Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Centro Nacional de Cultura, 1960 Isabel Ruth, Fernando Amado, Manuela de Freitas e Glória de Matos
ATORES, ENCENADORES (XVII) GLÓRIA DE MATOS NO TEATRO E NO CINEMA por Duarte Ivo Cruz
Já aqui tivemos oportunidade de recordar a deslocação ao Brasil do Grupo Fernando Pessoa - GPF. As celebrações do centenário do ORPHEU, e designadamente a realização, em Lisboa na semana finda e proximamente em São Paulo, do Congresso Internacional denominado precisamente “100 Orpheu”, iniciativa de centros de estudo e investigação do CLEPUL e do LEPEM da Faculdade de Letras de Lisboa, e também da Universidade de São Paulo, além de outras entidades luso-brasileiras, justificam retomar essa evocação, recordando designadamente a atriz Glória de Matos, elemento destacado do GFP, como já aqui se referiu.
Recorde-se então que Glória de Matos iniciou sua atividade profissional na Casa da Comédia, iniciativa de Fernando Amado que viria a dirigir, no âmbito do Centro Nacional de Cultura o Grupo Fernando Pessoa, o qual em 1962, como já vimos, levaria “O Marinheiro” ao Brasil. Essa “internacionalização” de Glória de Matos foi completada, digamos assim, com uma formação na Bristol Old Vic Theatre School e posteriormente, com atividade profissional e docente no Canadá.
Glória trabalhou com Raul Solnado e ingressou na Companhia do Teatro Nacional de D. Maria II, onde se manteve, com intermitências e com colaborações diversas, a partir de 1969. Destaco então, mas é um mero exemplo, o que escrevi na época acerca da interpretação de Glória de Matos em “Quem tem Medo de Virginia Woolf”, de Edward Albee, encenação de João Vieira, no Teatro Villaret, que valeu a Glória o prémio da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro, pela interpretação “espantosa na violência paroxística” numa peça que fez época pela “construção seguríssima no retratamento psicológico e veemente no acerado criticismo social”.
Importa salientar a atividade docente de Glória de Matos, pois ao longo da carreira teve como referencial relevante a permanência no Conservatório Nacional depois Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa. Destaco essa dimensão da carreira de Gloria de Matos porque não é tão habitual em profissionais que conciliaram a atividade de espetáculo com a atividade docente.
Glória foi professora durante décadas. A título pessoal, posso também recordar que coincidimos na docência, pois, em grande parte desse longo período, fui titular, no Conservatório/ESTCL da cadeira de História da Literatura Dramática e do Espetáculo Teatral. Glória era professora na área de cadeiras de Formação de Atores, como o foi também de Expressão Oral no Mestrado da Universidade Aberta. A complementaridade no plano teórico e prático do ensino foi sempre assumida.
E interessa ainda salientar a intervenção de Glória de Matos no cinema. A colaboração com Manoel de Oliveira marca uma época na cinematografia nacional, na perspetiva da interpretação adequada à exigência específica da filmografia de Oliveira, a qual, como bem se sabe, é exigente para os atores, como aliás o é para os espectadores.
No caso de Glória, refiram-se papéis determinantes em filmes como a “Benilde ou a Virgem-Mãe” a partir da peça de Régio, “Francisca”, “Canibais”, “Vale Abraão”, “O Quinto Império”, “Espelho Mágico”, ou “Singularidades de Uma Rapariga Loura”, evocativo de Eça de Queiroz. Todos esses filmes, para lá da especificidade no plano da realização, reportam, na dimensão de enredo e diálogo, para uma exigência de qualidade que se projeta obviamente nas interpretações.
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 01.04.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (XVI) JACINTO RAMOS E O TEATRO DO NOSSO TEMPO - TNT por Duarte Ivo Cruz
Já aqui fiz referência ao teatro Villaret, iniciativa de Raul Solnado que o dirigiu desde o espetáculo inicial em 1964, até 1968. Solnado realizou, como diretor e como ator, uma ação relevante no ponto de vista de repertório e sobretudo no ponto de vista de espetáculos e de elencos, com o devido destaque as suas próprias encenações e interpretações. Mas ao mesmo tempo, abriu o teatro a iniciativas diversas da maior qualidade e repercussão: citei já, no artigo anterior, o célebre ZIPZIP feito para a RTP.
Mas a partir de 1965, faz agora exatos 50 anos, o Teatro Villaret como que se desdobra e acolhe uma iniciativa especificamente dramática, com risco calculado e muito bem sucedido – o que é notável – de simultaneidade de espetáculos. A chamada Companhia do Teatro do Nosso Tempo – TNT (não confundir com o TNP - Teatro Nacional Popular de Francisco Ribeiro, anos antes no Trindade) fazia espetáculos no Villaret, em sessões de fim de tarde ou alternando com os espetáculos da companhia de Raul Solnado. O sistema era arriscado mas funcionou… o que se deve à qualidade dos repertórios e dos elencos de ambas as companhias.
