam no conceito ou na ideia mágica de lusofonia. Razão mais do que suficiente, no seuponto de vista, para desejarem que exista, com um esplendor real e onírico comparável ao do quinto império pessoano, A Comunidade de Povos de Língua Portuguesa: CPLP” (A Nau de Ícaro seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia, Gradiva, p. 164).
Assim, para além de Portugal ter de ter consciência de que a existência do espaço de uma língua, neste caso a portuguesa, não equivale a ser espaço de cultura una, de igual modo terá de constatar de que a real mola da lusofonia reside na suprema constatação de que “os outros não a sonharão como nós”. Apesar de compreender ser de sonhar a sério uma comunidade de raiz linguística portuguesa. Não sendo a questão de natureza circunstancial, ideológica ou política, mas sim de cultura.
Interrogando-se sobre o interesse que pode levar um país como o Brasil em investir na construção da nova comunidade, no caso a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, responde: ”Só o Brasil pode responder à questão, não como Portugal, em função de uma mitologia cultural que tem o seu tempo forte no passado, ou como a África, que o espera de um novo presente, mas de uma exigência condicionada por um futuro onde pode ver-se já como uma das configurações civilizacionais e culturais mais relevantes do próximo século”, acrescentando: “É mais do que evidente que, se o Brasil não se implicar em nome desse fundo comum de língua e de cultura, … , ela será uma quimera nado-morta” (ob. acima citada, pp. 171, 172).
Assim, o Brasil é (e será) o grande centro da lusofonia, realidade de que os portugueses têm de ter consciência, não podendo Portugal imaginar ou sonhar uma nova forma de projeção da sua vocação imperial. O Brasil é, e será, para muitos, a realização e continuação do sonho imperial português.
Em entrevista ao jornal Público, de 19.05.13, à pergunta se há o risco de cairmos de novo na tentação de pensar que o Brasil ou Angola são a alternativa à Europa, diz: “Valemos no mundo o que valemos na Europa. E eles, no Brasil, ligam-nos pouco. É uma coisa mais lírica. (…) Querem ser os americanos do Sul. O engraçado é que o paradigma da Península Ibérica inverte-se do outro lado. É o Brasil e a língua portuguesa que querem dominar a região. É uma coisa quase mecânica, quase natural”. Acrescenta: “Ficam muito encantados quando vêm aqui, que lhes parece uma coisa familiar. Falamos a mesma língua, o que já é uma coisa fabulosa, que é uma coisa que já nos ultrapassa porque já não somos os sujeitos dessa língua. O nosso futuro enquanto língua portuguesa está assegurado no Brasil”.
Brasil que, também nesta perspetiva, se converte/rá num novo centro, num novo centro imperial linguístico através de um idioma comum a falantes de várias latitudes, através da língua portuguesa, após tempos idos, ter sido a sede da transferência do centro imperial de Lisboa para o Rio de Janeiro com a corte de D. João VI alimentando, para outros, o novo sonho e a realidade de que aí se situa o futuro de Portugal, dado que este aí se projetou, ampliou, transformou e tem a sua condição e conclusão natural por excelência.
Conclui-se que são e serão os descendentes das antigas colónias da antiga Europa imperial os novos impérios linguísticos do futuro, à semelhança do que sucede com a liderança atual dos Estados Unidos da América.[1] O que pode ir para lá do idioma, compatibilizando-se e adaptando-se, com o evoluir dos tempos, por exemplo, com a Europa, de que somos parte. E com um europeísmo de que Eduardo Lourenço sempre foi fortemente convicto, mas de cujo êxito, por agora, já não está tão convencido.
28.03.2017
Joaquim Miguel De Morgado Patrício
[1] Ver, neste blogue do CNC, um texto nosso, publicado em 25.08.16, sobre A Língua Portuguesa no Mundo XII - Da Europa Imperial aos Novos Impérios Linguísticos.
XII - DA EUROPA IMPERIAL AOS NOVOS IMPÉRIOS LINGUÍSTICOS
Na época dos pioneiros da colonização, em que a língua devia ser a “companheira do império” (Nebrija) e em que nas colónias (periferias), à semelhança das metrópoles europeias, era necessário usar a língua do centro, a atitude dominante das soberanias europeias, até meados do século passado, era a de considerar que “a língua é nossa”, procurando implantá-la, ao mesmo tempo que transportavam com ela, para outros povos, a visão do mundo, dos valores e da vida que estruturalmente lhe eram inerentes. Era a política de assimilação.
