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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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ABECEDÁRIO DA CULTURA DA LÍNGUA PORTUGUESA

Obra do escultor Martins Correia _ com legenda.jpg

 

O. ORTA (GARCIA DE) E COMPANHEIROS

 

O caso é singularíssimo. Num folhetim de fantasmas, encontram-se três cientistas. As três vidas são apaixonantes, e tantas vezes esquecemos a sua importância. O contributo português para a História das Ciências refere, de facto, três personalidades muito marcantes, nascidas no início do século XVI – Pedro Nunes, Garcia de Orta e D. João de Castro. Senão, vejamos. Pedro Nunes (1502-1578), ilustre matemático, foi professor em Coimbra, cargo que ocupou durante 18 anos, até se jubilar. Celebrado no seu tempo, Nunes, natural de Alcácer do Sal, não fez muitas considerações “Sobre a revolução das órbitas celestes”, o importante livro de Nicolau Copérnico, publicado em Nuremberga. Contudo, o grande matemático português considerou o sistema do polaco Copérnico correto do ponto de vista matemático, nunca tendo chegado a pronunciar-se sobre a respetiva realidade física. O certo é que as obras de Pedro Nunes serviram de referência aos principais matemáticos e astrónomos europeus de renome. E o seu nome está ligado ao célebre instrumento de medida “Nónio”, que mereceu geral admiração.

 

Nascido um ano antes, destacamos a figura do contemporâneo Garcia de Orta, médico, botânico e naturalista, nasceu em 1501, em Castelo de Vide. Foi o primeiro filho de Fernando de Orta, um dos judeus, expulsos de Espanha em 1492. Estudou em Salamanca e Alcalá de Henares (de 1515 a 1523) Gramática, Artes, Súmulas, e Filosofia Natural, licenciando-se em Medicina. Em Alcalá teve por mestre Antonio de Lebrija em matéria de herborização. Cerca de 1523 regressou a Castelo de Vide, com licença para exercer o cargo de físico. Em 1531, recebeu o encargo de reger em Lisboa interinamente o curso de Filosofia Moral, vago desde a saída de Pedro Nunes. Em 12 de março de 1534, Garcia de Orta partiu para a Índia, como físico do Capitão Mor do Mar da Índia, Martim Afonso de Sousa, recentemente vindo do Brasil. Por um período de quatro anos, acompanhou-o nas campanhas de mar e terra na costa ocidental da Índia, de Diu a Ceilão, percorrendo a costa de Cambaia e atravessando o Golfo. Viu o aspeto da vegetação daquela parte da Índia, com clima mais temperado. Na região de Malabar estudou diversos produtos vegetais que não vira no Norte. Na baía de Bombaim visitou o templo de Elephanta, tornando-se o primeiro europeu a dar notícia deste local. Assistiu à assinatura do tratado de aliança que Martim Afonso faz com o sultão Badur, pelo qual foi cedida Baçaím, que seria capital da «província do Norte». Entre 1534 e o final de 1538, Garcia de Orta viajou na companhia de Bahádur Sha, presenciando a tomada de Repelim e a batalha de Beadalá. Passou algum tempo em Ceilão e daqui foi a Malabar, de onde se recolheu a Cochim e depois a Goa. No final de 1538, Martim Afonso de Sousa voltou a Portugal, enquanto Garcia de Orta ficou a residir em Goa. Foi físico mor de vice-reis, governadores gerais, e potentados indianos, com destaque para Bunham Nizam Sha. No tempo do governador Pedro de Mascarenhas tomou de aforamento a ilha de Mombaim - uma das sete ilhas sobre as quais se viria a fundar Bombaim. Foi também mercador de drogas e coisas de natureza médica, joias e pedras preciosas, dispondo para isso de navio próprio. Mercadejou com persas, árabes e malaios e foi amigo de médicos e eruditos hindus, e muçulmanos, de todos colheu informações, plantas, produtos e objetos locais. Casou com Brianda de Solis, filha do mercador Henrique de Solis, de quem teve duas filhas. A casa de Garcia de Orta situava-se na parte alta da Cidade. Aí tinha uma biblioteca e um museu que foi formando com drogas raras e objetos que colecionava. Tinha uma horta onde plantou um Negundo e vários Jambos, como referiu nos Colóquios. Movia-o um grande desejo de saber das drogas medicinais. A obra "Colóquios dos Simples" resultou das observações feitas durante mais de trinta anos de estada na Índia, tempo em que refletiu e discutiu os clássicos, e apreendendo os conhecimentos dos seus homólogos indianos. Morreu em 1568. A Inquisição de Goa condenou sua irmã Catarina de Orta, no ano seguinte, por suspeita de criptojudaísmo, e condenou também, Garcia de Orta, postumamente, fazendo em dezembro de 1580 desenterrar os seus ossos da Capela de Santa Catarina de Goa para serem queimados, e as cinzas lançadas ao Mandovi.

