NOTÍCIAS DO PARAÍSO
David Lodge (1935-2025) foi um mestre do romance satírico britânico e a sua obra encerra uma análise plena de ironia da sociedade em que vivemos, desmascarando a vaidade, a hipocrisia e a mesquinhez que a cada passo encontramos. Discípulo de Jonathan Swift ou de Henry Fielding, seguiu as pisadas de Evelyn Waugh, de Graham Greene ou até de Chesterton, fazendo chegar até nós o saudável espírito de um cristão inconformista, empenhado em distinguir o essencial e o acessório, pondo em primeiro lugar o sentido crítico e o respeito mútuo. Os seus maiores êxitos editoriais tornaram-se referências que ultrapassaram as contingências do tempo em que surgiram. Quando publicou O Museu Britânico vem Abaixo (1965) partiu da sua experiência como professor universitário, seguindo o percurso de um jovem estudioso de língua inglesa às voltas com uma dissertação com tema muito complicado sobre “A estrutura de frases longas em três romances ingleses modernos”. Contudo o investigador deixou-se distrair com as circunstâncias mais diversas e estranhas. No caso de Lodge como autor da tese sobre “O Romance católico desde o movimento de Oxford até aos nossos dias”, ele fez da carreira universitária o seu ganha-pão, aproveitando o facto para poder criticar, com humor e sentido crítico, a perversidade dos labirintos universitários e das suas endogamias. Em A Troca (1975), romance passado nas Universidades fantasiosas de Rummidge e Euphoric, em Inglaterra e nos Estados Unidos, dois professores de literatura inglesa trocam as suas posições durante seis meses, e deparamo-nos nesse cenário com o cabotinismo e a preguiça generalizados em busca de reconhecimento intelectual, entre congressos e conferências, à mistura com devaneios amorosos. Com um humor feroz, encontramo-nos perante o que Umberto Eco designou, cheio de ironia, como “picaresco académico”.
Em How Far Can We Go (Até Onde Podemos Ir) (1980) o romancista põe em diálogo, com inteligência, ironia e até ternura, vários católicos que se conheceram nos anos cinquenta do século passado e que se veem confrontados com uma evolução dramática da espiritualidade, com as mudanças não apenas ditadas pelo Concílio Vaticano II, mas também pela sociedade contemporânea no tocante à tomada de consciência do corpo, a uma maior permissividade sexual e ao surgimento da pílula, no contexto de um confronto entre o tradicionalismo e a modernidade. Graham Greene dirá tratar-se de uma obra magnífica. Segundo David Lodge: “Ler é submeter a curiosidade e o desejo a um continuo movimento de uma frase para outra. O texto desvenda-se diante de nós, mas não permite que o possuamos. Mais do que desejarmos possuí-lo, deveremos obter o prazer de usufruir das suas traquinices”. De facto, a descoberta do prazer e dos jogos de sedução, permitindo compreender o que muda no mundo e na vida em cada momento, constitui uma permanente preocupação do escritor, na relação com a literatura e os seus leitores, como analisará nos casos de Henry James e H. G. Wells. Com efeito, as notícias que recebemos do paraíso obrigam a limitar os entusiasmos. Não nos devemos enganar. Daí a importância de uma boa dose de ironia, para que percebamos que não há mundo perfeito, mas a necessidade de termos sentido de autocrítica, para caminharmos com sinceridade e sabedoria...
GOM