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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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O TIVOLI E OUTROS TEATROS E ESPETÁCULOS DE RAUL LINO

  


Já aqui referimos e analisámos o Teatro e Cinema Tivoli numa dupla perspetiva de edifício construído para cineteatro e sala de concertos, mas também no ponto de vista estético e da coerência artística, técnica e doutrinário de Raul Lino, autor do projeto e gestor artístico do Teatro, de 1924 a 1931. Evocamos o próprio arquiteto, num texto coligido por Diogo Lino Pimentel e publicado no passado num volume evocativo da Exposição Retrospetiva da Fundação Calouste Gulbenkian (outubro/novembro de 1970).


Escreveu então Raul Lino, a propósito do Tivoli:


“Levou mais de quatro anos a construir (…) era grande a vontade de fazer alguma coisa de original na decoração interna e cheguei a propor uma decoração que principalmente consistia em grandes ramalhetes de cerâmica policromada de estilo moderno e cores muito vivas (…) mas não consegui convencer o meu bom amigo (Frederico Lima Mayer): no entanto este pediu-me que me quisesse incumbir de organizar os seus programas, o que fiz durante sete anos” (cfr. “Tivoli - Memórias da Avenida”, coordenação de Duarte de Lima Mayer e João Monteiro Rodrigues, ed. Building Ideas, CM e Arquivo Municipal de Lisboa e Centro Nacional de Cultura - 2016).


E no texto aqui publicado referi a valência cultural do Tivoli como cinema, como teatro e como sala de concertos e de ópera, e isto, desde as chamadas Terças-Feiras Clássicas, às sucessivas temporadas de espetáculo teatral e musical, que aliás marcaram uma modernidade absolutamente notável em épocas sucessivas.


E basta lembrar que no Tivoli, em 1925, António Ferro lançou a companhia denominada Teatro Novo, efetivamente a primeira iniciativa experimental da história moderna do teatro português.


Ora, é caso para dizer, no respeitante ao teatro português, o Tivoli marcou uma coerência de modernização, em décadas sucessivas. Vocacionado para a apresentação de espetáculos vindos do exterior torna-se no entanto relevante evocar iniciativas de verdadeira renovação de companhias portuguesas; citamos então o Teatro Experimental de Cascais dirigido por Carlos Avilez, o Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra dirigido por Paulo Quintela, ou o Grupo 4 e mais espetáculos que acertavam este registo de modernização/renovação.


Isto, no que se refere a artistas portugueses. Porque, no que respeita a temporadas ou espetáculos vindos de outros meios, pelo palco do Tivoli passaram a Royal Shakespeare Festival Company com Barbara Jeford e Ralph Richardson, ou o Pirakon Theatron de Atenas, este em cooperação com a Fundação Calouste Gulbenkian.


E ainda as chamadas Galas Karsenty-Herber e outras companhias vindas de França, que levaram à cena peças de Montherlant, Peter Brook, Anouilh, Noel Simon, Ariano Suassuna ou Abélio Pereira de Almeida.  


E no que se refere à música? Aí, evocamos concertos em que se apresentaram “ao vivo” artistas com a qualidade e projeção de Stravinsky, Rubinstein, Menuhin, Kempff, ou dos portugueses Viana da Mota, Freitas Branco, Ivo Cruz, Silva Pereira, Frederico de Freitas, Álvaro Cassuto, Tânia Achot e também tantos mais.


No catálogo da Exposição acima referido, enumeram-se os principais espetáculos ou textos dramáticos e bailados em que Raul Lino colaborou como cenógrafo, sendo certo que algumas delas não chegaram a estrear: "Rosas Bravas" de Afonso Lopes Vieira, "Auto de Mofina Mendes", "Fausto" de Júlio Dantas, João de Barros e Manuel Sousa Pinto, "Bailado do Encantamento" de Rui Coelho com coreografia de Almada, "Salomé" de Oscar Wilde, "Milagre" de Veva de Lima, "O Fidalgo Aprendiz", "Orfeu" de Monteverdi, "Pastoral" de Ivo Cruz e Margarida de Abreu - isto quanto a cenários projetados ou executados e para além de largas dezenas de figurinos desenhados para estes e outros espetáculos de ópera e bailado, segundo o Catálogo da Exposição acima referido.