 

Já D. João de Castro nasceu em Lisboa a 27 de fevereiro de 1500, tendo falecido em Goa a 6 de junho de 1548. Foi moço fidalgo no reinado de D. Manuel, iniciando-se com dezoito anos na arte da guerra em Tânger, acabando por ser armado cavaleiro pelo governador da cidade, D. Duarte de Meneses. No ano de 1535 participou na poderosa armada no Mediterrâneo, para dar caça ao corsário Kheir-ed-Din, mais conhecido por "Barbarroxa", apoiado pelos turcos. Em 1539, quando chega à Índia, depara com o cerco a Diu, feito pelas tropas turcas comandadas por Solimão Baxá; em 1541 participa na armada, capitaneada por D. Cristóvão da Gama, nas costas do Mar Vermelho. De regresso à Índia (1542) é nomeado capitão-mor da armada, com a tarefa de salvaguardar as praças marroquinas do inimigo muçulmano; em 1546, como 13º governador da Índia, trava uma luta heroica, saindo vencedor contra uma força turca, que, de novo cerca a cidade de Diu. Quando partiu para a Índia a bordo da nau “Grifo”, em 1538, teve um contributo decisivo no campo científico: com a determinação da latitude e longitude, a representação cartográfica e o desvio do norte magnético; estudando em simultâneo o regime de ventos, as correntes, e o magnetismo terrestre. A sua obra é das mais significativas de entre as que se produziram na época. Entre os textos que chegaram até nós, avultam três excecionais roteiros - "De Lisboa a Goa "(1538); "De Goa a Diu"(1538-1539); "De Goa ao Suez", com o roteiro do "Mar Roxo"(1541). A honradez de D. João de Castro é um exemplo, bem expresso no seu lema: “Vim a servir, não vim a comerciar no Oriente”. Eis um diálogo surpreendente entre supremas personalidades.

 

ABC da língua portuguesa.jpg
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OUTRO CENTENÁRIO ESQUECIDO: D. JOÃO DE CASTRO


Começamos por assinalar que o historial das artes de letras e de espetáculos não impedem o uso literário de referências, vindas dos séculos XIX/XX, marcadas pela tradição histórica das respetivas designações: e assim, o dramaturgo D. João de Castro (1871-1955), nascido pois há cerca de século e meio, então como tal consagrado e hoje praticamente esquecido, marcou no entanto a época e de certo modo a produção dramatúrgica pós-romântica, o que em rigor significa uma transição, tantas vezes nem sequer como tal explícita, do teatro português.


E é interessante então relacionar estas evocações de autores, como tal mais ou menos esquecidos, com a estrutura histórico-artística da época e designadamente com a relevância que tem esta produção de espetáculos teatrais e a importância dos seus autores: nesse sentido, e por isso mesmo, esta série de artigos muitas vezes se destina a recordar nomes e obras que valorizam o teatro.


Fazemos e citamos então agora diversas referências à obra dramatúrgica deste João de Castro, a partir do que escrevemos na “História do Teatro Português”.


Aí referimos que na época o teatro histórico em verso marcou a cultura, a produção e mesmo o espetáculo. E esta opção, que em rigor dura até hoje, foi relevante da dramaturgia de autores na época consagrados e ainda evocáveis, desde logo Henrique Lopes de Mendonça ou Júlio Dantas, por exemplo: mas há que lembrar portanto a dramaturgia, hoje de facto praticamente esquecida, de João de Castro.


Ora, importa ter presente que D. João de Castro, como tal mesmo na época consagrado, é considerado um dos iniciantes do simbolismo, ou pelo menos Júlio Brandão assim o evoca. E será oportuno ainda referir que a dramaturgia de D. João de Castro comporta um díptico referido no conjunto como precisamente “O País da Quimera” que envolveria duas peças: “Via Dolorosa” (1898) e “Vida Eterna” que se perdeu.


Mas como já escrevemos, o chamado então “Teatro Heroico”, nada menos, envolveu peças como “Brasil” (1924) ou “Por Bem” (1931), peças hoje efetivamente esquecidas... e podemos ainda citar por exemplo peças como “Jesus”, “A Desonra”, ou “O Marquês de Carriche” (1927).


Finalmente Luiz Francisco Rebello na “História do Teatro Português” escreve:
«Mas devem ainda citar-se D. João de Castro (1871-1955), o autor dos sonetos “neofilibatas” de “Alma Póstuma” e do romance “Os Malditos” que depois do poema-drama “Via Dolorosa” (1898), escreveria um drama naturalista que ousadamente punha em cena um caso de incesto filial (“A Desonra”, 1913) e peças de assunto histórico na linha do neo-realismo finissecular (“O Marquês de Carriche”, 1927; “Por Bem”, 1931)».


E seguem citações de autores que Rebello refere como relevantes dramaturgos da época (alguns ainda hoje, acrescente-se): designadamente Manuel da Silva Gaio, Júlio Dantas, Afonso Lopes Vieira...


Ora, independentemente de quaisquer outras apreciações, a referência à citação de Luiz Francisco Rebello sobre D. João da Câmara representa o interesse que significa a obra hoje injustamente esquecida deste dramaturgo!

 

DUARTE IVO CRUZ