O TNT era dirigido por Jacinto Ramos (1917-2004), o qual desde 1945 marcava posição como ator em grupos profissionais e experimentais, com destaque para a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, onde ingressa em 1950, numa colaboração intermitente mas de dezenas de anos. Esteve entretanto ligado a outras colaborações, mas destacando sempre uma qualidade e exigência de repertório e de interpretação que duraria até final da carreira.
Em centenas de peças e de autores, cite-se designadamente entre os dramaturgos portugueses, desde Gil Vicente a Garrett, Eça de Queiroz (adaptação de Os Mais por Bruno Carreiro no Teatro Nacional) mas também, designadamente, Raul Brandão, António Patrício, Alfredo Cortez, Júlio Dantas, Romeu Correia, Alves Redol, Luis Sttau Monteiro, Bernardo Santareno, José Cardoso Pires...
Acrescente-se a participação na televisão e em cerca de 10 filmes, com destaque para o Chaimite de Jorge Brum do Canto.
Ora bem: como vimos, em 1965, Jacinto Ramos cria e dirige, no Teatro Villaret, a companhia do Teatro do Nosso Tempo, com um elenco de grande qualidade e um repertório de atualidade.
E nesse aspeto, salienta-se o repertório contemporâneo, desde logo com peças iniciais da atividade da companhia: por exemplo O Segredo de Michael Redgrave a partir de um conto de Henry James, ou especialmente a Antígona de Annouilh, este um belíssimo espetáculo pela qualidade do texto e pela interpretação, com destaque para Maria Barroso na protagonista, no que viria a ser, cremos, o seu último grande papel como atriz.
Recordo o comentário que na altura escrevi acerca do espetáculo de estreia da companhia, com O Segredo: “é uma peça bem construída de desenvolvimento certo e que enquadra com a maior segurança o conteúdo denso, cheio de implicações. O ritmo lento marca com clareza a intemporalidade ambiental, a repetição genérica de movimentos, de vidas e de psicologias.” E a análise crítica prosseguia com referências específicas ao encenador Paulo Renato, que poderemos um dia evocar nesta série de artigos.
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 25.03.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (XV) O ATOR TASSO – O TEATRO TASSO E A ATIVIDADE TEATRAL DESCENTRALIZADA por Duarte Ivo Cruz
Faça-se aqui uma evocação do ator Tasso e do Teatro Tasso da Sertã, no centenário da inauguração da sala (1915) que hoje, reformada e adaptada a cine-teatro em 1953, e que se mantém em atividade, designadamente dando abrigo a grupos de amadores locais desde 1955: e esses exatos 60 anos decorridos justificam também, ou ainda mais, esta evocação.
Com mais um aspeto que deve ser lembrado: a inauguração do Teatro Tasso fez-se com a peça “O Deputado Independente” de Chagas Roquete e Álvaro Gil, autores relevantes na época, sobretudo o primeiro. E o primeiro espetáculo teatral do renovado e já então denominado Cine Teatro Tasso fez-se com “A Bisbilhoteira” de Eduardo Schwalbach autor também de grande projeção no seu tempo – e de certo modo ainda hoje.
Pedro Marçal Pereira recorda que «as primeiras representações (teatrais) decorreram na Sertã em dezembro de 1865, onde uma pequena companhia espanhola levava à cena “dramas e jocosas farsas” no celeiro da casa dos Mascarenhas. Já neste ano as récitas eram acompanhadas pela “philarmónica”» (in “O Teatro Numa Aldeia da Beira – Cernache do Bomjardim” 2015 pag.315) E a atividade teatral mantém-se com o apoio da Câmara (cfr. Rui Pedro Lopes “História da Sertã” ed. Câmara Municipal da Sertã – Prefácio de José Pedro Nunes, Presidente da CMS - 2014).
Temos pois na Sertã, curiosamente, neste ano de 2015, três comemorações assinaláveis no ponto de vista teatral – 1865, 1915, 1955.
Ora vale então a pena recordar a importância que, na época, teve o ator Joaquim José Tasso, designadamente na afirmação da obra de Garrett, na revelação da dramaturgia garretteana, mas também no impulso que o escritor daria à atividade e à renovação do espetáculo teatral.
E precisamente, encontramos o jovem Tasso, em 1838, com 18 anos, no então semi-arruinado Teatro da Rua dos Condes, que já aqui evocamos, a integrar o elenco da Companhia de Teatro Nacional e Normal dirigida por Emile Doux, onde estreou “Um Auto de Gil Vicente” de Garrett: o escritor esteve ligado a esta iniciativa, que se revelaria primordial na renovação do teatro-espetáculo português.
E em 1841, Tasso desempenhou ao papel de D. Nuno Álvares Pereira mo “Alfageme de Santarém” de Garrett.
Tasso passaria para o elenco de Teatro D. Maria II e inauguraria em 1967 o Teatro da Trindade. E manteve-se nessa empresa até à sua morte em 1870. Fez assim parte de uma geração muito marcante do teatro português, que reuniu nomes desde João Anastácio Rosa a Emilia das Neves, Carlota Talassi, Epifânio Gonçalves, Teodorico Cruz…
Estes nomes foram extremamente marcantes na época mas hoje já não nos dizem quase nada: é a consequência do carater efémero do espetáculo teatral. Mérito pois da evocação de atores em salas de espetáculo, como é o caso deste Teatro Tasso da Sertã. Iremos vendo mais alguns.
