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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

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  De 20 a 26 de fevereiro de 2023

 

António Manuel Couto Viana (1923-2010) comemoraria cem anos e invocamos a pedagogia da cultura popular e a preocupação especial que teve com os mais jovens e com a importância do teatro no ensino. 
 

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PEDAGOGO DA CULTURA POPULAR
 
Celebra-se o centenário de um poeta e homem de teatro, que influenciou decisivamente muitas gerações de jovens nos anos cinquenta e sessenta. António Manuel Couto Viana foi, antes de tudo, um pedagogo da cultura popular portuguesa. Pode dizer-se que foi esse seu papel de ativo educador através da leitura e do teatro que deixou uma marca indelével. Filho de um português e de mãe aragonesa, cultivou sempre as suas raízes galaico portuguesas e minhotas. Poeta, dramaturgo, ensaísta, memorialista e tradutor, fez os seus estudos no seu Minho e em Lisboa. Desde sempre foi um entusiasta do teatro, como a arte que melhor permite ligar a criatividade popular e a necessidade da cultura, tendo recebido de seu avô, com suas irmãs, em herança o Teatro Sá de Miranda de Braga. Cedo começou a colaborar no Teatro Estúdio do Salitre, como ator, cenógrafo e encenador (1948-1950), sendo ainda um dos animadores do Teatro de Ensaio do Monumental (1952), bem como diretor do Teatro do Gerifalto (1956-1960) – onde também estiveram Cecília Guimarães, Henriqueta Maya, Irene Cruz, Rui Mendes e Morais e Castro. Participou na Companhia Nacional de Teatro – Teatro da Trindade (1961-1965). Como ator, encenador e mestre da arte de dizer e de representar, encenou na televisão portuguesa (RTP) espetáculos de teatro e animou conversas e programas, com grande repercussão entre o público de todas as idades, mas especialmente entre os jovens, atraindo uma nova geração de atores e artistas para a arte de Talma. Lecionou no Liceu D. Leonor e foi membro do Conselho de Leitura da Fundação Calouste Gulbenkian. Estreou-se na escrita em 1948 com o livro de poemas O Avestruz Lírico, muito bem recebido pela crítica. Foi autor de mais de uma centena de obras escritas. 
 
ATIVIDADE INTENSA DE PROMOÇÃO DA CULTURA
 
De 1950 a 1954, dirigiu com David Mourão-Ferreira e Luiz de Macedo as folhas de poesia Távola Redonda, e em 1956-1957 a revista de cultura Graal, participando na revista Tempo Presente em 1959-1961. A sua obra poética procurou reabilitar as tradições líricas populares e um certo culto do passado e da paisagem. Além da poesia e do teatro, dedicou-se à literatura infantil, a partir dos principais autores europeus e dos romanceiros portugueses antigos, estudando-a em ensaios, escrevendo e traduzindo livros destinados aos mais jovens. Dirigiu o Camarada (1949-1951). Uma boa parte da sua atividade teatral como ator, encenador e autor dirigiu-se também aos jovens e às crianças, o que se relaciona com a sua obra poética onde perpassam marcas dos temas dos contos tradicionais. A referência ao Gerifalto, que marcou o mais importante grupo que animou, tem a ver com a simbologia de uma ave semelhante ao falcão, que representava a altivez e a valentia. Couto Viana está representado nas principais antologias de poesia portuguesa, e os seus poemas foram traduzidos para castelhano por Angel Crespo e para inglês por Joan R. Longland. Foi em 1960 premiado com o Prémio de Poesia Luso-Galaica Valle-Inclan, além de um conjunto dos principais galardões relativos à poesia e ao conto. 
 
Um dos seus poemas mais célebres, publicado em “Versos de Caracacá”, intitula-se “A Maçã”, que recordamos: «Na relva cheia de pó, / cai uma maçã pequena / que ao ver-se tão suja e só/começa a chorar de pena. / O galo do catavento, / temendo alguma desgraça, / pára logo o movimento / e pergunta: - O que se passa? / - Quero ver o Mundo! – diz / a maçã, a soluçar. / - O escaravelho é feliz, / pois tem patas para andar! / / De um alto ramo pendente / via o Sol, o Céu, a estrela / com gatos e cães e gente. / Mas, no chão, não vejo nada! / Eu tenho uma rica ideia! / - diz o galo (e bate as asas). / - Dou-te esta noite boleia / para veres gentes e casas. / E assim fez. Voa da igreja, / põe às costas a maçã / que vê tudo o que deseja / até ao romper da manhã. / - Olha outro galo tão lindo, / a voar! – Maçã pateta! – / responde-lhe o galo, rindo. / - Aquilo é uma borboleta! // Olha uma casa amarela! / Desço até ela. Já está! / Espreita pela janela / e diz-me o que vês por lá. / - Vejo uvas numa taça – / diz a maçã. -  Por favor, / chega-te mais à vidraça, / para eu espreitar melhor. / E a maçã pôde, assim, ver, / sobre a toalha engomada, / o garfo, a faca, a colher. / Viu tudo e ficou cansada. // O galo regressou à sua / torre da igreja aldeã / para, aí, contar à Lua / a viagem da maçã. //E a maçã muito contente, / diz, na relva, para consigo: / - Vi o Mundo, finalmente! / E o galo é meu amigo!» 
 