E ainda acrescentamos que Raul Lino é autor do projeto do Cineteatro Curvo Semedo de Montemor-o-Novo e de elementos decorativos do Cinema Palácio de Lisboa. Mas esses serão referidos noutra ocasião.

 

DUARTE IVO CRUZ

Obs: Reposição de texto publicado em 02.09.17 neste blogue.

TEATROS HISTÓRICOS NO BRASIL

  


Nesta sucessão de evocações e descrições de teatros atuais e teatros históricos de tradição cultural e arquitetónica, recorremos em primeiro lugar a um livro de Luis Norton, editado em 1936, sobre “A Corte de Portugal no Brasil”, assim mesmo denominado.


Trata-se efetivamente de um denso e vasto estudo histórico, amplamente fundamentado em numerosos documentos inéditos, designadamente do Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, aí incluindo ou complementando-o com vasta correspondência diplomática relativa às negociações do casamento da Arquiduquesa Dona Leopoldina com D. Pedro de Bragança, como bem sabemos futuro Imperador do Brasil e Rei de Portugal.


Para além do interesse histórico-diplomático em si, o estudo evoca e descreve a realidade cultural do Rio de Janeiro na época, vista tanto no ponto de vista de criatividade, como de atividades diversas e ainda pelo património subjacente. E é extremamente interessante, na perspetiva cultural e de infraestrutura, a referência vasta e devidamente documentada aos teatros e espetáculos, bem como da vida da corte e da cidade.


E mais: quando a Família Real ainda se encontrava no Palácio denominado Real Quinta da Boa Vista, o próprio D. Pedro cantou uma área de ópera, dirigido por Marcos Portugal, a quem se deveu a revisão de musica original ali executada para a Corte. Sobre Marcos Portugal esclarece Luis Norton que “o Rei e toda a Família Real apadrinharam o novo maestro que passara a ser um elemento indispensável na orquestração musical da nova Corte brasileira” (pág. 93).


E mais acrescenta que D. Pedro foi ele próprio compositor de mérito, com obras que se destacaram na época e ainda hoje se destacam: cita designadamente “o Te Deum que foi composto para as suas segundas núpcias, uma ópera em português executada em 1832 no Teatro Italiano de Paris, uma sinfonia para grande orquestra, as músicas para o hino constitucional português e para o hino da independência brasileira” (pág. 95).  


No que respeita a teatros-espaços/edifícios, temos no livro de Luís Norton a descrição detalhada dos festejos da aclamação de D. João VI como Rei de Portugal, ocorridos na Corte então sediada no Palácio do Rio de Janeiro, em fevereiro de 1819. E nesse contexto, o autor refere o Real Teatro do Rio de Janeiro, citando e descrevendo um “painel monumental”, em que figurava a Rainha D. Carlota Joaquina.


E transcreve um curioso documento da época, que se refere a D. Carlota Joaquina “com dois génios coroando-a de louro e sustentando outras tantas coroas de louro, quantas são as Augustas Princesas com que Sua Majestade tem esmaltado o Trono português e que fazem hoje as delícias de duas nações poderosas”, assim mesmo! (pág. 79).


A bibliografia sobre este tema é vastíssima.


Acrescente-se ainda que J. Galante de Sousa refere a existência de mais seis teatros no Rio de Janeiro e mais 11 espalhados pelo imenso território brasileiro, isto ao longo da primeira metade do século XIX. (cfr. “O Teatro no Brasil” ed. Ministério da Educação e Cultura” Rio de Janeiro 1960).


E finalmente, remete-se para o vasto estudo sobre a “História do Teatro Brasileiro”, dirigido por João Roberto Faria, e que precisamente assinala e descreve uma vasta atividade de teatro e de teatros, nesta época, e ao longo da vastíssima extensão do Brasil! (ed. SESCSP e Perspetiva - São Paulo 2012).