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 18.03.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (XIV) MARIA VITÓRIA, NOME DE TEATRO por Duarte Ivo Cruz
No texto que dedicamos aos teatros do Parque Mayer referimos como sala “inaugural” desta concentração urbana de edifícios e atividades de cultura e lazer, o Teatro Maria Vitória. Foi efetivamente o primeiro a ser construído, na fase inicial de urbanização do recinto, datada, no que respeita ao teatro, de 1922. Mas ressalte-se agora que esse primeiro Maria Vitória era pouco mais do que um recinto provisório.
Diz-nos Jorge Trigo e Luciano Reis que «este Teatro tem o nome da grande fadista e atriz Maria Vitória, morta aos 24 anos» em 1915. E acrescentam os dois autores que “o teatro era no seu início uma simples construção de madeira e sarapilheira quando abriu as suas portas ao publico a 1 de julho de 1922 (…) O seu primeiro espetáculo foi a revista “Lua Nova”, em dois atos e onze quadros, da autoria de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes, João Bastos e Henrique Roldão, os três primeiros formando a chamada Parceria, com música de Alves Coelho” (in “Parque Mayer” vol. 1- 2004 pag.37).
O Teatro Maria Vitória beneficiou de obras e deixou a curto prazo de ser o barracão inicial. Mas em 10 de maio de 1986 foi semi-destruído por um incêndio – e pode recordar-se que dois anos antes o Teatro Nacional de Dona Maria II sofreu o mesmo desastre… O teatro foi entretanto recuperado e reconstruído, tendo reaberto em 1 de março de 1990 com a revista intitulada “Vitória! Vitória!”, texto de Henrique Santana, Francisco Nicholson, Augusto Fraga e Nuno Nazareth Fernandes, música de João Vasconcelos, Fernando Correia Martins, Nuno Nazareth Fernandes e Fernando Ribeiro, encenação de Henrique Santana. Eram na altura empresários do teatro Helder Freire Costa e Vasco Morgado Junior.
O projeto de recuperação é da autoria do arquiteto Barros Gomes. E o teatro reflete, desde logo ao nível da fachada, com elementos arquitetónicos claramente diferenciadores. Um acréscimo discutível, dessa ou de outra época de reconstrução, prejudicou a fachada original.
Conservaram-se no interior algumas fotografias e placas evocativas, com destaque para Giuseppe Bastos e para o próprio Henrique Santana. Mas o teatro manteve, em boa hora, o nome o nome e a estrutura original da sala, em muito boas condições de restauro e funcionamento.
Vale a pena agora recordar quem foi Maria Vitória, inclusive pela insólita carreira que, em pouco anos, desenvolveu.
Desde logo, trata-se de uma fadista nascida em Espanha (1888) filha de pais espanhóis. Vem para Portugal quase recém-nascida. Surgirá integrada num dos elencos que, durante 10 anos, o que é extraordinário, manteve em cena a revista “O 31”, de Luis Galhardo, Pereira Coelho e Alberto Barbosa, com música de Tomás Del Negro e Alves Coelho, estreada em 1917. Luis Francisco Rebello cita críticas da época, que referem «a voz cavada e triste de Maria Vitória, ao entoar o célebre “Fado do 31 (…): “À porta da Brasileira/ dois bicos encontram dois./Ficam os quatro. E depois/lá começa a chinfrineira”»…
E em 1944, Estêvão Amarante lembrava os tempos «em que a princesa do fado não era a Amália Rodrigues. Era a Maria Vitória»! (cfr. Luis Francisco Rebello “História do Teatro de Revista em Portugal” - 1985)
Maria Vitória morre aos 27 anos (1915). Ficou o nome do teatro. E neste momento, é o único que funciona no Parque Mayer.
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 11.03.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (XIII) OS 60 ANOS DO TEATRO DE ARTE DE LISBOA por Duarte Ivo Cruz
O Teatro de Arte de Lisboa (TdAL), foi uma companhia que, em diversas temporadas, com irregularidade desde 1955-56 até ao início dos anos 70, levou ao Teatro da Trindade um repertório inovador e um elenco de primeira qualidade para o nosso meio artístico, sobretudo na época. Mas mais: desenvolveu uma ação coerente e relevante de atualização e reflexão da cultura teatral.
O TdAL foi fundado e dirigido por dois escritores e investigadores, Orlando Vitorino (1922-2003) e Azinhal Abelho (1911-1979), cada um deles com carreiras de investigação e reflexão estética válida e diversificada para lá da atividade teatral. Ambos se integram num movimento que globalmente pode ser identificado num quadro de estudos e criação filosófica de ponderação e análise de raiz portuguesa. Estiveram também ligados à realização cinematográfica. Azinhal além de uma obra poética assinalável, desenvolveu um notável trabalho de pesquisa e recuperação de peças e textos tradicionais nos 6 volumes de “Teatro Popular Português”.