Paulatinamente foram surgindo novas políticas com agrupamentos de vários países em blocos de poder, passando por diversas formulações até à formação de blocos linguísticos, aglutinados, no essencial, por uma língua aceite como comum. Surgem, neste contexto, organizações como o Instituto da Alta Cultura, o Instituto Camões, o British Council, a Alliance Française, o Instituto Cervantes, o Goeth Institut, o Instituto Confúcio, servindo não apenas para preservação e defesa das línguas a eles afetas, mas também para a sua expansão, invertendo-se a frase de Nebrija, uma vez que a partir daí é a língua que arrasta consigo o império, interpretando este num sentido simbólico.
Esta metamorfose deu-se em simultâneo com a ascensão de organizações internacionais e do Direito Internacional Público, superando a ideia tradicional de que os problemas linguísticos eram responsabilidade das academias, de acordo com a regra de que cada Estado soberano transportava esses modelos para os territórios de que era responsável. No que toca ao português, defendeu-se a existência de um organismo onde estejam em pé de igualdade todos os Estados que o adotaram, visando a definição e prossecução de interesses comuns. Veio daí a ideia do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) e da criação de uma organização internacional, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), instituições de debilidade similar, até agora. O que corresponde à transição de “a língua é nossa” para o conceito de que “a língua também é nossa”, de que fala Adriano Moreira, invocando Eduardo Lourenço. Ao arrepio de puristas defensores de sistemas de imobilidade norteados por uma visão patrimonialista da língua, a que se contrapôs uma conceção não patrimonial, consequência da mestiçagem ou crioulização a que as línguas estão sujeitas, convivendo com a corruptela decorrente do seu uso mundial, de tendência crescente à medida que aumenta o seu uso global.
No caso português, uma política pluricontinental da língua portuguesa pôs de fora o monocentrismo homogeneizador da norma metropolitana em benefício de um policentrismo da chamada lusofonia ou mundo lusófono, baseado na sua variedade de fatores geográficos, antropológicos, étnicos, culturais, linguísticos, económicos, sociais, onde dada a ausência de proprietários da língua, ninguém é senhorio dela, antes ela dona e senhora de quem a fala. De uma perspetiva lusíada chegou-se a uma perspetiva lusófona, também já insuficiente, a que acresce uma perspetiva lusófila e como língua de exportação. Trata-se de uma visão estratégica para dar maior unidade e visibilidade aos falantes de português, orientando-os para fazer frente à força globalizante de outros blocos geoestratégicos e histórico-linguísticos, como a anglofonia, francofonia, hispanofonia, iberofonia, falando-se recentemente em germanofonia, na sequência da queda do muro de Berlim.
Sendo a língua portuguesa um idioma intercontinental, transnacional e global, com centenas de milhões de falantes, na sequência da sua disseminação no decurso de séculos, verifica-se que tendo tido como ponto de partida Portugal, na Europa, está hoje predominantemente implantada fora da Europa, com especial incidência na América do Sul e África. Indicia-se, assim, que a maior consolidação e expansão da presente e futura globalização da língua portuguesa será revitalizada de fora da Europa para outros continentes, nomeadamente via Brasil, “o imenso Portugal”, cantado por Chico Buarque, país de escala continental e potência emergente.
Tendo como referência, no mundo ocidental, a liderança atual dos Estados Unidos da América, pode-se concluir que são e serão os descendentes da velha Europa imperial os novos impérios linguísticos do futuro. O que, por analogia, está a suceder com a língua portuguesa, com perspetivas de reforço.
Joaquim Miguel De Morgado Patrício 22 de Agosto de 2016
1. As línguas, à semelhança dos organismos vivos, nascem, crescem, vivem, morrem, expandem-se e definham, adoecem e reconvalescem, procriam e esterilecem. Podem ser vistas como um organismo que se alimenta por via de um processo de expansão dos seus falantes, combinado com o seu desenvolvimento económico, cultural, científico e tecnológico, em que o primeiro elemento protege os falantes nativos, potenciando o segundo o aparecimento de falantes não nativos. Como organização internacional e plurinacional com maior responsabilidade mundial quanto ao regulamento e futuro de todas as línguas, a UNESCO traçou oficialmente uma linha no sentido de que todos os idiomas, no fundamental, têm a mesma dignidade, mérito e valor, em termos factuais e jurídicos, dado que cada língua é um mundo muito especial do pensamento humano, sendo a extinção, de qualquer delas, uma perda insubstituível. É, porém, tido como um dado adquirido, seja a nível interno de um Estado, de uma organização de Estados, ou a qualquer outro, que a distribuição desigual de força e poder entre as línguas, enquanto meios de comunicação, é prescrição segura para um sentimento de insegurança permanente, denunciado pelos falantes das línguas mais débeis ou habilitadas a finar-se. A língua portuguesa, em particular, associa diferentes comportamentos e horizontes em cada um dos dois grandes espaços geopolíticos e geoestratégicos em que se integra: a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a União Europeia (UE). 