E muito mais haveria a dizer sobre este tema!

 

DUARTE IVO CRUZ

 

Obs: Reposição de texto publicado em 22.09.18 neste blogue.

EVOCAÇÃO DO TEATRO DE JOSÉ RÉGIO

  


A sua obra dramatúrgica, hoje de certo modo esquecida, envolve uma intervenção notável na cultura teatral da época, isto, note-se bem, no âmbito e ao nível da criação dramática. E será relevante reconhecer que a iniciação dramatúrgica de Régio remonta a 1930, com a publicação, na revista Presença, de uma primeira versão do "Jacob e o Anjo”, primeira peça conhecida do autor.


Saliente-se entretanto que em 1930 publicou cenas que viriam a ser introduzidas na peça iniciática do autor, “Jacob e o Anjo”. Mas importa ter presente que Régio inicia-se como dramaturgo público, digamos assim, a partir de 1934, com a publicação, na revista Presença, de uma versão do “Jacob” a que chamou desde logo precisamente “Jacob e o Anjo, História do Rei e do Bobo escrita em seis diálogos aumentados dum Monólogo do Rei e de uma Epílogo”. A versão definitiva desta peça iniciática data de 1937, e em 1941 é republicada na Revista de Portugal.


Segue-se um conjunto de peças que efetivamente marcam a dimensão cénico-poética do teatro de José Régio. E tenha-se presente que o conjunto dramatúrgico é relevante. Em 1934 assinala-se a publicação da peça “Três Máscaras”. Em 1935 escreveu e em 1937 é republicado o “Jacob” em versão definitiva.


E a partir daí, o teatro de José Régio surge espaçado mas sempre muito relevante. E digamos que variado no que respeita a épocas e conflitos dramatizados. E a heterogeneidade de temas e ambientes cénicos é “compensada”, digamos assim, pela qualidade relevante de sucessivas abordagens criativas da arte teatral.


Assim, em 1947 é publicada a “Benilde ou a Virgem-Mãe”. Dois anos depois, é publicado “El-Rei Sebastião”. Em 1954 é publicado “A Salvação do Mundo”, em 1957 “O Meu Caso” e “Mário ou Eu- Próprio-O Outro”. Assinalam-se ainda designações que não foram concretizadas: “O Santo à Força”, “O Judeu Errante”, “Sonho de uma Véspera de Exame” (1935) publicado em 1989 e uma incompleta peça iniciada em 1940 e não completada, denominada “Sou um Homem Moral”. E é de referir que o “Jacob” foi representado em Paris.


Ora bem: interessa-nos referir citações e opiniões expressas acerca desta dramaturgia de José Régio, expressas pelo próprio. Porque, para alem de notabilíssimo dramaturgo, Régio marcou também a cultura portuguesa através de estudos que, no respeitante ao teatro, marcam a sua obra e a sua opinião divulgada e devidamente analisada.


E nesse aspeto, a obra de José Régio assume uma relevância que deve ser analisada na sua própria extensão e diversificação. E isto, porque há que relacionar a expressão teatral com outras criatividades que Régio aplicou na sua vasta obra criacional. E nesse aspeto, não será possível, note-se bem, esgotar a extraordinária vastidão e profundidade da sua vasta e variada, mas coerente criação poética e literária.


E nesse aspeto, só haverá referências necessariamente reduzidas no contexto da obra exemplar de José Régio. E mais: na vastidão e heterogeneidade da sua obra criacional, sempre coerente e sempre notável, só haverá que selecionar algumas citações exemplificativas da sua vasta obra e da sua vastíssima concecionalidade.


Assim, escreveu José Régio no texto que denominou “Vista sobre o Teatro”, publicado no notabilíssimo estudo denominado “Três Ensaios sobre Arte”:

“Fantasiemos um momento: a admitirmos a trindade autor dramático, ator e encenador – três pessoas distintas e uma só verdadeira - diríamos que a essa tal única verdadeira caberia a autoridade do espetáculo teatral. Não passando isto da fantasia, que visa a lucidamente sugerir o nosso sentimento levado ao extremo, regressemos à realidade: esse pensamento teatral, de que se tenta uma realização no palco, essa ideia central, ou teia coletiva realizadora; essa intenção profunda em foco, esse, unitário que sustente o espetáculo – não é ilusoriamente que desde sempre os atribui o bom senso comum ao autor dramático criador do texto”.