Mas devemos recordar que Orlando Vitorino é autor de ensaios integrados no movimento chamado da filosofia portuguesa que a partir do final dos anos 70 estudou e afirmou um pensamento de raiz nacional, na linha de António Quadros, António Braz Teixeira, Afonso Botelho, Álvaro Ribeiro, José Marinho, e outros mais.
Mas voltemos ao TdAL. É desde logo de realçar a contemporaneidade do repertório, com esporádicas exceções, mas sempre de dramaturgos relevantes.
Vejamos, nesse aspeto alguns espetáculos. Desde logo, o primeiro, “A Casa dos Vivos” de Graham Green: e podemos confirmar que, na época (e de certo modo ainda hoje) o autor é bem pouco conhecido como dramaturgo, e até não só entre nós. O TdAL estreou depois peças de Garcia Lorca (“Yerma”), Kesselring (“Arsénico e Rendas Velhas”), Priestley (“Já Aqui Estive”), Ugo Betti (“Os Fantasmas”), Brien Fiel (“Amantes de Triunfantes”), JacK Richardesosn (“O Carrasco, o Enforcado e a Forca”), Tankred Dorste (“A Curva”), entre outros, incluindo “Quando a Verdade Mente” de Costa Ferreira.
E também as duas peças fulcrais de Orlando Vitorino, “Nem Amantes nem Amigos” (1962) e “Tongatabu” (1965), ambas marcadas pela reflexão filosófica que é comum a toda a sua criação. Na primeira, o personagem-ator Rafael declama passagens da “Alegoria da Caverna”. E na segunda, reforça-se uma perspetiva existencial da vida no confronto e na alternância de aventura e rotina.
Mas importa agora evocar os elencos sucessivos desta companhia: e diga-se desde logo que o conjunto de atores e atrizes constituiu o que de melhor havia nessa altura na cena nacional, ao nível também do Teatro Nacional de D. Maria II. Logo no espetáculo de estreia assim foi: Maria Lalande, Alves da Costa, Josefina Silva, Brunilde Júdice, Samuel Dinis – à época Diretor da Secção de Teatro do Conservatório Nacional – Constança Navarro, Adelina Campos. E ao longo da temporada, vamos encontrando, a partir desde núcleo central, uma multiplicação de elencos adequado á exigência de cada peça. Basta lembrar que o segundo espetáculo, como vimos a “Yerma” de Lorca – o que só por si é uma afirmação de qualidade - exigia em cena algo como 20 personagens: e encontramos então, neste e em espetáculos sucessivos, nomes como Augusto Figueiredo, Maria Lalande, Mariana Vilar, Lígia Teles, Cecília Guimarães e Francis Graça.
Os espetáculos eram dirigidos ou por elementos do elenco ou pelos próprios diretores da companhia, com destaque para Orlando Vitorino.
Na reposição de 1960-61 e nos espetáculos dessa temporada surge no TdAL como que uma renovação também de grande qualidade: alem de muitos dos citados, temos então no Trindade Carlos José Teixeira, Carlos Wallenstein, Fernando Gusmão e o brasileiro Lusi Tito, numa das primeiras “integrações” de elenco que depois seriam habituais. E mais para o final, outra geração: Ivone de Moura, Carlos Duarte e outros.
ATORES, ENCENADORES (XII) DESCENTRALIZAÇÃO TEATRAL - O ÚLTIMO ESPETÁCULO DE AMÉLIA REY COLAÇO por Duarte Ivo Cruz
Há uma certa simbologia, perdoe-se o eventual exagero da expressão, na despedida de cena de Amélia Rey Colaço. Pensemos da sua vasta e exemplar carreira, e particularmente, nas dezenas de anos em que dirigiu a companhia do Teatro Nacional no D. Maria II, no Avenida, e episodicamente noutras salas, além de tournées que incluíram o Brasil. A sua obra e a sua ação em termos de renovação da cena nacional é indiscutível, para lá de oscilações e opiniões, que também não faltaram. E a sua versatilidade como atriz não confirma uma crítica na época habitual – a de que fazia papeis de alta sociedade… lembro ao calhar, para o desmentir, a formidável ama no “Romeu e Julieta” de Shakespeare.
Mas aqui, quero evocar a insólita despedida de cena de Amélia Rey Colaço.
Foi em 1985, tinha 87 anos. E foi num teatro “marginal”, hoje desativado para não dizer desaparecido para a atividade teatral – e aproveitamos também para o evocar – que pela ultima vez Amélia subiu à cena: no Teatro Portalegrense, no papel da Rainha D. Catarina em “El Rei Sebastião” de José Régio.