O CULTO DAS TRADIÇÕES
 
Como afirmou um dia sobre o Alto Minho: «A família toda foi uma apaixonada pela sua terra, que é encantadora: meu pai, um etnólogo, um homem que fez o ressurgimento do trajo à lavradeira (aquilo a que se chama «trajo à minhota», mas que é apenas do concelho de Viana do Castelo) e escreveu sobre Viana; minha irmã mais velha também tinha uma grande paixão por Viana e escreveu muito sobre ela e o mesmo com a minha outra irmã... O Luís d’Oliveira Guimarães dizia que o meu pai amava tanto a própria terra que até a usava no nome (Couto Viana). Eu identifico-me com a cidade e tenho recebido dela um carinho e uma admiração muito grandes – recentemente foi edificada a Biblioteca Municipal de Viana, que tem quatro salas: a sala Camões, a sala Fernando Pessoa, a sala José Saramago e a sala Couto Viana; sou cidadão de mérito da cidade; a Câmara Municipal tem publicado muitos livros meus de poesia e ensaio. A cidade tem correspondido ao meu amor”. Esta referência significa que a obra de António Manuel Couto Viana procura ligar, a partir da poesia, a literatura, a língua e a procura da compreensão da cultura como ponto de encontro entre as gerações – numa verdadeira noção de património cultural como realidade viva. Assim, a leitura da sua obra constitui um ensinamento permanente sobre o cadinho complexo e heterogéneo que vai construindo a língua portuguesa – de Camões a Eça de Queiroz, passando por Vieira e Garrett, por Sá de Miranda e Antero, sem esquecer os antigos trovadores, de que o poeta se considerava seguidor. Um pedagogo da cultura popular não poderia ser outra coisa do que um ouvinte fiel das tradições e leitor atento da melhor língua erudita. 
 
Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

A VIDA DOS LIVROS

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   De 25 a 31 de janeiro de 2021

 

“Contos Populares Portugueses” de Adolfo Coelho (Paulo Plantier, 1879) constitui uma tentativa séria de preencher uma lacuna na cultura portuguesa e que tem a ver com a ausência de uma recolha sistemática, ao longo dos séculos, de exemplos coevos da cultura popular no imaginário literário.

 

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CONTOS DA CULTURA POPULAR

Como diz Adolfo Coelho (1847-1919) no prefácio da obra: «Os contos que publicamos não têm todos igual valor, mas oferecem todos mais ou menos interesse sob o ponto de vista tradicional. Em regra, pode considerar-se a tradição dos contos entre nós como assaz obliterada; falta-lhes vida, poesia, muitas vezes referência; muitas feições significativas em versões doutros países tornaram-se aqui ininteligíveis e só pela comparação se explicam. A sua forma em geral é seca, monótona, enumerativa. Alguns, porém, apresentam-se ainda numa forma excelente, menos deturpados por elementos modernos; noutros, como em todos os países sucede, há o resultado de estranhas combinações de elementos de contos diversos». Insiste o pedagogo que os contos populares «não são ridículas invenções, boas só para divertir gente rude, que não tem cousa melhor para pasto do seu espírito e da sua ociosidade» - e continua: «muita gente, séria e grave na própria opinião, pasmará de que haja quem gaste o seu tempo com tais coisas; mas algumas pessoas haverá também que queiram aprender e para essas escrevemos as observações que seguem, desnecessário aos que estão ao corrente da ciência». Mas reconhece que «a novelística culta de fundo tradicional é um dos ramos mais pobres da nossa literatura; por essa razão a história dos contos populares entre nós não se pode estudar com a clareza que haveria se tivéssemos numerosos documentos do género do que trasladamos. O Orto do Esposo e os Contos de proveito e exemplo de Gonçalo Fernandes Trancoso assumem, por isso, uma importância excecional». A mais antiga edição desses contos é de 1575, segundo Teófilo Braga, mostrando que foram escritos por ocasião da peste de 1569. E Trancoso terá usado a tradição popular como fonte». Entre os contos populares reunidos por Adolfo Coelho, podemos referir: A história da Carochinha; A Formiga e a Neve; O Rabo do Gato; A Torre da Babilónia; Mais vale quem Deus ajuda do que quem muito madruga; História do Grão-de-Milho; O Príncipe Sapo; O homem que busca estremecer, O Príncipe com Orelhas de Burro; Os Três Estudantes e o Soldado; a Moura Encantada…

