Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Não nego que me sinto vencido pela tua distância, uma pedra e um pouco de gelo no sangue, uma violeta na primavera desta morte em flor. A aflição não passa ainda que eu permaneça na defensiva, dia após dia, na retaguarda do teu afecto.
Tocar-te o músculo, tal como a um livro de biblioteca. Mas agora, o que se mantém vivo e fresco no teu estojo de ossos? Assim, dizem, se retira aos nossos restos, ainda que dignos, o nervo e a tentação do teu nome.
Não dizer o teu nome, nunca. Não pode dar-se tesouro eterno assim a mãos que me recusaram. Quanto mais morres, mais difícil é dizer-te,
mais fácil é dizer apenas… corpo.
in Criatura nº 6 Novembro, 2011
Short elegy to Memory
I can’t deny feeling defeated by your distance, a stone and ice in the blood, a violet in the spring of this dead blossom. My misery doesn’t end despite my standing day after day on the defensive, in the rear line of your affection.
To touch your muscle as if touching a library book. But now, what is there still alive and fresh in this bone case of yours? Thus, it is said, though dignified, remains are denied the nerve and the lure of your name.
Not to mention your name, ever. Eternal treasure can’t be granted just like that, to hands that rejected me. The more you die, the harder it is to say it,
Tenho medidos os dias a cigarros, rápidos e imprecisos, fumados até ao litoral dos teus olhos. Continuo… no mesmo sítio de sempre, devolvendo às cadeiras o sorriso emprestado pela familiaridade dos seus gestos tão pouco poéticos. Tenho acertado os dias pelos copos e agora estão – ou estarei eu? – vazios. Vai-me pedindo mais uma cerveja, que eu vou convocar certos demónios no espelho da casa de banho e, depois, beber um pouco de água opaca, lavar bem as mãos, secá-las e regressar à mesa quatro minutos menos feliz. Não morras nunca, digo-te, acrescentando logo a seguir que, mesmo assim, não quero falar da morte, muito embora – desculpa-me a insistência – o teu cabelo hoje me pareça mais preto que nunca. Sorris. É o que me vale, sabes sempre sorrir tão bem.
in Criatura nº4 Dezembro, 2009
Somewhat more than a love Haiku
I’ve measured out my days with cigarettes, quick and inaccurate, smoked down to the seaside of your eyes. I remain… in the same old place, returning to the chairs the smile, borrowed from the wont of their non-poetic gestures. I’ve counted up my days with bottles and now they are – or am I? – empty. Order another beer for me while I summon certain demons at the lavatory mirror and afterwards have a few gulps of unclear water, wash my hands, dry them and rejoin the table less happy by four minutes. Don’t you ever die, I say, immediately adding that, nevertheless, I don’t want to speak of death, even though – sorry to insist – today your hair seems darker than ever. You smile. That will keep me going, you can always smile so well.
Na distante memória, a estreita rua Adamczewski contorna o olhar até se abrir em direcção ao cemitério que fica no cimo da colina, onde as crianças brincam aos castelos numa árvore sem pássaros.
Aqui a sombra da morte é tão presente quanto a do fim de tarde; felizmente ainda mal passámos do meio-dia e os velhos bebem aguardente de ervas no café à espera de quase tudo, menos do grito de uma flor que aguarda um destino. Mas eis que ele soa e o nosso tempo altera-se,
como se de ouvido encostado ao chão pudéssemos associar o triunfo das formigas ao dos nossos antepassados a caminhar lado a lado pela Rua Adamczewski acima em direcção ao cemitério, de braços dados, enquanto cantam Se não são os mortos que nos guardam, porque é que os deitamos aqui em cima?
In Criatura nº 4, 2009
Adamczewski Street
In a distant memory, narrow Adamczewski Street goes round our eyes until it opens into the graveyard on top of the hill, where children play king of the castle in a birdless tree.
Here the shadow of death is as present as that of the afternoon; luckily it’s barely past midday and the old folks drink herb brandy at the café expecting almost anything but the scream of a flower that hopes for a destiny. But we hear it and our time is changed,
as if we were able, ear to the ground, to associate the triumph of the ants with that of our ancestors as they walked side by side, arm in arm up Adamczewski Street towards the graveyard, singing If it isn’t the dead who guard us, why do we lay them there?