DUARTE IVO CRUZ   

EVOCAÇÃO DE JOÃO PEDRO DE ANDRADE

  


Já temos muitas vezes referido, mas não aqui, a dramaturgia de João Pedro de Andrade (1902-1974), composta por cerca de uma dezena de textos que na época, e de certo modo ainda hoje, marcaram e marcam a dramaturgia portuguesa: e isto, tendo em vista a qualidade e extensão da sua criatividade teatral, cativa e relevante do teatro, num conjunto de cerca de 11 títulos, hoje relativamente esquecidos na análise teatral, mas significativos de uma modernização dramatúrgica.


Há que ter presente a evocação que, na época, José Régio, na revista Presença, lhe dedicou: sendo certo que a sua vasta dramaturgia, hoje notável pela qualidade, era mais ou menos ignorada: mas a releitura das suas peças principais conferem uma importância que a qualidade em si mesma justifica.


E no entanto, pode afirmar-se que o vasto teatro de João Pedro de Andrade, hoje realmente esquecido, justificará esta evocação, decorridos 120 anos do seu nascimento e 47 anos da sua morte.


E vale a pena realçar a dimensão e a qualidade da sua dramaturgia, sem pretender excluir investigação posterior, há que reconhecer entretanto que o teatro de João Pedro de Andrade, hoje de certo modo esquecido, merece e exige uma análise que a sua qualidade torna claramente exigível. E isto, não obstante a época criacional e a limitação à análise completa e complexa deste teatro!


Realce-se que esta dramaturgia é vasta: cerca de 17 peças relevantes, que aliás podem e devem ser evocadas numa perspetiva de continuidade, num conjunto de ato vasto de criatividade dramática, hoje algo esquecida mas que pode e deve ser ainda desenvolvida. E no entanto, as peças em si mesmas justificam evocação, pela qualidade da escrita mas também pela relevância no contexto do teatro da época e, pelo menos em muitas peças, no teatro contemporâneo…


E tenha-se presente que é admissível a existência de mais peças do autor, para além de numerosos textos que entretanto nos deixou.


Evocamos agora uma certa relevância alcançada pela dramaturgia de João Pedro de Andrade. E a esse propósito, é adequado ter presente (mas não agora…) que o teatro de João Pedro de Andrade justificará, pela extensão mas sobretudo pela qualidade, uma análise que em si mesma se justificará.


É certo que a sua obra hoje está pelo menos algo esquecida… E no entanto, merece evocação!...


Mas a sua qualidade, hoje indiscutível, atravessou períodos de muito menor memorização. José Régio, por exemplo, referiu-o na Presença como, e citamos, “um autor quase completamente desconhecido como dramaturgo”, nada menos!...


E importará ainda referir, como fiz na “História do Teatro Português”, que aqui tenho citado, a vastidão e heterogeneidade da dramaturgia de João Pedro de Andrade. E desde logo referir que é autor de pelo menos 25 peças, aí incluindo as que até hoje não beneficiaram nem de publicação, nem de representação!


Ora devemos então recordar que, tal como escrevemos na “História do Teatro Português”, o teatro de João Pedro de Andrade acusa certa irregularidade estilística que, para além do reflexo em cada obra, prejudica algo mas não destrói o conjunto dramatúrgico.  E citamos designadamente peças como “Transviados”, “Continuação da Comédia”, “O Diabo e o Frade”, “Uma Só Vez na Vida”, “A Inimiga dos Homens”, “Cegos”, “O Saudoso Extinto”, “Quatro Ventos”, “Maré Alta”…


E transcrevemos, para terminar o artigo, o que analisamos na “Continuação da Comédia”, qualificada como a melhor peça de João Pedro de Andrade. Cito então o que escrevi na “História do Teatro Português”: é a melhor e a mais importante peça do autor. Melhor porque introduz a lição de Pirandello no teatro português. Trata-se da fábula de um autor à procura e em conflito com os seus personagens: e tal conflito, rebelião das figuras criadas contra seu criador, é pano de fundo para um claríssimo combate bem-mal entre o personagem e a sua comparsa Elina, num desdobramento de planos aglutinadores desta dramaturgia paradoxal e muito interessante.