Este Teatro Portalegrense, projeto do arquiteto José de Sousa Larcher datado de 1856, manteve-se em atividade durante mais de um século, com significativos momentos de expressão literária e artística. Lembre-se que em Portalegre vivia e lecionava José Régio. Lá se estreou em 1935 o “Sonho de uma Véspera de Exame”, de Régio em récita de finalistas do ensino liceal – e um desses alunos era o futuro ator Artur Semedo. E lá voltaria Régio, o Dr. José Maria dos Reis Pereira professor do Liceu de Portalegre, a ser episodicamente representado.
O Portalegrense deixou de funcionar com regularidade como teatro. Mas ficou o edifico, sucessivamente “aproveitado” em atividades insólitas para um teatro do seculo XIX: templo religioso e até ringue de patinagem!
Evoquemos então atores e atrizes nascidos e relacionados em termos pessoais e profissionais com Portalegre.
Sousa Bastos, na sua prosa peculiar, cita em particular Beatriz Rente: “nasceu em Portalegre em 1859 esta rapariga de olhos grandes que todos achavam bonita (…) Aos 15 anos de idade estreou-se no Teatro D. Maria “e depois passou para o Ginásio “fazendo sempre primeiros papéis com bastante agrado”. O pior é que “saindo deste teatro começou a sua decadência no Teatro da Rua dos Condes; apesar do que foi classificada em primeira classe para o teatro de D. Maria até que a morte a roubou em 1906” assim mesmo, numa prosa “teatral” muito típica do “Diccionário do Theatro Português”…
O outro ator de Portalegre, que acima referi, é Artur Semedo (1925-2001). Grande Prémio do Conservatório Nacional e Prémio de Revelação da Crítica, estreou-se no Teatro Ginásio em 1949 num dramalhão de Cristiano Lima, “O Preço da Honestidade”. Estudou em Itália e prosseguiu uma vastíssima carreira no teatro e sobretudo no cinema, como ator e realizador em Portugal, Espanha e Brasil.
Mas tudo isto veio a propósito do último espetáculo de Amélia Rey Colaço, ocorrido como vimos em Portalegre: homenagem ao portalegrense por opção que foi José Régio, mas também homenagem a uma sala oitocentista de teatro que há muito deixou de o ser.
E referência a uma política de património e de descentralização teatral e cultural que é essencial manter e desenvolver.
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 25.02.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (XI) HOMENAGENS A UM GRANDE ATOR E A UMA GRANDE ATRIZ por Duarte Ivo Cruz
Nos anos 60, inauguraram-se em Lisboa dois teatros em homenagem a dois grandes nomes do teatro português. O que está longe de ser inédito, mas merece destaque pela quase simultaneidade mas sobretudo pela referenciação dos artistas homenageados. Referimo-nos ao Teatro Villaret, iniciativa de Raul Solnado, que o fundou em 1964, e ao Teatro Maria Matos, este de 1969, num conjunto que envolve ainda um cinema e um hotel.
Vejamos um e outro caso.
O Teatro Villaret foi inovador pela rentabilização do espaço. Projetado pelo arquiteto Trindade Chagas com decoração de Daciano Costa, é o primeiro teatro de bolso, digamos assim, construído em Portugal: ocupa a cave de um prédio. O próprio Solnado o dirigiu durante alguns anos e desde logo marcou o espetáculo inaugural com uma adaptação modernizante do “Inspetor Geral” de Gogol.
Falaremos de Raul Solnado noutro artigo. Mas esta evocação permite referenciar outras manifestações de espetáculo, no sentido mais abrangente do termo, conduzidas por Solnado no próprio Teatro Villaret. E citamos designadamente a partir de 1969 a realização e transmissão pela RTP do celebérrimo programa ZIP-ZIP e desde logo, na estreia, a entrevista com Almada Negreiros, que constituiu uma verdadeira lição televisiva: inesquecível, na verdade, o dialogo com Almada e a comunicabilidade da entrevista, numa época em que tais tipos de “espetáculo” no mais nobre sentido do termo, não eram comuns na televisão - e sobretudo naquele registo profundo mas extremamente acessível…E também no Teatro Villaret se efetuou, em 1965, a ultima intervenção de Maria Barroso como atriz (“Antígona” de Anouilh).
O Teatro foi depois dirigido por Artur Ramos, por Vasco Morgado e incidentalmente em desdobramento do Teatro Nacional de D. Maria II. De 1965 a 1968 recebeu a Companhia Portuguesa de Comediantes, que encenou peças de Tennessee Williams e outros autores sobretudo norte-americanos, mas também o “António Marinheiro - o Édipo de Alfama” de Bernardo Santareno.
O Teatro Villaret continua, até hoje, em plena atividade, numa linha eclética quase sempre de qualidade.
Ora, nestes termos, nada mais justo do que a homenagem a João Villaret (1913-1961), notável tanto no teatro declamado como na revista e na televisão – aí, mantendo durante longo período um programa de declamação de poetas portugueses contemporâneos.
Fica na história do espetáculo em Portugal o seu talento e sobretudo a adaptabilidade a géneros e estilos diversos. Cita-se particularmente o seu envolvimento nos Comediantes de Lisboa, companhia que, de 1944 a 1950, renovou o repertório e o espetáculo teatral, sob a direção de Francisco Ribeiro: lembra-se, sobretudo o personagem Tatinho do “Baton” de Alfredo Cortez.
