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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A TERTÚLIA DE MOINHO DE VENTO

 

O debate de ideias não pode ser desvalorizado. O intelectual não pode ser substituído pelos comentadores das ideias gerais. A democracia só progride através da ligação entre a capacidade de ver o futuro e de encontrar catalisadores de energias no sentido de responder à necessidade de tornar a sociedade melhor. Não há ação coerente e eficaz sem pensamento, e não há reflexão séria sem capacidade de ouvir. Não há projetos relevantes se não os basearmos na experiência e nos bons exemplos. Infelizmente, prevalece a tentação de limitar o debate político ao imediatismo e aos efeitos teatrais. Se olharmos atentamente a história política percebemos que só pode haver resultados práticos positivos se houver planeamento de médio e longo prazos e capacidade de mobilizar duradouramente as vontades da sociedade. As reformas estruturais não se confundem com o método do café instantâneo, é fundamental tempo e é ilusório julgar que se muda a sociedade contando apenas com opiniões superficiais ou modas passageiras. Eis por que razão urge refletir, dialogar, debater e encontrar soluções duráveis que possam antecipar, prevenir e mobilizar.


Conversando com Sérgio Campos Matos, falámos da importância das antigas tertúlias de sábado à tarde, na Travessa do Moinho de Vento, em casa de António Sérgio. O encontro de diversos pontos de vista, o debate e a reflexão pressupunham o apelo sério ao sentido crítico… Aí se encontravam Álvaro Salema, Agostinho da Silva, Castelo Branco Chaves, mas também jovens como José-Augusto França, Fernando Ferreira da Costa e Natália Correia. O ensaísta combatia a ignorância do país, acreditando num impulso emancipador de “cidadãos, com dotes intelectuais, iniciativa realizadora, eficaz organização; com clareza, frieza e equilíbrio de entendimento; autodomínio e atenção aos factos; ordem nas ideias; - senso crítico”. Demarcava-se de uma ancestral política que designava como de “transporte”, apelando para mais do que uma mera política de “fixação”. Tornava-se essencial a vontade, a ponderação de diversas perspetivas e a compreensão dos motivos económicos e das complexas dinâmicas culturais. Deste modo, sobre o célebre tema das “Duas Políticas Nacionais”, António Sérgio considerava Portugal como um território com dois países dentro dele – um país tradicional e fechado e um país moderno e aberto, envolvendo o dualismo entre o litoral e as cidades, o interior e a província, o racional e o castiço. Eis por que não podemos dispensar o debate de ideias nem o papel de quem deseja refletir para além do que mais grita ou de quem corre atrás do efeito fácil. Só entendendo essa dualidade será possível encarar o desenvolvimento como algo que não pode ser concebido a preto e branco. Só poderemos progredir se compreendermos o que permanece e o que muda, o que resiste e o que avança.


Apenas o conhecimento e a reflexão, a aprendizagem, a ciência e a cultura podem ajudar-nos. Fala-se hoje de recuperação e de resistência, a Europa e os europeus, o mundo e os cidadãos são chamados à responsabilidade, para que ultrapassem a irrelevância. Os dilemas entre a saúde e a economia, entre sustentabilidade e crescimento só se superam com estudo, trabalho e compreensão da complexidade… Escrever história, segundo António Sérgio assemelha-se à feitura de um colar: “o que faz de um qualquer número de pérolas um colar é o fio invisível e interior que as une – que as liga a todas numa certa ordem”. Hoje sabemos que é a liberdade a democracia que aí se devem encontrar, para que a reflexão ponderada se una à legitimidade popular.    

Guilherme d'Oliveira Martins

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

 

41. O REMÉDIO DA ARTE DE CONVERSAR

 

Grande remédio do mal foi sempre a conversação.

Conversar é arte. É a arte de conversar.

Um recurso, uma solução que auxilia e protege. 

Que atenua os males, agruras e rotinas da vida.

Tornando mais aceitável ou suportável deixar ir o tempo. 

Mas também é aprazível uma conversa enriquecedora.

Comunica-se e estabelece-se a confiança. 

Exerce-se o contraditório, sabendo escutar, coincidir ou desavir. 

Abrimo-nos desabafando, esperando atenção, amparo ou sentido crítico.

Nada melhor que um frente a frente pessoal. 

A distância inviabiliza ver as imperfeições e as insuficiências.

A pessoa que idealizamos e imaginamos de longe, é vista num plano diferente daquele através do qual vemos as pessoas conhecidas. 

É uma visão hipotética ou virtual, que por vezes se aproxima da realidade ou dela se afasta profundamente.

Se a representação imaginária, que fantasiamos do outro, se aproxima da realidade, saboreia-se a conversação que pode conduzir à amizade.   

Se o retrato imaginário não condiz, de todo, com a realidade, sobrevem o choque, a deceção, o afastamento e a rutura.   

Infelizmente a arte de conversar vai-se perdendo, em benefício do bulício normalizador e ruído comum.

Há uma tendência chamativa de chamar e gritar por atenção, maioritariamente via redes sociais, com disponibilidade para lermos, escrevermos e ouvirmos o que já estamos predispostos para ler, escrever e escutar.   

E, então, não há diálogo nem debate, ou se o há falta-lhe densidade e intensidade.

Diálogos, debates e a arte da conversa a dois (ou mais) vai-se perdendo.

Mas quando os há a dois (ou mais) densos e intensos, são oásis de enriquecimento, humanismo e sabedoria, com direito a arquivamento para memória futura.

 

06.03.2020
Joaquim Miguel de Morgado Patrício