Assim mesmo!...

 

DUARTE IVO CRUZ

OUTRA EVOCAÇÃO: O ESPETÁCULO DOS 100 ANOS DO TEATRO BERNARDIM RIBEIRO DE ESTREMOZ

  

 

Vale a pena evocar aqui os 100 anos de estreia do Teatro Bernardim Ribeiro de Estremoz, ao qual já temos feito referências, mas que merece uma curta alusão neste ano em que se pode celebrar um século exato de reinauguração: pois a estreia ocorreu em 22 de julho de 1922. Efetivamente, nesse dia, sobe à cena um espetáculo característico da época, pela articulação de um conjunto relevante de fatores e de intervenções artísticas.


Pois de facto o Teatro dá o seu primeiro espetáculo naquela data, numa intervenção à época assinalável a cargo da Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, que já nesse ano se fazia assinalar como modelo e como referência marcante. E pode hoje recordar-se o conjunto de intervenções que marcaram essa estreia descentralizadora e culturalmente relevante.


Assinala-se aliás a relevância que na época assinalou a estreia da sala de espetáculos, decorrido que foi um século, mais dia, menos dia, dessa inauguração. E vale então a pena referir o movimento descentralizador da inauguração desde teatro e a importância também descentralizadora da atividade de Amélia e do grupo teatral que já nessa época, ou sobretudo nessa época era muito importante…


Pois esse espetáculo de estreia inaugurou-se com a apresentação vasta e variada da Companhia em si mesma. E se recordamos a complexidade do espetáculo em si, isso deve-se basicamente ao significado de descentralização cultural que no seu conjunto a programação impôs.


Mas, mais do que isso, a própria inauguração do teatro significou muito na época mas significa ainda hoje pela programação em si e também pela relevância que já nessa época assumia.


Repita-se: em primeiro lugar, pelo investimento e pela descentralização sociocultural da iniciativa, e isto tendo em vista designadamente a importância do espetáculo, o qual ainda comportou a leitura de poemas evocativos de Bernardim Ribeiro, isto, insista-se, repita-se, na inauguração de um teatro com o seu nome…  


E faz-se a propósito uma evocação cultural/teatral.


Com efeito, no espetáculo de inauguração do Teatro, Amélia Rey Colaço recitou um poema dedicado a Bernardim Ribeiro: e salienta-se que Bernardim não é dramaturgo mas em si mesmo, como personagem saliente da cultura portuguesa, merece amplas referências, quanto mais não seja pela sua criação literária.


E finalmente: há que salientar a descentralização cultural envolvida nesta evocação!... A ela voltaremos.

 

DUARTE IVO CRUZ

NOS 120 ANOS DE JOSÉ RÉGIO

  

 

Novamente retomamos a dramaturgia de José Régio, numa evocação dos 120 anos do seu nascimento, ocorrido em 1901. Morre em 1969 e não podemos hoje ignorar a relevância da criação e análise da sua obra dramatúrgica, no contexto de uma vastíssima e relevantíssima inovação, na época menos considerada mas hoje merecendo evocações específicas.


Tal como já amplamente analisámos, a dramaturgia de Régio merece destaque, não obstante a maior relevância, essa sempre evocada, de outras expressões criacionais que marcam hoje a literatura. E no entanto, o teatro de José Régio não pode nem deve ser esquecido. Em 1930 publicou na Presença uma versão parcial da sua considerada primeira peça, “Jacob e o Anjo”, que depois viria a considerar a sua primeira e definitiva criação teatral. Será oportuno insistir na dramaticidade da sua obra vasta e completa, não obstante, repete-se, a variedade, diversidade e qualidade criacional. E importa então outras intervenções criativas no teatro que não completou ou não evocou.