 

CIDADÃO E PEDAGOGO

Francisco Adolfo Coelho foi pedagogo, filólogo, etnólogo, linguista e escritor. Exerceu funções de professor do Curso Superior de Letras, onde ensinou Filologia Românica Comparada e Filologia Portuguesa, foi diretor da Escola Primária Superior e lecionou na Escola do Magistério Primário de Lisboa, onde organizou o Museu Pedagógico. Nas Conferências do Casino, em 1871, tratou do tema “A Questão do Ensino”, onde defendeu a separação da Igreja do Estado e a promoção da liberdade de pensamento, como essenciais para o progresso do País pela Instrução Pública. O novo Portugal nasceria, para Adolfo Coelho, da incorporação da cultura popular num projeto da nação no qual a Educação fosse central. As tradições do povo, o seu saber e a pedagogia popular seriam considerados para alicerçar a modernização da sociedade portuguesa e o espírito da sociedade nova centrados na sua cultura. Figura considerada e prestigiada teve nas duas primeiras décadas do século XX um papel importante, designadamente na institucionalização da República, em especial no tocante à organização do ensino secundário superior. Assim, acentuou a necessidade de só se apresentar aos educandos aquilo que estivessem preparados para entender e de lhes dar liberdade de escolha entre algumas disciplinas de opção nas classes superiores do ensino secundário.

 

UM CONTO ATUAL

Como exemplo de pedagogia pela recordação da cultura popular, lembramo-nos do célebre conto tradicional das culturas europeias, que muitos de nós ouvimos contado pelas nossas avós. “O Homem que busca estremecer”, incluído nos “Contos Populares Portugueses”, que constitui uma versão nossa do velho conto dos irmãos Grimm do jovem que partiu em busca do medo. “Era um homem rico e tinha um filho que nunca estremeceu com nada. Dava-lhe o signo dele de ir passar muitas terras e nunca seria timorato, nunca teria medo a cousa nenhuma”. Pediu então o filho a seu pai que lhe desse o seu quinhão para poder partir em busca do medo que lhe faltava. E assim aconteceu, enfrentando mil situações aterradoras. Com demónios estoirando dentro de casas, sempre sem o mínimo calafrio. A tradição germânica relatada pelos Grimm é semelhante. “Um pai tinha dois filhos, o mais velho deles era sábio e sensato, e sabia fazer tudo, mas o mais novo era tolo, e não conseguia aprender nem entender o que quer que fosse”. Mas enquanto o mais velho se negava a ir para locais sombrios e assustadores, nada atemorizava o mais novo. Por mais que tentassem, nada havia que lhe metesse medo – até que um pobre sacristão ficou em muito mau estado quando quis assustá-lo como se fora um fantasma, pois o jovem não se deixou perturbar pela suposta ameaça. Então partiu pelo mundo em demanda do medo. Com cinquenta moedas no alforge, enfrentou perigos, até com risco de vida, mas sempre sem o menor temor. José Gomes Ferreira também tratou do tema nas “Aventuras de João sem Medo” (inicialmente publicadas nas páginas da revista “O Senhor Doutor”, em 1933). Aí, cansado de viver numa terra de choros e queixas, a aldeia de Chora-Que-Logo-Bebes, João decidiu saltar o muro que separava o lugarejo do mundo, em busca de enigmas da infância e de entes fantásticos – bichas de sete cabeças, gigantes de cinco-braços, fadas, bruxas, animais que falavam e ainda o mítico Príncipe de Orelhas de Burro… No conto de Adolfo Coelho o medo seria encontrado num cabaz de pombas que «lhe esvoaram para a cara», causando-lhe estremecimento; no relato de Grimm, o jovem tornar-se-ia rei e tudo terminou num epílogo algo ingénuo e pouco épico, com um balde de água fria, lançado por uma aia da rainha, cheio de gobiões, peixinhos moles e peganhentos, com barbatanas perturbadoras. As metáforas merecem ser lembradas. Os tempos muito incertos e cheios de ameaças que vivemos não permitem que facilitemos as coisas. Ainda estamos longe de nos libertarmos destas condições trágicas. Precisamos de encontrar todos os meios possíveis para inverter a tendência e para podermos salvar vidas. A liberdade individual e a proximidade uns dos outros terão de ser recuperadas com solidariedade e esperança. Sendo atuais, urge compreender o medo e a verdadeira audácia, para não nos desprevenirmos nesta pandemia que nos enlouquece… 

 

Guilherme d’Oliveira Martins
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