Esteve no teatro de revista desde o final dos anos 30 até 1959 e integrou em 1952 o elenco da primeira revista do Teatro Monumental - “Lisboa Nova” de Fernando Santos, Almeida Amaral de Frederico Valério: são espetáculos ainda hoje evocados pela qualidade, e pelo elenco que reunia a jovem Laura Alves, Eugénio Salvador, Aida Batista, Teresa Gomes…
E recorda-se, no cinema, a curiosíssima intervenção de um personagem mudo em “O Pai Tirano” de Lopes Ribeiro ou o D. João III do “Camões” de Leitão de Barros, ou ainda no “Frei Luís de Sousa” e em “O Primo Basílio” de António Lopes Ribeiro, esta em 1959.
Mas vejamos agora o Teatro Maria Matos. Inaugurado em 1969, Teatro Municipal, segundo projeto dos arquitetos Aníbal Barros da Fonseca e Adriano Simões Tiago, integrando um cinema e um hotel, estreou-se com o “Tombo no Inferno” de Aquilino Ribeiro. Viria depois a funcionar, dirigido por Artur Ramos, como uma espécie de desdobramento de companhias ligadas à RTP.
Em 1974, designadamente, encenou-se lá a ultima peça de Bernardo Santareno “Português, Escritor, 45 Anos de Idade”, a que se seguiu uma série de textos dramáticos de autores portugueses, que antes não seria possível encenar: por exemplo “Legenda do Cidadão Miguel Lino” de Miguel Franco, “O Encoberto” de Natália Correia, e adaptações de Eça (“A Relíquia”) ou de Manuel da Fonseca (“Seara de Vento”).
Maria Matos (1890-1952) merece bem a evocação. Foi atriz desde 1907 e a partir de 1913 fundou com o ator Mendonça de Carvalho, seu marido, uma companhia que na época marcou uma renovação de qualidade no teatro português. Foi professora do Conservatório desde 1940, nas cadeiras de Arte de Dizer e de Estética Teatral – e como tal antecessora de Gino Saviotti, o qual, nessa qualidade, foi já aqui foi evocado. Fez cinema, mas sobretudo, repita-se, marcou gerações de artistas e espetadores, ao longo de uma longa e qualificada carreira teatral.
E foi também dramaturga acidental, com três comédias: “Direitos do Coração”, “A Tia Engrácia” 81936) e “Escola de Mulheres” (1937).
Foto do arquivo de Osório Mateus
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 18.02.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (X) EVOCAÇÃO DO CINQUENTENÁRIO DO TEATRO MODERNO DE LISBOA por Duarte Ivo Cruz
O Teatro Moderno de Lisboa representou uma inovação da atividade teatral no ponto de vista simultâneo de repertório, de elenco, mas também de organização dos espetáculos, de espaço e de acesso a um público de certo modo específico e menos habitual na época e na cidade. Tratou-se com efeito de uma experiência de espetáculos em horário menos habitual, para não dizer inovador entre nós, num espaço difícil para a produção teatral – nada menos do que o então Cinema Império - a partir de um repertório algo exigente e difícil – mas sobretudo assente num grupo de atores verdadeiramente excecional da época.
A aventura, por que de uma aventura se tratou, durou ainda assim cerca de cinco anos, de 1960 a 1965: e precisamente, foi em 1965, que a companhia cessou atividades, e com uma estreia essa então muito difícil para a época – “O Render dos Heróis” de José Cardoso Pires.
E bem se entende a dificuldade. Em primeiro lugar, no que se refere ao texto em si mesmo. A peça data de 1960 e constitui, de certo modo com o “Felizmente Há Luar” de Luis de Sttau Monteiro, esta de 1961, como que uma espécie de “introdução” do teatro épico-narrativo de raiz e temática histórica na dramaturgia portuguesa. Com talvez maior “exigência” para a peça de Cardoso Pires, pois representa, ainda hoje, uma difícil conciliação da raiz histórica do temário com uma imensa complexidade e modernidade de espetáculo – e tudo isto numa transposição teatralmente muito feliz.
Espetáculo, sublinhe-se agora, extremamente complexo. Trata-se em primeiro lugar de uma “narrativa dramática em três partes, um epílogo e uma apoteose grotesca” das guerras entre absolutistas e liberais, num envolvimento histórico e político necessariamente muito vasto. E essa complexidade conduz direta e necessariamente a uma abordagem espetacularmente difícil. Basta ter presente que o elenco envolve nada menos do que 27 personagens, para além de figurantes que se possa e queira acrescentar.
Tudo isto numa ação extremamente exigente na perspetiva épico-narrativa: as cenas sucedem-se e alternam num encadeado de conflitos, personagens, situações.