Mas citamos hoje novamente um longo texto doutrinário que Régio publicou em 1967 em “Três Ensaios Sobre Arte”, precisamente intitulado “Vista sobre o Teatro”.


Escreveu então José Régio:
“Fantasiemos um momento: a admitirmos a trindade autor dramático, ator e encenador – três pessoas distinta e uma só verdadeira – diríamos que a essa tal única verdadeira caberia a autoridade do espetáculo teatral. Não passando isto de fantasia, que visa a lucidamente sugerir o nosso sentimento levado a extremo, regressemos à realidade: esse pensamento teatral de que se tenta uma realização no palco, essa ideia central, ou teia de ideias, em redor da qual é preciso criar uma espécie de personalidade coletiva realizadora; essa intenção profunda, em foco, esse unitário que sustenta o espetáculo – não é ilusoriamente que desde sempre os atribui o bom senso comum ao autor dramático, criador do texto”.


E esta doutrina regiana merece destaque!...

 

DUARTE IVO CRUZ

CENTENÁRIO DE “A CASACA ENCARNADA”

 

Quem hoje se veste com uma casaca encarnada? Ou, por outras palavras, quem hoje iria escrever uma peça intitulada “A Casaca Encarnada”? Esperemos que ninguém o faça sem remeter ao século anterior, para citar designadamente “A Casaca Encarnada” de Vitoriano Braga, publicada em 1922, exatos 100 anos decorridos, o que justificará uma referência cronológica.


Mas neste caso, haverá outra razão marcante:  pois “A Casaca Encarnada” representa uma abordagem do teatro que, insiste-se, um século decorrido, reflete a situação social e psicológica da época, mas com rigorosa qualidade cénica e literária e com aspetos que sociologicamente também perduram.


Pois a verdade é que, independentemente da qualidade cénica, a peça em si mesma não perde atualidade. E mais: como já escrevi, consubstancia de certo modo um dos mais sólidos suportes desse teatro.


Independentemente de outras características, nela encontramos (como já escrevi e agora cito) a situação de um pianista fraudulento, que acaba num cabaret da época, vestido precisamente com uma casaca encarnada a ganhar a vida como pianista de jazz: E não obstante um século decorrido, a peça, tal como refiro na “História do Teatro Português” é perfeitamente fraudulenta no seu enredo. A falência fraudulenta do protagonista Evaristo Fernandes serve de contraponto as suas aspirações como pianista.


E como já escrevi, “A Casaca Encarnada” é o mais sólido suporte da obra teatral de Vitoriano Braga.


Comporta uma muito bem armada descrição do ambiente especulativo da economia e da sociedade portuguesa da época. E a densidade e veracidade psicológica adequam-se à ambientação. A promiscuidade da atividade económica concilia-se com o ambiente social e representam a Lisboa desse tempo…


É adequada pois esta breve evocação!...


DUARTE IVO CRUZ

EVOCAÇÃO DE VITORIANO BRAGA DRAMATURGO

  


Vale a pena evocar autores que souberam marcar com qualidade o teatro português, mesmo nos casos, e tantos são, em que a qualidade criativa das peças respetivas não impede uma hoje menor projeção das obras respetivas. É caso para dizer que a qualidade criacional subsiste mesmo quando os textos e os autores respetivos caíram no esquecimento:  e essa circunstância é mais habitual do que se espera no teatro português…


E precisamente, hoje evocamos um caso óbvio, patente mas de menor projeção na dramaturgia portuguesa do século XX. Referimo-nos a Vitoriano Braga (1888-1940) e ao conjunto de peças que nos deixou e que hoje estão esquecidas.


E no entanto, no contexto marcante do teatro português, merecem evocação e justificam a referência, mesmo admitindo, e novamente o fazemos, que esta dramaturgia estará algo esquecida: e no entanto, a qualidade respetiva merece sempre destaque.


