Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE DAVID TELES PEREIRA  

  


Pequena elegia da Memória


Não nego que me sinto vencido
pela tua distância,
uma pedra e um pouco de gelo no sangue,
uma violeta na primavera desta morte em flor.
A aflição não passa
ainda que eu permaneça na defensiva, dia após dia,
na retaguarda do teu afecto.

Tocar-te o músculo, tal como a um livro de biblioteca.
Mas agora, o que se mantém vivo e fresco
no teu estojo de ossos? Assim, dizem,
se retira aos nossos restos, ainda que dignos,
o nervo e a tentação do teu nome.

Não dizer o teu nome, nunca. Não pode dar-se
tesouro eterno assim a mãos que me recusaram.
Quanto mais morres, mais difícil é dizer-te,

mais fácil é dizer apenas… corpo.


in Criatura nº 6 Novembro, 2011


Short elegy to Memory


I can’t deny feeling defeated
by your distance,
a stone and ice in the blood,
a violet in the spring of this dead blossom.
My misery doesn’t end
despite my standing day after day on the defensive,
in the rear line of your affection.

To touch your muscle as if touching a library book.
But now, what is there still alive and fresh
in this bone case of yours? Thus, it is said,
though dignified, remains are denied
the nerve and the lure of your name.

Not to mention your name, ever. Eternal treasure
can’t be granted just like that, to hands that rejected me.
The more you die, the harder it is to say it,

it’s much easier just to say… body.


© Translated by Ana Hudson, 2012
in Poems from the Portuguese

 

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE DAVID TELES PEREIRA 

  


Um pouco mais que Haiku de amor


Tenho medidos os dias a cigarros, rápidos e imprecisos,
fumados até ao litoral dos teus olhos. Continuo…
no mesmo sítio de sempre, devolvendo
às cadeiras o sorriso emprestado pela familiaridade
dos seus gestos tão pouco poéticos.
Tenho acertado os dias pelos copos e agora
estão – ou estarei eu? – vazios. Vai-me pedindo
mais uma cerveja, que eu vou convocar
certos demónios no espelho da casa de banho e, depois,
beber um pouco de água opaca, lavar bem as mãos, secá-las
e regressar à mesa quatro minutos menos feliz.
Não morras nunca, digo-te, acrescentando logo a seguir
que, mesmo assim, não quero falar da morte,
muito embora – desculpa-me a insistência –
o teu cabelo hoje me pareça mais preto que nunca.
Sorris.
É o que me vale, sabes sempre sorrir tão bem.


in Criatura nº4 Dezembro, 2009


Somewhat more than a love Haiku


I’ve measured out my days with cigarettes, quick and inaccurate,
smoked down to the seaside of your eyes. I remain…
in the same old place, returning
to the chairs the smile, borrowed from the wont
of their non-poetic gestures.
I’ve counted up my days with bottles and now
they are – or am I? – empty. Order
another beer for me while I summon
certain demons at the lavatory mirror and afterwards
have a few gulps of unclear water, wash my hands, dry them
and rejoin the table less happy by four minutes.
Don’t you ever die, I say, immediately adding
that, nevertheless, I don’t want to speak of death,
even though – sorry to insist – today
your hair seems darker than ever.
You smile.
That will keep me going, you can always smile so well.


© Translated by Ana Hudson, 2012
in Poems from the Portuguese

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE DAVID TELES PEREIRA


Rua Adamczewski


Na distante memória, a estreita rua Adamczewski
contorna o olhar até se abrir em direcção ao cemitério
que fica no cimo da colina, onde as crianças brincam
aos castelos numa árvore sem pássaros.


Aqui a sombra da morte é tão presente quanto a do fim de tarde;
felizmente ainda mal passámos do meio-dia e os velhos
bebem aguardente de ervas no café à espera de quase tudo,
menos do grito de uma flor que aguarda um destino.
Mas eis que ele soa e o nosso tempo altera-se,


como se de ouvido encostado ao chão pudéssemos
associar o triunfo das formigas ao dos nossos antepassados
a caminhar lado a lado pela Rua Adamczewski acima
em direcção ao cemitério, de braços dados, enquanto cantam
Se não são os mortos que nos guardam,
porque é que os deitamos aqui em cima?


In Criatura nº 4, 2009


Adamczewski Street


In a distant memory, narrow Adamczewski Street
goes round our eyes until it opens into
the graveyard on top of the hill, where children play
king of the castle in a birdless tree.


Here the shadow of death is as present as that of the afternoon;
luckily it’s barely past midday and the old folks
drink herb brandy at the café expecting almost anything
but the scream of a flower that hopes for a destiny.
But we hear it and our time is changed,


as if we were able, ear to the ground,
to associate the triumph of the ants with that of our ancestors
as they walked side by side, arm in arm up Adamczewski Street
towards the graveyard, singing
If it isn’t the dead who guard us,
why do we lay them there?


© Translated by Ana Hudson, 2010
in Poems from the Portuguese