E tudo isto num envolvimento de espetáculo e de interpretação ele próprio, repita-se, também muito exigente, sobretudo a partir da complexidade história e psicológica. Nesse aspeto, a técnica épico-narrativa é extremamente feliz e adequada ao fresco histórico mas também ao envolvimento político, esse então claramente moderno – e como tal, repita-se, muito complexo para a época em que o espetáculo foi encenado…
Ora, é interessante perceber, no contexto do espetáculo, a conciliação do sentido teatral com a técnica do romance, nos textos de ligação, nas falas do narrador e no pormenor e qualidade das notas de cena: uma relação muito feliz entre o teatro e o descritivo de situações, que alternam e constituem um dos grandes fatores essenciais do teatro épico-narrativo.
Passados estes 50 anos, o espetáculo tal como o recordamos, não teria perdido atualidade, por o texto obviamente a não perdeu!
Recorde-se finalmente que a encenação foi de Fernando Gusmão e entre o numeroso elenco destacaram-se Rui de Carvalho, Carmen Dolores, Rui Mendes, Morais e Castro, Fernanda Alves, Fernando Gusmão e tantos mais.
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 11.02.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (IX) EVOCAÇÃO DE GINO SAVIOTTI NOS 70 ANOS DO CÍRCULO DE CULTURA TEATRAL E DO TEATRO ESTÚDIO DO SALITRE por Duarte Ivo Cruz
Fazemos hoje uma evocação de Gino Saviotti e das grandes iniciativas de cultura e de espetáculo teatral com que este italiano, fixado em Lisboa a partir dos anos 40, marcou, e de que maneira, a cultura e a atividade profissional do teatro português. Digo desde já que participei nos cursos livres de Filosofia do Teatro que em 1958 e anos seguintes Saviotti ministrava no então Conservatório Nacional. E quando, anos depois, assumi no Conservatório e depois na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa a cadeira de História da Literatura Dramática e do Espetáculo Teatral, muito recordei e evoquei os ensinamentos de Saviotti…
O Círculo de Cultura Teatral foi criado em 1945, a partir de um grupo notável de escritores e intelectuais portugueses. Os objetivos eram basicamente “desenvolver o gosto pelo teatro como intervenção literária e espetacular, a cultura intelectual, o sentido artístico e as faculdades criadoras pela poesia e o pensamento dramáticos”, segundo o manifesto de criação assinado por individualidades tais como Alves Redol, Arquimedes da Silva Santos, Jorge de Faria ou Vasco Mendonça Alves e Luis Francisco Rebello que aqui citamos.
No mesmo ano, Saviotti publicou um texto programático intitulado “Premissas para a Constituição em Lisboa de um Estúdio Teatral”. E efetivamente, em 1946, arranca no Instituto Italiano de Cultura, onde Saviotti era professor, um chamado 1º Espetáculo de Teatro Essencial que marcaria o início do Teatro Estúdio do Salitre, importante movimento de renovação teatral.
Mas passados menos de 10 anos, encontramos Saviotti a dirigir uma Nova Companhia do Teatro de Sempre-NCTS, que por direito próprio se inscreve num movimento de renovação de repertórios e de espetáculos. Era no Teatro Avenida, e reunia um rupo de então jovens atores, com destaque para Rogério Paulo e Carmen Dolores, designadamente: havemos de falar nas carreiras respetivas.
Mas neste texto, importa sublinhar sobretudo a renovação de repertório que esta NCTS trouxe ao meio teatral à cultura teatral portuguesa. Destaco em particular dois espetáculos.
Desde logo, em 1958, “O Gebo e a Sombra” de Raul Brandão, peça quase desconhecida na época não obstante uma brevíssima produção (apenas quatro espetáculos!) em 1927 e um espetáculo universitário em 1945. Rogério Paulo interpretou e protagonista e encenou em 1961 uma versão no Nederlamd Kamernoteel de Antuérpia.
A encenação de Gino Saviotti no Avenida teve assim foros de revelação. Como o teve também o texto de Brandão, na decadência resignada o pobre Gebo, para quem “a felicidade na vida é não acontecer nada, “pois (ele) não pode se senão isto”. Para proteger o filho assume um roubo que não cometeu. Mas volta da prisão completamente pervertido: e a última fala da peça é sintomaticamente – “tudo foi inútil”.
Ora, tal como escreveu Urbano Tavares Rodrigues, “todas as personagens ou quase todas, através dos 4 atos da peça, se interrogam a si próprias, mas do que se dirigem aos outros” (“Noites de Teatro” II – 1961). E João Pedro de Andrade: “Trata-se de uma tragédia do tempo presente, em que a fatalidade é gerada pelas modernas potências que tomam o lugar dos deuses na tragédia antiga” (in Dicionário do Teatro Português pág.348).
Tudo isto constituiu revelação para o público de 1958. E também teve foros de revelação, na mesma companhia, a estreia, a seguir, de “Seis Personagens à Procura de Autor” de Pirandello, interpretado por Carmen Dolores e encenado por Gino Saviotti.
São espetáculos que, decorrido mais de meio século, não esquecem!
Raul Brandão da autoria de Tagarro
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 04.02.15 neste blogue.