Em qualquer caso, a dramaturgia de Vitoriano Braga constitui um conjunto relevante, quanto mais não seja pela coerência criacional respetiva. E de tal forma assim é, que criadores de qualidade, como designadamente Fernando Pessoa, não hesitaram em destacar algumas das peças que, no seu conjunto, marcam até hoje esta dramaturgia, hoje infelizmente algo esquecida…


Mais uma razão para o evocar!


Até porque o conjunto de peças é vasto e coerente. E de tal forma assim é, que a peça “Octávio” (1913) merece referência o mais possível elogiativa.  Antes dela, Vitoriano Braga escrevera “A Bi”, (1908) com João Vasconcelos e Sá. E a seguir criaria mais textos dramatúrgicos.


Já escrevemos: muitos deles esquecidos, é certo, mas nem por isso menos relevantes. Citamos designadamente, alem do “Octávio” (1912/1913), “Extremo Recurso” (1914), “O Salon de Madame Xavier” (1918), “O Conselho da Noite” (1922), “A Casaca Encarnada” (1922), “Inimigos” (1925), “Entre as Cinco e as Oito” (1927) e “Lua de Mel” (1927).


Trata-se pois de um conjunto relevante de criação dramatúrgica que merece referências elogiativas. É caso para dizer aliás que este vasto conjunto de peças merece em si mesmo destaque!


E acrescentamos uma referência ao teatro de Vitoriano Braga que desenvolvi na “História do Teatro Português” (ed. Verbo 2001).


Escrevi efetivamente que quando comparamos a obra de Vitoriano Braga com aquilo que o autor sonhou e planeou, e ainda com o que dele se poderia esperar, ficamos com uma sensação de valor inacabado ou de potencial não concretizado. E mesmo assim, estamos perante uma tábua dramatúrgica considerável e em certos momentos extremamente interessante.


Fernando Pessoa não poupa elogios a “Otavio” talvez sensibilizado pelo teor pró-simbolista e decadentista da peça. Em qualquer caso não hesitou, recorde-se, em a considerar notável … E assim é!

 

DUARTE IVO CRUZ

DOIS TEATROS EM MONÇÃO

  

 

Já aqui invoquei o chamado Teatrinho do Palácio da Brejoeira, em Monção: destacando a sala de teatro que valorizou o, já em si mesmo notável Palácio. Recordei então a relevância deste acrescento dedicado às artes do espetáculo, o que, na altura o referi, não é muito habitual, no histórico da arquitetura e da sociedade portuguesa.


Recordei também que começou a ser construído em 1806 e dado como concluído em 1834 segundo projeto inicial de um arquiteto com projeção na época, de seu nome Carlos Amarante. E referi que se processou como que uma conciliação estilística do tardo-barroco comum na época com uma expressão romântica, valorizada no jardim e nas evocações históricas que em conjunto, desde o lago a uma torre gótica e ao recurso ao estilo inglês.


Evoquei nesse texto a intervenção de Ventura Terra, a quem se deve o Teatrinho, mas também não poucos teatros (e não teatrinhos...) por esse país fora: deste logo o Teatro de Esposende, o Salão Nobre do Teatro de São Carlos, o Teatro e Cinema Politeama, que é referido com encómios por José Augusto França, que aliás ao Arquiteto dedica extenso estudo:


“O Politeama, em Lisboa, construído em 1912-13, com o seu amplo espaço interior e a fantasia decorativa do janelão do 1º andar foi a melhor obra do género neste período, bem inscrita dos trabalhos de Ventura Terra” (cfr. “A Arte em Portugal no Século XIX” volume II 1966 pág.78).


E José Augusto França refere também o Palácio de Brejoeira com expressões de encómio: “o último grande solar fidalgo português (…) curiosa construção de carater híbrido” salientando “a importância do seu portal setecentista, a vastidão das suas fachadas em L, já viradas para Oitocentos”. Cita designadamente “o pequeno e elegante teatro” instalado em meados do século passado. (ob. cit. volume I pág. 182).


O Teatrinho, com cerca de 50 lugares em suave declive, além de mostrar os interesses culturais dos proprietários, revela uma harmonia e uma ambiência que se concilia com a funcionalidade do palco, não obstante as reduzidas dimensões da sala.”


Tudo isto foi escrito e aqui publicado na perspetiva do património de teatro e de espetáculo pelo país fora... E justamente, no que se refere ao Monção, é agora oportuno evocar o Cine-Teatro João Verde.


Trata-se agora de um exemplar característico da geração dos cineteatros de meados do século passado. Projetado pelo arquiteto José Esteves, foi construído e inaugurado em 1949, numa fase de atividade descentralizadora, digamos assim, das atividades de espetáculo por todo o país. Com uma lotação inicial de cerca de 300 lugares, marcou pela estrutura interna, aliás comum na época, mas aqui com indiscutível qualidade: e desde logo, pela fachada, que prefigura como uma torre, o que de certo modo concilia a modernidade com a tradição urbana regional.


E a sala propriamente dita segue também esse conceito de modernidade epocal com a capacidade de exploração, conciliando o moderno com o tradicional. O projeto é dominado por uma torre e comporta uma estrutura interna de plateia, balcão e até alguns camarotes.


Só que, no inicio dos anos 80, os proprietários resolvem demoli-lo. Valeu então a Câmara Municipal de Monção, que adquire o Cine-Teatro que em boa hora se mantém em atividade.


DUARTE IVO CRUZ

 

Obs: Reposição de texto publicado em 18.11.17 neste blogue.

OS 120 ANOS DO NASCIMENTO DE TOMAZ DE FIGUEIREDO

  

 

Vale a pena evocar aqui o teatro de Tomaz de Figueiredo nos 120 anos do seu nascimento, ocorrido em 1902. E assinalam-se também os 52 anos da morte, ocorrida em 1970.


Isto, sem perder a noção de que a sua criatividade teatral está algo esquecida, para não dizer mais: e no entanto, a obra dramatúrgica que nos deixou merece referências, hoje de facto ignoradas. E no entanto, a sua dramaturgia merece evocação, pela qualidade e pelo sentido de espetáculo inerente, numa época em que outros valores se impõem mas que não colidem, de modo nenhum, com a qualidade indiscutível desta dramaturgia…


Daí, esta evocação, e isto não obstante o teatro de Tomaz de Figueiredo estar hoje efetivamente de certo modo esquecido: mas a verdade é que a sua criatividade literária também o está…


E no entanto a sua dramaturgia deve ser devidamente assinalada, pois concentra sinais de qualidade merecedores de vasta evocação, que não tem sido efetuada.


Em suma: o teatro de Tomaz de Figueiredo merece referência pela qualidade cénica e sobretudo literária: mas uma coisa não evita a outra, usando uma expressão bem antiga… E vale a pena então insistir que a sua dramaturgia não tem sido devidamente apreciada, e isto não obstante o sentido de espetáculo que envolve.


Na minha “História do Teatro Português” dedico a este autor, hoje, insisto, como dramaturgo de certo modo esquecido, uma referência abrangente e elogiativa, não obstante algumas óbvias restrições que a dramaturgia de Tomaz de Figueiredo implica. No caso concreto, aponta-se sobretudo a truculência textual de peças como designadamente “Os Lírios Brancos”, “O Visitador Extraordinário”, “A Barba do Menino Jesus” ou “A Nobre Cauda”.


Essas peças, escrevi no livro citado, conciliam uma exuberância barroca com um lirismo por vezes dominante, mas sobretudo com uma visão de mitos sociais que efetivamente se aproxima do surrealismo no seu “non-sense”.


E acrescento agora que Luiz Francisco Rebello, na “História do Teatro Português” de que é autor, refere-se à peça “A Rapariga de Lorena” (1964) como exemplo da ligação criacional de escritores/dramaturgos que a certa altura se dedicaram à produção teatral.


O teatro criado em Portugal merece estudos e referências: mesmo quando os dramaturgos são ou estão esquecidos!...

 

DUARTE IVO CRUZ