2. Na CPLP é o eixo, a força e o motor, a causa primeira e essencial, o movimento que dá o impulso, o combustível, o lubrificante, a estrada, o condutor e o próprio veículo, a luz que alumia e ilumina. Sobressai nela a componente linguística, como língua comum, dominante e de vanguarda, nas suas vertentes identitária e matricial cultural, correspondendo à sua imagem de marca, por confronto com a económica e política (ver vários considerandos da Declaração Constitutiva e artigo 3.º, alínea c) dos Estatutos da CPLP). O próprio nome, no seu sentido literal, o reforça, ao assumir-se como uma comunidade e organização internacional de países de língua portuguesa. Na UE predomina a componente económica e monetária, em que o problema linguístico tem sido secundarizado, como de retaguarda, em contraste com uma hipervalorizada componente economicista e monetarista. Apesar do regime linguístico vigente ser de um pluralismo linguístico geral e de não-discriminação, baseado no princípio da igualdade consagrando, em termos normativos, a igualdade linguística de direito, na prática tem-se caminhado para a vigência de um clube trilingue restrito de línguas, sustentado no inglês, francês e alemão, primando cada vez mais a solução da unidade sem diversidade. Fala-se em línguas dominantes e dominadas, estando a nossa entre as últimas, ao mesmo nível do checo, esloveno ou luxemburguês, apesar de a terceira mais falada do ocidente, quinta ou sexta à escala mundial e a mais falada do hemisfério sul. 3. Tendo o fator económico peso preponderante na globalização, com a consequente preponderância das línguas aí dominantes, que veiculam poder e dominam o mercado, pode defender-se que a sobrevivência e futuro do nosso idioma se aposta mais na UE, que no mundo lusófono, em especial na CPLP, dado a UE ser a organização multi-estadual mais avançada do mundo, ter maior poder, atração e visibilidade. Entendo que não. Penso, em primeiro lugar, que a CPLP deve positivar a lusofonia no seu todo, isto é, abrir-se a todas as comunidades de gentes de língua portuguesa disseminadas pelo mundo, criando formas de relacionamento não reservadas exclusivamente a Estados, aspirando a abranger todos os Estados, Povos e Comunidades Lusófonas abarcando, na sua área identitária, o que é parte integrante desse todo mais amplo que se lhe antepõe e determina, que dá pelo nome de Lusofonia ou Mundo Lusófono. Por que não falar em Comunidade de Povos ou Falantes de Língua Portuguesa? É um imperativo que se lhe antecede, dado que uma comunidade é mais que uma comunidade de estados e de países, sendo primeiro uma comunidade de referências e afetos, havendo que ter vontade em ultrapassar uma visão restrita ou predominantemente nacionalista, coletivista ou tecnocrática, ganhando cada vez mais relevo a interiorização do cultural, com a correspondente visão que o ser humano faz de si próprio, da sociedade e do mundo exterior, tendo a cultura como um pilar de soberania e do maior consenso. Ao mesmo tempo, a lusofonia e a CPLP podem ser o contrapeso a esse clubismo linguístico dominante na UE, pois embora o português não seja dos idiomas mais falados na Europa, o mesmo não sucede tomando como referência o critério objetivo das línguas mais faladas mundialmente, à frente de idiomas essencialmente europeus como o alemão, italiano, polaco e russo, ou não exclusivamente europeus, como o francês, lutando para que a UE deixe de ter como núcleo central o seu umbigo. Sem esquecer que o Brasil e Angola são potências emergentes a nível global e regional, com reflexos na Europa e demais continentes. Também nada exclui a coexistência, em termos estratégicos e de médio ou longo prazo, de um alargamento preferencial e intercontinental, a vários níveis, desde logo ao cultural, a países e povos mais próximos de raízes europeias, como no caso de ex-colónias que comungam caraterísticas comuns, como já se propôs, entre nós, em relação a Cabo Verde (Adriano Moreira). Por último, cada português, como tal e como cidadão europeu, deve interiorizar a sua identidade europeia e assumir nesta a sua identidade portuguesa, parte integrante dela, a começar pela língua e, desde logo com esta, a sua identidade lusófona, incentivando as instâncias políticas da União, com a CPLP e demais lusófonos, a não subestimarem, na prática, as línguas europeias globais, tanto mais que o Parlamento Europeu já declarou ser o português a terceira língua europeia de comunicação universal. Há que vencer um certo conformismo, derrotismo e passividade latente entre nós, em comunhão e conjugação de esforços com os restantes condóminos lusófonos, combatendo situações em que os seus próprios falantes têm a sua língua em baixa estima, dando um tiro no próprio pé.
31 de março de 2015 Joaquim Miguel De Morgado Patrício