ATORES, ENCENADORES (VIII) EVOCAÇÕES, DESLOCALIZAÇÕES por Duarte Ivo Cruz
Faz-se hoje referência a dois aspetos distintos de uma política, digamos assim, de descentralização e deslocalização teatral: atores, encenadores, que ou fizeram a carreira fora de Lisboa, ou que foram devidamente homenageados fora de Lisboa. E tenha-se presente que esta circunstância não é despicienda, dada a secular centralidade do teatro-espetáculo em Portugal.
Referimos, nesse aspeto, em primeiro lugar, Rosa Damasceno (1849-1904). E se a cito, é porque, tal como vimos no artigo anterior com o ator e os Teatros Taborda, o prestigio de Rosa Damasceno manteve-se até muito depois da sua morte: e sobretudo, justificou, a partir de 1893, a denominação de Teatro Rosa Damasceno a um velho Teatro de Santarém, erguido em 1894 no local onde existira a Igreja de São Martinho, e onde, desde pelo menos 1810 se produziam espetáculos. E não só: há noticia de uma representação do “Frei Luis de Sousa”, em 1847, no antigo Convento de São Domingos, espetáculo de que Herculano dá notícia.
De qualquer maneira, o que agora interessa é que a carreira de Rosa Damasceno justificou a homenagem.
Esse primeiro Teatro Rosa Damasceno deve-se a um projeto de José Luis Monteiro e dele ficou a memória de uma sala imponente, com 800 lugares entre plateia, 60 camarotes e geral. Seria substituído em 1938, no mesmo local, por um novo Teatro Rosa Damasceno, este da autoria do Arquiteto Amílcar Pinto: “obra prima da arquitetura moderna e da art déco em Portugal” escreveu Jorge Custódio. (in Relatório para a CMS citado em Duarte Ivo Cruz- “Teatros de Portugal” - 2005) E só é de lamentar que tenha sido votado ao abandono durante décadas, não obstante a notável fachada e a qualidade arquitetónica do interior.
A atriz Rosa Damasceno estreou em 1867 no Teatro da Trindade com um dramalhão intitulado “A Mãe dos Pobres” de Ernesto Biester. Casada com o ator Eduardo Brazão, cumpriu uma longa carreira no Teatro D. Maria II e no Teatro D. Amélia, com destaque para o que era, na altura, o teatro romântico e contemporâneo português, em estreias de peças ou de adaptações, desde Garrett a Júlio Dinis, a D. João da Camara e ao então estreante Júlio Dantas: mas também os clássicos portugueses, e ainda Shakespeare, Molière, Tolstoi, e muito repertório romântico e ultrarromântico francês, ou seja, o repertório “moderno” da época.
Avancemos algumas dezenas de anos.
Vamos então encontrar, a partir de 1953, o Teatro Experimental do Porto - TEP, fundado e dirigido, até 1961 por António Pedro (1909-1966). Tal como noutro lado escrevi, a sua marca sente-se “no combate por uma renovação do espetáculo teatral nos Companheiros do Pátio das Comédias ou sobretudo, nos anos 50, no Teatro Experimental do Porto ou e na magnífica reflexão erguida sobre uma notável sabedoria técnica que é o Pequeno Tratado de Encenação”. (in “História do Teatro Português” - 2001).
Deveu-se-lhe sobretudo como encenador uma obra decisiva de renovação da cena portuguesa, escreveu Luis Francisco Rebello (in “100 Anos de Teatro Português – 1880-1980” – 1984). Mas António Pedro é também um dramaturgo de qualidade, sobretudo em linhas de conciliação do sentido técnico-dramático com uma modernização de estilos e técnicas de espetáculo, patentes tanto nas encenações como nas próprias peças de sua autoria: “Teatro – Comédia em um Ato”, “Desimaginação”, “Andam Ladrões cá em Casa” “Antígona”, “Reginaldo” e “O Lorpa”.
Mas sobretudo, António Pedro foi um grande homem de teatro, no sentido mais abrangente. Contribuiu, como diz Luciana Stegagno Picchio, para dar “um cunho especial” ao teatro português. (in “História do Teatro Português” – 1962).
E basta recordar os autores que encenou no TEP, entre 1953 e 1961, de acordo com um rigorosa levantamento feito por Carlos Porto (in “O TEP e o Teatro em Portugal” – história e imagens” – 1997):
Léon Chancerel, Egito Gonçalves, Anton Tchekhov, Arthur Miller, Jean Cocteau, Victor Ruiz Iriarte, Shakespeare, Sófocles, António José da Silva, J. M. Synge, Guilherme Figueiredo, Romeu Correia, John Steinbeck, Bernardo Santareno, Eugene ONeill, António Pedro, Oscar Wilde, Miguel Torga, Camilo, Ben Jonson, William Faulkner, Molière, Armando Martins Janeiro, Ugo Betti, Bernardo Santaremo, Pedro Bloch, Raul Brandão, Ionesco, Ibsen, Francisco Ventura…
Assisti a muitos desses espetáculos, ouvi e falei com António Pedro: e tudo isto é inolvidável.
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 28.01.15 neste blogue.