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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  

 

100. SOBRE O DIREITO NA GUERRA (II)


Infelizmente, a primeira guerra mundial foi um laboratório de ensaios e de experimentalismos que abriram a possibilidade para a ocorrência de uma guerra mais global e total, com inovação nuclear. O conflito de 1939-45 foi o evoluir, para pior, da primeira grande guerra. Se a Liga das Nações foi o precedente direto e imediato das Nações Unidas (ONU), o Genocídio Arménio foi o precedente do Holocausto Nazi, o mesmo sucedendo com a morte em série e o terror crescente, letal e mortífero dos fabricantes do terror absoluto da segunda grande guerra, exacerbando o modelo, por confronto com a primeira.     


A 31 de julho de 1947, data do encerramento de contas, a Sociedade das Nações deixou legalmente de existir, após a transferência dos seus bens para a ONU. 


Os governos tencionavam tirar ensinamentos da falência da SDN. Uma das razões a que se atribui a sua ineficácia era a igualdade fictícia entre grandes e pequenos, pois todos os seus membros tinham direitos idênticos, mesmo que houvesse entre eles uma   flagrante disparidade. Passa a usar-se a distinção entre os “Grandes” (em número de cinco), tidos como representantes e detentores das responsabilidades mundiais, e os outros. Os Grandes terão assento permanente no órgão essencial que é o Conselho de Segurança da ONU, onde têm direito de veto. Os outros serão rotativamente representados no CS e elegerão determinado número de membros para completar os cinco “Grandes”.       


Ao objetivo primordial da manutenção da paz da Carta das Nações Unidas, mesmo com o apoio de uma força armada internacional (os Capacetes Azuis), junta-se a defesa dos direitos humanos, baseada no princípio da dignidade da pessoa humana, que os dois conflitos mundiais demonstrariam, entretanto, a urgência em fixar e tutelar.


Mas a ONU, com o seu estatuto, só pode cumprir plenamente a sua função desde que os “Grandes” do CS se concertem. Trata-se de uma política maquiavélica, realista e coativa de quem tem mais força e poder, iludindo o legislado, estando o Direito mais atrasado em legislação, força coativa e sancionatória, com inerentes consequências na temática sobre o direito na guerra.     


Desde as objeções à existência do direito internacional, passando pelas doutrinas subjetivistas, objetivistas, pluralistas ou monistas, incluindo a doutrina da autolimitação, do direito estatal externo, dos direitos fundamentais estaduais, do consentimento das nações, da solidariedade social, da opinião dominante ou doutrinas jusnaturalistas, conclui-se sempre que ainda não há um direito universal, que não abrange a globalização, nem a guerra ou defesa da paz, em termos de coação.


Não existindo um Direito Universal com a mesma eficácia e modelo que há dentro de cada Estado, não há um Direito Universal, tipo Direito Internacional Público Universal, nem um Direito na guerra, coagindo e sancionando o direito à guerra em favor da paz.


08.04.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  

 

99. SOBRE O DIREITO NA GUERRA (I)  


Com a chegada e o fim da primeira grande guerra, dadas as suas extensas inovações tecnológicas e grande carga ideológica, a doutrina da guerra justa foi não apenas revista, mas igualmente renovada, estimulando a criação de estruturas internacionais adequadas e capazes de conferir maior eficácia àquela ideia de guerra. Assim surgiu, finda a primeira grande guerra, a Sociedade das Nações, destinada a promover a cooperação internacional e a garantir a paz e a segurança.   


Surgia a primeira organização internacional universal da natureza política, com o fim geral relacionado com a garantia e manutenção da cooperação, segurança e paz.


Segundo o artigo 16.º da SDN, é agressão a todos os outros Estados, a guerra ilícita, exercida por um Estado-membro devendo, em tais circunstâncias, ser adotadas sanções económicas contra o agressor, cabendo ao Conselho recrutar forças militares terrestres, navais e aéreas para uma resposta e repulsa coletiva.   


O artigo 8.º, por sua vez, estabelecia que os seus membros reconheciam a manutenção da paz e exigiam “a redução dos armamentos nacionais ao mínimo compatível com a segurança nacional e com a execução das obrigações internacionais imposta por uma ação comum”.   


Foi assim que, finda a primeira guerra mundial, e após um período caraterizado por inovações tecnológicas e cargas ideológicas, se estimulou a criação de estruturas internacionais vocacionadas para conferirem eficácia prática à ideia de guerra justa, cuja doutrina seria revista e renovada, com o contributo da Liga ou Sociedade das Nações, precursora da Organização das Nações Unidas. Substituiu-se o sistema eclesiástico medieval, concebido e aplicado pela Igreja, pela estrutura secular contemporânea, dando-se lugar a uma organização internacional constituída por nações.


Rejeitada a guerra para qualquer fim, surge como caraterística essencial da nova doutrina da guerra justa saber o que é imprescindível como justa causa para fazer a guerra. Se só é justa a guerra defensiva em resposta a uma agressão, impõe-se uma definição de agressão. Já não era a agressão em si mesma que preocupava, mas distinguir entre a justiça e a injustiça do fim a alcançar, dado que a “agressão” podia ser um meio legítimo para atingir um fim justo: a justiça.     


Passou-se a querer subordinar a paz à justiça, dado que os Estados e povos se viram coagidos a rever a sua eventual aversão ao uso da força, quando confrontados com violações dos direitos humanos, nomeadamente na sequência das duas grandes guerras do século XX. Houve um retorno, adaptado e atualizado, a uma posição intermédia da boa ou justa causa da guerra, nas suas origens medievais. O que não significa que a guerra seja necessariamente imprescindível, ou que se anteponha à paz, uma vez que as guerras nunca foram nem são a melhor solução. Só que a paz a defender só pode ser a que serve a justiça, porque só ela justifica a guerra justa em sua defesa.


01.04.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício