Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Já encontrámos Almeida Garrett nas suas geniais “Viagens”, agora invocamos o dramaturgo na Comédia “Falar Verdade a Mentir”, pequena peça em que as personagens são confrontadas com uma sucessão de mentiras que geram, entre momentos de gozo, as maiores confusões. É o exemplo da comédia de enganos, conhecida desde a dramaturgia mais antiga. Aqui os fantasmas são reais. Duarte é noivo de Amália e tem o hábito doentio e persistente de mentir. Amália é filha do Senhor Brás Ferreira, conceituado ricaço, que não suporta mentiras! Se sonha que o futuro genro diz a mais pequena mentira, o veredicto é claro: o casamento já não pode realizar-se. Entretanto, Joaquina, criada de Amália, namora o José Félix. E os dois fazem os impossíveis para que as mentiras constantes de Duarte, se transformem, como que por encanto, em autênticas verdades! As mentiras fervem, o ricaço Brás Ferreira hesita, mas tudo é um fascinante jogo de aparentes enganos no "Falar Verdade a Mentir". O episódio do Milord Coockimbroock, representado por José Félix, é hilariante. E apesar de caricatura, é convincente. E quando a mentira parece estar para ser desmascarada, tudo se revela como se fosse verdade transparente, apesar de um discurso macarrónico supostamente em inglês. Mas não é preciso apurar muito, Coockimbroock parece convincente e ninguém sabe muito.
E Joaquina revela a chave do enigma. Tudo está montado para que Duarte não possa mentir, mesmo querendo. «Pobre rapaz! ficou como pateta! Se ele não está acostumado a isto. Condenado a falar verdade vinte e quatro horas a fio!... Também olhe que nos dá um trabalho! porque mente com um desembaraço e sem a menor consideração... Já se tinha esquecido da peta do almoço. Felizmente que nós estamos prevenidos, e graças ao bolsinho de minha ama e à vizinhança do Manuel Espanhol, em poucos minutos se fez da peta verdade... E José Félix! Não verão o meco sentado à mesa com meus amos como se fosse gente, o pedaço de lacaio!... Mas deixem estar que o tratante tem um ar, sabe tomar uns modos, que quem o não conhecer!... Em que ele se deita a perder decerto, é que aquilo é um comilão... O que lhe vale é fazer de inglês... não se repara. – Agora que mais falta? Vejamos. A tal visita de agradecimento ao general Lemos: essa não se pode evitar. Só se... É verdade; o general Lemos que venha cá... como têm vindo os outros. Vou avisar José Félix que se avie de almoçar e nos represente mais esse figurão. Não lhe há de custar muito... é seu amo. – Ai! que é isto, que quer este senhor?». E tudo se encaminha para o desejo de todos, contra as inadvertências do Duarte Guedes, o que leva o General a afirmar: «Não há dúvida, Senhor Brás Ferreira; é preciso consentir neste casamento. Já não tem mentiras de que o acusar». Joaquina e José Félix ufanam-se e apresentam uma eficácia de cem por cento. E Duarte reconhece a lição severa e benfazeja: «Protesto-lhe que hoje foi o último dia da minha vida que me deixei cair neste maldito vício... E nem eu sei como foi; queria-me defender... vinham umas atrás das outras... por fim... não sei... Mas acabou-se: não torno mais a mentir; custa muito, dá muito trabalho. Vi-me em ânsias! Juro que me hei de emendar... já estou emendado. – José Félix, nunca me hei de esquecer da lição que me deste, e prometo pagar-ta. – Deveras? Dando-lhe uma bolsa – E eu pago-ta já. – Melhor ainda. (apalpando a bolsa) Isto sim que são verdades puras... e não deixam mentir ninguém».
Nesta constante evocação histórica da dramaturgia portuguesa, será hoje oportuno referir a obra de Francisco Rodrigues Lobo, nascido em 1580 e falecido em 1622, o que de certo modo justifica esta citação tendo, entretanto, em vista a relevância e qualidade da sua aliás breve intervenção criacional no teatro.
São poucas peças, como veremos a seguir, mas são em si mesmas assinaláveis na qualidade. Merece, pois, esta referência, breve que seja, como aliás é breve e curta a sua produção teatral. Mas mesmo assim, a citação é adequada pois a verdade é que, numa obra breve como a que aqui hoje referimos, a qualidade acaba por se destacar… E no entanto, insista-se, a dramaturgia de Francisco Rodrigues Lobo deve ser evocada. E isto, não obstante a escassez de títulos por ele criados e ainda a circunstancia, aliás muito própria da época da influência marcante da cultura castelhana, mais significa neste caso específico, independentemente da dimensão reduzida da obra teatral em si.
Pois importa então ter presente que o teatro de Francisco Rodrigues Lobo merece referência, independentemente da expansão reduzida e da própria qualidade das peças em si e, no entanto, desde logo se diga que essas peças são poucas.
Em rigor chegaram até nós escassas peças de Francisco Rodrigues Lobo, ainda por cima adaptadas ou reescritas. E mais: por razões históricas, o recurso ao idioma castelhano era corrente.
Rodrigues Lobo é autor, designadamente, de uma peça em castelhano, o “Auto del Nascimento de Cristo y Edito del Emperador Augusto César” publicado em 1676. No mesmo ano, publica também uma peça escrita em português: “Entremez do Poeta”. E é de assinalar então que esta peça, retintamente gongórica, assinala curiosamente uma espécie de reação ao domínio cultural (e não só) castelhano.
E tal como escrevi na “História do Teatro Português”, é de assinalar que, não obstante a qualidade dos textos, na peça redigida em português é certa a troça bem vicentina do poeta, o qual, expressamente gongórico, revela um sentido de reação ao domínio cultural e político espanhol. E nesse aspeto, assinala-se então a referência feita por Luiz Francisco Rebello ao chamado Pátio do Borratem ou da Mouraria.
Esclarece que é “aquele de que há mais remota notícia, pois que já funcionava em 1588, ano em que Filipe II conferiu ao Hospital de Todos os Santos o privilégio de concessão de licença prévia para representação de comédias mediante a recolha de uma parte das respetivas receitas. Assim se procurava atenuar os «malefícios» que de tais representações advinham para as almas cristãs”.
E cita a iniciativa de Fernão Dias de Latorre, que criou o então relevante Pátio das Arcas!
Merece referência a obra dramatúrgica de Augusto de Castro, e isto independentemente da sua vasta e relevante carreira e atuação como escritor, político e jornalista, assinalando-se especificamente os anos em que dirigiu o Diário de Notícias.
Os 50 anos da sua morte justificam, pois, evocação, ainda que seja hoje muito menos citado como dramaturgo.
E, no entanto, a sua obra dramática merece ser analisada: isto, independentemente da relevância da sua larga e significativa carreira como escritor, como dirigente de órgãos sociais e de imprensa e como interveniente em tantas e tão variadas áreas de criatividade e de intervenção…
Importa, pois, designadamente, evocar a dimensão relevante da sua dramaturgia, e isso a partir do reconhecimento da coerência epocal no que respeita ao teatro criado e praticado na época. Trata-se efetivamente de um estilo realista-naturalista dominante na época em que as peças foram escritas. E é então de assinalar designadamente a coerência criacional e epocal dessa vasta obra dramática, que envolve para cima de uma dezena de títulos.
E importa então insistir na coerência estilística dessa obra vasta e variada, que se inicia com uma intervenção académica produzida em 1902 com a revista de estudantes intitulada “Até que Enfim!” escrita em coautoria com João Lúcio para um espetáculo académico.
E vale a pena aqui referir o conjunto vasto e algo variado da dramaturgia criada por Augusto de Castro. No seu conjunto temos pois pelo menos 9 títulos, em que destacamos peças que na época marcaram o teatro e ainda hoje merecem evocação. E esclareça-se que pelo menos duas peças desapareceram na época: salienta-se então, nesse aspeto, a revista académica “Até que Enfim!” escrita em 1902 com João Lúcio.
E é ainda de referir que há títulos de peças que não foram publicadas, mas que merecem evocação global pelo significado da ligação vasta e variada de Augusto de Castro à produção teatral…
Em qualquer caso, evoca-se hoje aqui o conjunto vasto e variado da dramaturgia produzida por Augusto de Castro. Na “História do Teatro Português” referimos e analisamos especificamente e com desenvolvimento adequado um conjunto de títulos, para além da revista acima citada.
Temos então “Até que Enfim”, “Caminho Perdido”, “Chá das Cinco”, “Amor à Antiga”, “Vertigem”, “As Nossas Amantes”, “A Culpa”, “As Mulheres e as Cidades”, entre outras peças.
E este conjunto, aliás suscetível de acrescentos, marca a produção do autor, mas também, insiste-se, a ligação ao teatro em cena, num ambiente que viria a ser reduzido…
E é então de assinalar novamente o sentido cénico que este teatro comporta e envolve.
Retomamos a análise do teatro de Jorge de Sena, no centenário do seu nascimento, tal como assinalei no artigo anterior, citando hoje a análise que efetuei na “História do Teatro Português” sobretudo acerca da complementaridade e continuidade entre o surrealismo e o classicismo da sua criação dramática.
E isto porque como já tenho aliás referido também em estudos diversos sobre o conjunto da obra teatral de Jorge de Sena, com eventual exceção do iniciático ato algo prematuro intitulado “Luto” (1938), nos 18 anos do autor, e na sequência desta iniciação aliás interessante, o que encontramos, na vasta dramaturgia de Sena, é uma modernização estética e linguística no conjunto vasto de peças que oportunamente analisámos no artigo anterior.
Merece pois desenvolvimento a referência à renovação que a obra dramática de Jorge de Sena, hoje de certo modo como tal esquecida, trouxe para o teatro português. E é novamente de assinalar o envolvimento percursor que já foi referido na sua ligação a certas expressões dramáticas de surrealismo e modernismo em geral.
Nesse aspeto, assinala-se a colaboração modernizante no movimento denominado Os Companheiros do Pátio das Comédias, no Teatro Experimental do Porto, e talvez mais do que isso, na adaptação/dramatização para o Rádio Clube Português de 13 romances policiais emitidos em 1948 num programa dirigido por António Pedro.
Cita-se o estudo de Eugénia Vasques precisamente intitulado “Jorge de Sena – Uma Ideia de Teatro” (Edições Cosmos – 1988), onde se qualifica, e bem, “O Indesejado (António Rei)” como “um dos casos mais magistrais de individualidade criativa no quadro do teatro, anterior à introdução das coordenadas do teatro épico em Portugal”.
Esta referência é relevante pois documenta uma expressão modernizante e percursora da estética de criação teatral, atribuindo-a com justiça a um autor injustamente algo esquecido como dramaturgo.
E mais ainda: que marcou o teatro português tanto como autor, como inovador e produtor de espetáculos. O que muito o singulariza, e torna ainda mais injusto o relativo esquecimento que marca a sua intervenção no teatro.
E como bem vimos, se na intervenção de espetáculos a sua obra é menos marcante, a sua dramaturgia é de excelente qualidade/modernidade. Pois, como já referi, representa a mais completa continuidade entre classicismo e modernização, designadamente no surrealismo de muitos das peças.
Merece por isso maior destaque. Mas, como infelizmente acontece no teatro português, Jorge de Sena está algo esquecido como dramaturgo...!
Aqui se invoca a criação e produção dramática de Jorge de Sena, no centenário do seu nascimento, referido numa vasta série de artigo de diversos estudiosos, publicados no jornal Público. E desde já se recorda que Sena, nascido em 1917, faleceu em 1978, decorridos então exatos 40 anos.
Foi, pois, uma morte prematura. Mas, prematura também foi a primeira criação dramatúrgica, chamemos-lhe assim, de Sena, a peça, “Luto”, escrita em 1938 numa linha realista-naturalista, tal como tivemos já ensejo de referir.
Assinale-se que Sena tinha então 18 anos e que na época o teatro português nem sempre marcava pela inovação: daí que tenhamos já sublinhado nesta peça uma “toada realista – naturalista” que de facto destaca-se no conjunto da obra dramática do autor.
Eugénia Vasques, num livro dedicado a Jorge de Sena, assinala uma série de projetos teatrais não concretizados ou pelo menos não publicados. Cita alguns títulos: “Luto”, “Origem”, “O Arcanjo e as Abóboras”, “Bazajeto e a Revolução”, “A Demolição”... em qualquer caso, assinala-se o notável estudo dedicado ao autor e à sua vasta obra. (Eugénia Vasques, “Jorge de Sena: Uma ideia de Teatro”, ed. Babel 2015).
No que me diz respeito, dediquei ao teatro de Jorge de Sena uma referência desenvolvida na “História do Teatro Português” publicada em 2001 (ed Verbo): na altura própria retomarei a análise então efetuada. Mas entretanto, vejamos outras referencias e análises.
Assim, como adiante se desenvolve, Luiz Francisco Rebello destaca certa influência do surrealismo subjacente à dramaturgia de Jorge de Sena. De certo modo, a linguagem implica como que uma modernização da expressão dramática, dentro dos condicionantes do próprio temário, por um lado, e da estética coerente com a expressão literária do autor, aqui obviamente condicionada pelo potencial cénico subjacente.
Nesse sentido, Luiz Francisco Rebello em “O Jogo dos Homens” (ed. Ática 1971) refere concretamente que o teatro de Jorge de Sena assume expressões que, citamos, “direta ou indiretamente se reconduzem à estética e à ética do surrealismo”. E mais acrescenta, agora em “O Teatro Simbolista e Modernista” (ed. ICP 1979), que esse grupo efetivou transição/modernização, pelo espetáculo, de obras e autores que, na potencialidade dos textos e na efetivação das encenações, marcaram uma à época bem significativa renovação do teatro em Portugal.
Não por acaso, o conjunto do teatro de Sena, se em certos títulos efetivamente reflete estéticas e expressões dramatúrgicas marcadas por certas opções, no seu conjunto e na coerência expressa ou implícita, assume uma constante de modernidade e inovação que marca dessa forma o teatro português.
Refira-se o conjunto dessa dramaturgia, tal como dela há noticia:
“Luto” (1938), “O Indesejado-António Rei” (1945), “Amparo de Mãe” (1948), “Ulisseia Adúltera” (1948), “A Morte do Papa” (1964), “O Império do Oriente” (1964), “O Banquete de Dionísios” (1969), “Epimeteu ou o Homem que Pensava Depois” (1971).
Retomaremos o tema sobretudo a partir da reanálise desta dramaturgia, que já desenvolvemos na “História do Teatro Português”.
Aí referiremos então as colaborações dramatúrgicas de Jorge de Sena na rádio, no Teatro Experimental do Porto e nos então denominados Companheiros do Pátio das Comédias.
E nesse sentido, retomaremos a análise abrangente do teatro de Jorge de Sena no ponto de vista da sua própria criação.